Coluna

Melhor chamar o Lula

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Presidente Lula discursa na abertura do Debate Geral da 78º Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de setembro, em Nova York - Ricardo Stuckert/PR
O presidente brasileiro é demandado a resolver uma enxurrada de problemas do Brasil e do mundo

Olá, da guerra da Ucrânia à queda da taxa de juros, passando pelo aquecimento global, o presidente brasileiro é demandado a resolver uma enxurrada de problemas do Brasil e do mundo.

.A volta do cara. A presença de Lula na Assembleia Geral das ONU consolida a reinserção do Brasil no mundo depois da troca de governo. O presidente foi coerente com a atuação em outros fóruns, como a cúpula dos BRICS e o encontro do G20, batendo nas mesmas teclas: combate à fome, à pobreza e às desigualdades, e preservação ambiental, cobrando dos países ricos os custos de reverter a crise econômica, social e climática. Com isso, o Brasil se cacifa como o porta-voz das nações pobres e em desenvolvimento, aproveitando o prestígio internacional de Lula. Claro, a intenção não é apenas humanitária, mas também política: o Brasil não só defende a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, como quer a sua vaga. Aliás, apesar das críticas de Lula ao FMI, ao Banco Mundial e ao embargo norte-americano à Cuba, houve uma surpreendente sintonia entre Brasil e Estados Unidos. Além de apoiar as pretensões brasileiras ao Conselho de Segurança, Joe Biden comprou a agenda de Lula pelo trabalho digno, acenando com uma rara boa vontade, o que talvez se explique pela pouca atenção que Rússia e China despenderam à Assembleia da ONU. Isso mostra que os posicionamentos internacionais são mais fluidos do que uma suposta Guerra Fria poderia sugerir. De lambuja, um encontro cordial com Zelensky quebrou o climão que permanecia em torno da questão ucraniana, mesmo sem Lula mudar de posição quanto à busca da paz sem uma condenação da Rússia.

.O fim da aventura humana na Terra. Dos quinze minutos de discurso do presidente Lula na ONU, quatro foram dedicados ao tema ambiental. Para além da pauta ser o cartão de visitas do reposicionamento diplomático brasileiro, as consequências da crise climática assola o país. Depois das chuvas intensas de verão no sudeste e destruição no inverno sulino, o centro-oeste entrará na primavera com picos de calor com riscos à vida. Já as cidades amazônicas puxam a lista das vinte capitais brasileiras com maior aumento de temperatura até 2050. Neste mês, o Centro de Resiliência de Estocolmo informou que, dos 9 limites planetários,  a humanidade já ultrapassou seis. Além da denúncia, os desafios do governo são superar os dois maiores responsáveis pelo aquecimento global: o desmatamento causado pelo agronegócio e a emissão de gases que causam o efeito estufa. Por hora, pelo menos podemos comemorar a derrota da tese do Marco temporal no STF que ameaçava a preservação de terras indígenas. Da parte do governo, a transição ecológica foi incluída como peça central no novo PAC e no projeto de reindustrialização do país. O novo regime automotivo, por exemplo, vai aumentar os benefícios fiscais para carros elétricos e outros meios de transportes que utilizem novas tecnologias menos poluentes e mais sustentáveis. O valor, no entanto, ainda é baixo: 2,8 bilhões no orçamento de 2024. Também é polêmico que o governo tenha optado pela financeirização como mecanismo de arrecadação, ou seja, a venda de títulos internacionais, colocando o programa à mercê da especulação. Outra aposta ousada é retomar o investimento para a produção do e-fuel ou “combustível do futuro”,  gasolina sintética produzida em laboratório, cujo marco regulatório é parte do projeto enviado ao Congresso e que prevê ainda a redução da emissão por aeronaves, transição para o diesel “verde” e aumento da porcentagem de etanol nos combustíveis.

.A volta dos que não foram. Se a pauta ambiental é a menina dos olhos da política externa, aqui dentro, a chave do sucesso é a economia. Com o corte de mais meio ponto percentual na taxa Selic, o pior capítulo do embate entre o governo e o Banco Central parece ter ficado para trás. O resultado foi um equilíbrio de forças possível, com o governo vendo a queda acontecer, ainda que mais lentamente do que o esperado, e Campos Neto cedendo com parcimônia e mantendo o controle sobre o Banco Central. O resultado reflete também as boas expectativas do mercado para a economia brasileira. Impulsionado pelas exportações de commodities, as previsões para o PIB aumentaram para 2,89% e espera-se que a inflação continue caindo. Mas nada disso significa pé na areia e caipirinha para a equipe econômica, já que o mercado agora está de olho na capacidade do governo cumprir o combinado no novo arcabouço fiscal. E é aqui que começam os problemas. Haddad tenta encontrar o caminho para arrecadar mais R$168 bilhões e fechar as contas, mas isso significa nadar contra a maré do otimismo econômico. Além de ter que reverter a tendência histórica de queda de arrecadação, o ministro terá que lidar com as pressões de estados e municípios por recursos e com o desejo dos ministros e do próprio Lula de aumentar os investimentos públicos. Do outro lado, Haddad tenta conter as pressões da Faria Lima por uma reforma administrativa dentro do serviço público federal. É que o mercado já entendeu que o alívio na economia empodera o governo, e quer manter a rédea curta. E, para isso, nada melhor do que jogar o feitiço contra o feiticeiro, questionando o compromisso do governo com o equilíbrio fiscal, e levantando a velha bandeira “gastar menos, com mais qualidade”, o que na prática significa austeridade, terceirização, precarização e privatização. Se vitoriosa, a reforma administrativa será um tiro no pé da agenda social do próprio governo, afetando principalmente as áreas da saúde e educação.

.O centrão de toga. Nos primeiros governos petistas, veio do Judiciário a principal fonte de oposição ao Planalto, quando começamos a conhecer a escalação dos onze ministros do STF. A judicialização da política e a politização do Judiciário contaminou todas as esferas deste poder, abrindo caminho para aventureiros como o procurador Rodrigo Janot e o juiz Sérgio Moro. Não é à toa, portanto, a cautela de Lula em avaliar os nomes para as próximas indicações da PGR, do TSE e do STF. Para complicar o xadrez, as preferências dos novos aliados, Gilmar Mendes e Alexandre Moraes, são bem distintas dos petistas. No caso da PGR, a tendência é que Lula, pela primeira vez, não siga a lista tríplice. Porém, nos bastidores, o presidente não teria ficado satisfeito com as indicações de Paulo Gonet, defendidas pelos ministros do STF, e Antônio Carlos Bigonha, preferido dos petistas. Já no STF, a ausência de um franco favorito alimenta especulações na imprensa e “balões de ensaio”, com os nomes sendo testados pelo governo na opinião pública ou jogados aos leões para serem propositalmente queimados. É o caso de Flávio Dino, que sem nenhum fato concreto passou a ser atacado pela dupla Flávio Bolsonaro e jornal Estado de São Paulo. A indicação ao STF é mais delicada devido às chamadas “pautas ideológicas” pela extrema-direita, como a descriminalização do aborto, que já provocou a reação do novo integrante da base, o PP. Isso sem contar a possibilidade da delação de Mauro Cid levar algum alto comandante para o banco dos réus, além da incógnita sobre a futura presidência da Corte sob a batuta de Luís Roberto Barroso, outro que flertou com o lavajatismo. Lula enfrenta ainda a pressão para a indicação de uma mulher e preferencialmente negra para o STF, já que a aposentadoria de Rosa Weber deixará Carmem Lúcia como única ministra do Supremo. Um problema que não é só de Lula, já que o Conselho Nacional de Justiça tem debatido a adoção de paridade de gênero  no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário. É possível que Lula tente compensar a pressão indicando a advogada negra Vera Lúcia para a vaga do TSE, enquanto ganha tempo para solucionar a equação.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.“Enterrei o medo junto com meu filho”. Na Piauí, como um grupo de mães pautou o julgamento da Chacina do Curió, a maior matança policial da história do Ceará.

.Narcogarimpos. Dossiê produzido pela Repórter Brasil revela as relações entre o garimpo ilegal e o narcotráfico na Amazônia.

.Evangélicos, PCC, armas e Bolsonaro. Bruno Paes Manso analisa as convergências ideológicas de setores sociais que parecem muito distantes. Na Carta Capital.

.Loucura como diagnóstico da fome?. No O Joio e o Trigo, como a fome no Brasil ampliou os casos de sofrimento psíquico.

.O impacto trazido pela primeira juíza negra no Supremo dos EUA. Na BBC, como foi o primeiro ano de Ketanji Brown Jackson, primeira mulher negra na Suprema Corte estadunidense.

.Está na hora. Na Piauí, Eduardo Escorel fala sobre as dificuldades do cinema brasileiro e defende mudanças institucionais e aumento de investimentos.


*Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

**Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas