Coluna

Férias frustradas

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Estratégia do governo Lula é não se afundar na encrenca, desviando de temas polêmicos como a inclusão do Hamas na lista de terroristas - Ricardo Stuckert/ PR
O fim da tranquilidade de Lula veio do exterior

Olá!
A prometida semana de tranquilidade foi interrompida por uma nova guerra. E o eco político das bombas no Oriente Médio são ouvidos aqui no Brasil.

.Terreno minado. Com boa parte do alto escalão político viajando – Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Campos Neto – tudo indicava que Brasília estaria em clima de feriadão e recesso informal. Mas, sem ter tempo nem de descansar, nem de priorizar as agendas internas, o fim da tranquilidade de Lula veio do exterior. Fazia menos de uma semana que o Brasil havia assumido a presidência do Conselho de Segurança da ONU quando estourou o conflito entre o Hamas e Israel. O assunto é mais espinhoso do que a guerra na Ucrânia e a intervenção no Haiti, pois mexe com todas as peças do tabuleiro geopolítico e com problemas históricos. A estratégia brasileira é não se afundar na encrenca, desviando de temas polêmicos como a inclusão do Hamas na lista de terroristas, e ao mesmo tempo apostar nos pedidos de cessar-fogo e libertação de reféns. Apesar da agilidade do governo em resgatar os brasileiros da Faixa de Gaza, a política internacional se tornou um problema doméstico. Isso porque os grandes jornalões resolveram fazer tabelinha com a turma de Bolsonaro e insistir na tese de que o PT, PSOL e MST defendem o Hamas. Guilherme Boulos, ministros e deputados petistas foram cobrados, nos bastidores ou publicamente, por suas posições contrárias ou favoráveis à Israel, o que também fez a alegria da bancada evangélica. A manifestação pública de Lula seguindo a estratégia da diplomacia foi bem recebida no exterior, mas não foi suficiente para barrar a sanha da oposição que mira também no chanceler Mauro Vieira, aproveitando o feriado para sangrar o governo numa semana que prometia ser morna.

.A oportunidade faz o ladrão. Se o Planalto não tem paz, o recesso forçado deve pelo menos pacificar as relações entre o Legislativo e o Judiciário. Mais uma vez, Arthur Lira encontrou uma oportunidade para valorizar o seu próprio passe e se aproximar do STF, prometendo barrar as propostas que enfraquecem a Corte para se contrapor ao presidente do Senado Rodrigo Pacheco. De olho no seu futuro político, seja do seu sucessor seja numa indicação para o TCU, Pacheco estava usando a revolta da bancada ruralista para se reaproximar da base de extrema-direita no Congresso. O mesmo movimento que fez o seu principal adversário, Davi Alcolumbre. E a disputa atravessa a Praça dos Três Poderes para cair de novo no Planalto. Isso, porque a hesitação de Lula em nomear um novo PGR foi usada por Alcolumbre como uma oportunidade para que os parlamentares também tenham influência na decisão. Valendo-se da presidência da CCJ, o senador pretende segurar todas as sabatinas dos indicados ao STJ até que Lula se decida e quem sabe pressionar por um nome do agrado dos senadores. A estratégia também abalaria o frágil “presidencialismo de coalizão com o STF” estabelecido pelo governo, já que ceder para o Congresso enfraqueceria os aliados na Corte, e deixá-los fortes, manteria a tensão constante entre o governo e o Parlamento. Por hora, quem sai das cordas é a bancada de extrema-direita, afagada pela mídia, por Pacheco e Alcolumbre e que vê espaço para respirar, se descolar de Bolsonaro e insistir nas pautas conservadoras como o fim do casamento homoafetivo.

.Rogai por nós. Bem longe dos prognósticos otimistas do fim do primeiro semestre, quando o bolsonarismo afundava nos seus rastros, a primeira parte da reforma tributária era aprovada e o centrão pacificado, o caminho para a estabilidade econômica e política almejado pelo governo continua repleto de armadilhas. As tensões entre o Judiciário e o Legislativo são uma delas, mas a economia continua sendo o principal problema. E, para piorar o cenário, o conflito no Oriente Médio acentua os maiores obstáculos externos para o crescimento econômico: as altas taxas de juros nos EUA, aumento do preço do petróleo no mercado internacional e a situação geopolítica sem previsão de estabilizar. Além disso, a crise climática pode agravar a inflação internacional dos preços dos alimentos e commodities. É verdade que aqui dentro o preço dos alimentos tem caído e até o Banco Central reconhece que o Mercado tem errado nas suas previsões sobre a inflação e o crescimento, o que dá esperanças ao Planalto. Além disso, o Congresso sinaliza que pode votar ainda em novembro a segunda parte da reforma tributária, aquela que afeta mais imediatamente as expectativas de arrecadação do governo, e a previsão é de que a safra agrícola deste ano seja a segunda maior da história. Por outro lado, a onda de calor aumentou o consumo energético, uma área cuja infraestrutura foi arrebentada pela privatização e é incapaz de evitar novos apagões. Mas, principalmente, a questão é saber quais margens de manobras a economia brasileira terá num cenário que fortalece o dólar e favorece a fuga de capitais especulativos em direção aos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a economia americana dá todos os sinais de que caminha para uma recessão ou para um novo estouro da bolha imobiliária. 

.Murchou o pão de queijo. Enquanto o mundo gira, a saga de Bolsonaro para sair do limbo político continua. Se as informações sobre a sua participação direta na elaboração da “minuta do golpe” se confirmarem, será difícil não escorregar para o inferno. Claro, o general Braga Netto também é citado na delação de Mauro Cid como o elo que ligava o presidente aos acampamentos golpistas na frente dos quartéis. Mas, se o corporativismo militar estiver correto, a acusação contra Braga Netto pode não dar em nada, e até Mauro Cid pode ser reabilitado pelo Exército, deixando só o capitão como boi de piranha. Afinal, a única preocupação dos militares é salvar a própria pele e a unidade da corporação, tarefa à qual tem se dedicado o Comandante do Exército Tomás Paiva. O inferno astral de Bolsonaro se completa com o julgamento de três ações no TSE que podem confirmar sua inelegibilidade por oito anos. Porém, os problemas do capitão vão além da polícia e da justiça, e incluem também a política. A recente tentativa de aproximação do governador de Minas, Romeu Zema, terminou com discordâncias públicas e uma manifestação esvaziada em Belo Horizonte. É que os tempos mudaram e, mesmo aqueles que estão de olho nos votos do capitão, não estão dispostos a afundar junto com ele, como Zema e Tarcísio. Nesse ritmo, o único que pode morrer abraçado com Bolsonaro é mesmo o PL, biombo que resolveu acolher toda a família e aliados

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O legado de trauma e divisão deixado pelo Reino Unido e França no Oriente Médio. Na BBC, como as potências europeias criaram o conflito no Oriente Médio.

.Israel, Hamas, resistência armada e liberdade: o que pensam os palestinos? Pesquisa de opinião realizada em território palestino ajuda a entender as causas da guerra atual. 

.A mídia como ferramenta de guerra. No A Terra é Redonda, como a mídia ocidental usa o alarmismo e a comoção para abordar o conflito no Oriente.

.Haiti é vítima de caos orquestrado que o impede de definir seu próprio rumo, diz dirigente político. Em entrevista ao Brasil de Fato, o dirigente haitiano Camille Chalmers explica como o país foi destruído pelos interesses comerciais estrangeiros.

.Retomada de políticas marca combate à fome em 2023, baixo orçamento e falta de plano para a reforma agrária são desafios. No Joio e o Trigo, a distância entre as promessas e as ações de combate à fome.

.Entenda por que o Congresso vai na contramão das políticas climáticas. Em vídeo do Congresso em Foco, o poder da bancada ruralista para impedir a transição ecológica.

.PEC do Plasma: a quem interessa seu sangue. No Intercept, quais os interesses por trás do projeto de comercialização do sangue em discussão no Congresso.

.Por que o filme 'Som da Liberdade' tem mobilizado evangélicos, bolsonaristas e PMs no Brasil. Na Carta Capital, como chegou ao Brasil o movimento da extrema-direita americana em torno de um filme conspiratório.

.Conferência Dilemas da Humanidade começa neste sábado (14), em Joanesburgo. Confira a programação do evento que busca soluções igualitárias para os principais problemas globais.

.Guilhotina #215. No Podcast do Diplô Brasil, o geógrafo Bruno Malheiros fala do seu livro “Geografias do bolsonarismo: Entre a expansão das commodities, do negacionismo e da fé evangélica no Brasil”.

 

*Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas