Rio de Janeiro

CORRUPÇÃO

Cabral confessa propina de Eike para desapropriar terras e construir Porto do Açu

Ex-governador afirmou que recebeu 16 milhões de dólares para destinar território à construção do megaempreendimento

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

Ouça o áudio:

A partir de um decreto sancionado em 2009 pelo então governador, 1500 famílias de pequenos agricultores sofreram ação de despejo
A partir de um decreto sancionado em 2009 pelo então governador, 1500 famílias de pequenos agricultores sofreram ação de despejo - Valter Campanato/Agência Brasil

Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) na última semana, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) confessou pela primeira vez que recebeu dinheiro ilícito para construir um megaempreendimento portuário, o Porto do Açu, no município de São João da Barra, no Norte Fluminense. Cabral está preso desde 2016 no presídio de Bangu 8.

O ex-governador afirmou que o governo recebeu 16 milhões de dólares de Eike Batista durante a campanha eleitoral para desapropriar mais de 7 mil hectares de terras no entorno do 5º distrito do Açu. A partir de um decreto sancionado em 2009 pelo então governador, aproximadamente 1500 famílias de pequenos agricultores que trabalhavam na terra ainda sofrem com as consequências da ação de despejo. Na época, a decisão beneficiou a empresa LLX de Eike, preso em 2017.

Naquele ano em abril, os trabalhadores rurais organizaram uma reocupação que durou 100 dias em uma parte do terreno com apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A mobilização da Associação dos Proprietários Rurais e de Imóveis do Município de São João da Barra (Asprim) deu visibilidade às violações de direitos que aconteciam desde o início da construção do porto em 2008.  

 

Até hoje muitas famílias de São João da Barra (RJ) não perderam a esperança de anular pelo menos parte do decreto (Foto: Reprodução)

Prejuízos

Segundo um levantamento, o porto que agora pertence à empresa Prumo Logística, ocupa menos de 10% da área planejada para o empreendido, todo resto fica cercado e com placas de proibição. Para além da destruição das casas e dos prejuízos ambientais como a salinização do solo, há também muitos casos de transtornos psiquiátricos e morte de moradores por depressão.

O documentário "Ignorados" mostra um pouco de como os moradores, muitos deles analfabetos, foram intimidados pela empresa e a própria justiça. Até hoje as famílias não perderam a esperança de anular pelo menos parte do decreto. Alguns ainda resistem na terra mesmo sendo ameaçados, e a maioria dos camponeses não recebeu indenização.

A professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) Ana Costa pesquisa há anos o Porto do Açu e chama atenção para os interesses estratégicos das empresas multinacionais.

"A área tem todos os quesitos de valorização. O oceano para receber os maiores navios do mundo, redução de distância do transporte marítimo, proximidade com áreas de pré-sal, da bacia de petróleo. A especulação fundiária é uma grande fonte de renda da Prumo Logística [controlada pelo fundo de investimento EIG, dos Estados Unidos]. Enquanto eles querem pagar para o agricultor em torno de R$1,90 m2 na terra, o preço chega a ser 20 vezes maior quando eles vão alugar. Ou seja, pra indenizar o agricultor a terra é improdutiva, arenosa, não tem valor", aponta.

 

Mapa mosaico das desapropriações no Açu do Grupo de Trabalho em Assuntos Agrários (AGB) Rio-Niterói e Núcleo de Estudos em Trabalho, Cidadania e Desenvolvimento (NETRAD/UFF)

Mobilização

A expectativa a partir de agora é uma retomada da mobilização no território para reaver ao menos parte do terreno e redistribuir para os agricultores. Após a confissão de fraude do ex-governador, Ana Costa espera que a denúncia de pesquisadores e movimentos sociais seja levadas à cabo por representações do Ministério Público nos âmbitos federal e estadual. Além disso, é esperado que uma nova audiência pública seja marcada na Assembleia Legislativa.

"Aquilo que era de uso comum das famílias, na medida que foram invadidas pelo capital, aquilo que era utilização cultural, histórica, passa a ser crime. Essas famílias na sua grande maioria não foram indenizadas, ou seja, as terras foram literalmente roubadas. Não dá pra imaginar que isso vai permanecer como se nada tivesse acontecido, como é possível perder tantas vidas por causa dessa ganância", completa.

A assessoria de imprensa da Prumo Logística informou que desde 2013 o empreendimento não tem nenhuma interferência do Eike Batista na gestão e que o empresário não é mais acionista. "O Complexo do Porto do Açu está em operação desde 2014 e atualmente conta com 13 empresas instaladas, que geram seis mil empregos", disse a empresa em nota.

Edição: Mariana Pitasse