Coluna

Somos Amigas da Terra Brasil

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Assembleia da Amigas da Terra Brasil realizada em Porto Alegre (RS) em julho - Jonatan Brum/ ATBr
Assumir essa nova identidade representa acolher um processo de transformação da nossa história

A gente
Fala
Grita
Canta
Chora
Ri
Encanta

A gente anda
Corre
Cambaleia
Tropeça 
Cai
Levanta

E retoma
Não para
Constrói
Sonha
Faz
Da vida esperança

De se ter 
Paz
Terra
Teto
Justiça 
E amor

Porto Alegre, 22 de julho de 2023

Roberto Liebgott

A coluna desta quinzena conta a nossa própria história de revisitar as nossas reflexões e ação política e, assim, a nossa identidade coletiva. Em nossa última Assembleia Geral, realizada no dia 21 de julho, deliberamos pela modificação de nossa identidade de "Amigos da Terra Brasil" para "Amigas da Terra Brasil". Assumir essa nova identidade representa o acolhimento de um processo de transformação da nossa história, das pessoas que compõem a organização, do nosso fazer coletivo.

Neste ano, em que completamos 40 anos de organização como membros da maior federação ambientalista de base do mundo, a Amigos da Terra Internacional (Friends of the Earth), organizada em 75 países, acreditamos que é tempo de que nossa identidade reflita os novos contornos das ações práticas. Nos últimos anos, empunham a luta pelo feminismo popular e pela justiça ambiental, assumindo com centralidade em nosso trabalho o desmantelamento do patriarcado e do neoliberalismo. 

Reconhecemos que não é possível construir justiça ambiental sem enfrentar as desigualdades de gênero. Em nosso cotidiano, visitamos nosso passado e assumimos esta identidade para construir outras perspectivas para o presente e futuro. Essa identidade reflete um processo de construção interna (falando para dentro) e se expandindo para fora.  A Federação, por meio das questões colocadas por diversas organizações membras e das alianças, assume para si um debate que, para além da complexidade da nossa realidade, cria toda uma narrativa que, por meio do feminismo e da resistência ao patriarcado, propõe-se a desmantelá-lo desde nossas organizações, entre elas na própria Federação e para o mundo. Para isso, a criação do debate nas regiões e de protocolos que garantam o acolhimento e as consequências de atos de machismo, violência e preconceitos de gêneros e a garantia de acesso às instâncias das organizações membras, da própria região e da Federação toda. Desde a Aliança Feminismo Popular, na solidariedade à luta das mulheres camponesas, das atingidas por barragens, afetadas pelas políticas de economia verde, das mulheres em luta por moradia, identificamos a carga desigual que as mazelas do capitalismo impõem para os corpos das mulheres. 

Ao afirmarmos o gênero feminino em nosso nome, expressamos o caráter de um movimento diverso, plural, multissetorial, que ganha mais unidade e coerência à medida que nos desenvolvemos como individualidades, organizadas e em movimento.

Sob a mística do eterno oroboro, símbolo da continuidade, da transformação, do abraço e da unidade, da solidariedade internacionalista que une as pessoas amigas da terra na organização, na Federação, na aliança política com outros movimentos, como a Via Campesina e a Marcha Mundial de Mulheres, na construção de outro modelo de produção no qual sejamos todas amigas da terra. Caminhamos para usar a terra para continuar a produção e reprodução da vida, para que nossas relações sociais sejam pautadas por outro paradigma. Que não haja opressão. 

Em nossa nova identidade, ressaltamos o punho cerrado, que dá forma à árvore que antes ocupava seu lugar. Símbolo da clareza política de nos posicionarmos contra todas as formas de opressão, na luta antirracista, na defesa da natureza, dos direitos difusos da sociedade, na defesa da democracia e contra o neoliberalismo, na promoção da justiça ambiental, na construção do feminismo popular. Reconhecendo as forças do povo brasileiro que resiste à escravidão, aos despejos, à violência contra seus corpos e territórios. 

A nova identidade se alinha com um pensar descolonial de nossa história. Promove o encontro da identidade de nossa luta com a afirmação do papel das mulheres, dos povos indígenas, do povo negro e quilombola em nosso país. A árvore, que simboliza o movimento ambiental nos anos 70, encontra o oroboro, e se enraíza nesta terra na solidariedade e no internacionalismo. Na crítica contundente a todas as formas estruturais de opressão, de raça, classe e gênero.

Hoje, somos uma geração de Amigas da Terra que já não precisa assumir imposições linguísticas do patriarcado. Somos compostas por uma diversidade de gerações, gêneros, orientação sexual, raça, dons, idades e capacidades. Hoje, somos uma geração de mentes e corpos que estão diferentes. Certos de que o caminhar até aqui nos tornou o que somos, visitamos o passado e nossa identidade com a certeza de que mudanças são necessárias. Nossa firmeza na luta que nos guia para avançarmos por um mundo mais justo e solidário é o que nos move a constantemente nos transformarmos e nos reinventarmos. 

Na Terra Brasil, que tantas dores carrega, em toda a sua abundância e esplendor, que floresçam incontáveis gerações de pessoas amigas da terra! Que elas se cultivem, adubem-se e se nutram das marchas, místicas, alianças, do calor da organização, da esperança, da luta. Que possamos seguir com a ousadia de mudar o mundo e mudarmos a nós mesmos! 

Edição: Thalita Pires