Coluna

Os desafios postos às Missões de Observação Eleitoral nas eleições brasileiras de 2022

Imagem de perfil do Colunistaesd
TSE credenciou o maior número de missões de observação desde que esse mecanismo passou a ser desenvolvido no Brasil
TSE credenciou o maior número de missões de observação desde que esse mecanismo passou a ser desenvolvido no Brasil - ALBARI ROSA / AFP
As eleições brasileiras de 2022 registraram lamentáveis episódios de violência política

*Claudia Maria Dadico

As Missões de Observação Eleitoral são mecanismos independentes, integrados por organizações nacionais ou internacionais, que acompanham o processo eleitoral em diversos países, a fim de contribuir para o aprimoramento dos processos eleitorais e, em última análise, colaborar para o fortalecimento das democracias.

Para preservar sua isenção e bem cumprir suas finalidades, as equipes que integram as missões de observação são compostas por pessoas que não sejam filiadas a partidos políticos, que não exerçam militância político-eleitoral e que não ocupem cargo em comissão no local do pleito. As eleições brasileiras são acompanhadas, tradicionalmente, por convidados internacionais desde 2011 e, desde 2018, passaram a ser acompanhadas também por missões de observação eleitoral.

Nestas eleições, em particular, em razão de suas características peculiares, o TSE credenciou o maior número de missões de observação desde que esse mecanismo passou a ser desenvolvido no Brasil.

Foram credenciadas para atuar nos dois turnos das eleições Missões nacionais e internacionais.

O TSE credenciou as seguintes organizações internacionais para atuar como Missões de Observação Internacionais nas eleições de 2022: Organização dos Estados Americanos (OEA), Parlamento do Mercosul (Parlasul), Rede dos Órgãos Jurisdicionais e de Administração Eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Roaje-CPLP), Carter Center,

Unión Interamericana de Organismos Electorales (Uniore), International Foundation for Electoral Systems (IFES) e Transparencia Electoral. Para atuar como Missões de Observação Nacional foram credenciadas as seguintes entidades: Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD); Associação dos Juízes para Democracia (ADJ); Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep); Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE); Transparência Eleitoral Brasil; Universidade de São Paulo (USP); e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Cada uma dessas missões deve apresentar um relatório com as evidências dos fatos reportados e lançar recomendações, sempre com o intuito de colaborar para o aprimoramento dos processos no marco democrático. Documentos da Organização dos Estados Americanos (OEA), organismo internacional que tem acompanhado eleições na América há pelo menos 60 anos, destacam que as missões de observação eleitoral devem atentar, entre outros, para os seguintes atributos dos processos eleitorais:

1) As eleições devem ser inclusivas, de forma a permitir que toda a cidadania esteja efetivamente habilitada para exercer seu direito ao voto. Assim, pessoas com deficiência, presos sem condenação transitada em julgado, adolescentes do sistema socioeducativo, pessoas residentes em locais de difícil acesso, entre outras situações, devem ter condições asseguradas para sua efetiva participação;

2) As eleições devem ser limpas, elemento que deve refletir a integridade e o registro exato das preferências de cada votante;

3) As eleições devem ser competitivas, vale dizer, deve existir uma oferta eleitoral com alternativas, que implica o direito de postular cargos públicos e um esquema de garantias básicas para uma campanha eleitoral;

4) As eleições devem se fundar na premissa do respeito aos resultados eleitorais. Quanto ao requisito da inclusão, há que se destacar que as urnas eletrônicas brasileiras contemplam dispositivos que permitem o voto, em condições de autonomia, para pessoas com deficiência visual e auditiva. Além das teclas em Braille, a marcação da tecla 5 permite que o eleitor com deficiência visual possa identificar as teclas no dispositivo. Por meio de fones de ouvido fornecidos pelos mesários, o eleitor pode ouvir as perguntas que são exibidas na tela e receber alguns feedbacks. É possível entrar na seção eleitoral na companhia de cão-guia. Para pessoas surdas usuárias de Libras, haverá um intérprete em tela, sinalizando todo o conteúdo escrito em língua portuguesa. A distribuição dos eleitores nos respectivos locais de votação busca alocar aqueles que declaram previamente a condição de deficiência em locais com acessibilidade plena. Há seções eleitorais instaladas em estabelecimentos prisionais e em locais de difícil acesso, para o que se tem contado, historicamente, com o apoio das Forças Armadas na logística de distribuição das urnas. Quanto à integridade das urnas, trata-se de discussão superada, haja vista os contínuos processos de auditoria pública e de melhorias desenvolvidos pelas autoridades da Justiça Eleitoral desde 1996.

Quanto ao requisito da competitividade, no entanto, trata-se de ponto que deve merecer atenção especial por parte das missões de observação eleitoral encarregadas de observar o pleito brasileiro de 2022. Isso porque a competitividade plena pressupõe algumas garantias básicas para qualquer campanha eleitoral, quais sejam, (1) a igualdade de acesso à segurança física de todas as pessoas envolvidas nas campanhas e nos processos eleitorais propriamente ditos, (2) a igualdade de oportunidades, no que tange ao acesso aos meios de comunicação e outros espaços de difusão, de financiamento público e regras aplicáveis a financiamento privado, (3) direito à informação verdadeira e de qualidade, (4) liberdade de associação, de expressão e de reunião.

As eleições brasileiras de 2022 registraram lamentáveis episódios de violência política, desde assassinatos por ódio político, ameaças e lesões corporais, discursos eleitorais homofóbicos e sexistas e, em sua expressão máxima, o episódio em que um aliado de um dos candidatos, após descumprir as condições de sua prisão domiciliar, proferindo discurso extremamente ofensivo e violento contra uma magistrada eleitoral, recebeu os policiais encarregados de cumprir uma ordem judicial foram recebidos com 50 tiros de fuzil e três granadas. Os inúmeros relatos de assédio eleitoral no ambiente de trabalho, de abuso de poder religioso, o uso massivo de desinformação e “fake news”, de abuso de poder político e abuso de poder econômico, se confirmados, podem comprometer, de fato, os requisitos da igualdade de condições para atender aos requisitos de competividade exigidos por padrões internacionais.

Há ainda outra ordem de ameaças ao processo eleitoral brasileiro que decorrem de discursos de descrédito às autoridades da Justiça Eleitoral e de questionamento ao desfecho das eleições e de condicionamentos à aceitação do resultado, à semelhança de estratégias já utilizadas em outros países em passado recente.

Nesse sentido é preciso destacar que o marco normativo das eleições brasileira é estruturado de forma a possibilitar a impugnação de todas as suas etapas, sendo a Justiça Eleitoral um ramo especializado do poder judiciário organizado de forma dar a resposta mais qualificada e mais célere possível a todos os questionamentos, a fim de não comprometer a lisura do pleito e o regular cumprimento de seus prazos e de seu calendário.

Diante de uma disputa tremendamente acirrada, marcada por tantas violências, tentativas de desestabilização do processo e de desequilíbrios na competitividade em condições de igualdade, constata-se que os desafios postos às missões de observação eleitoral talvez sejam maiores do que os esperados inicialmente. Não é por outra razão que a Relatora Especial para Defensores de Direitos Humanos da ONU destacou a importância das Missões de Observação Eleitoral como atores da sociedade civil e defensores de direitos humanos.

Enfim, espera-se que a despeito de todas as dificuldades e desafios que permeiam as eleições brasileiras de 2022, as Missões de Observação Eleitoral nacionais e internacionais sejam prestigiosas testemunhas da resiliência da democracia brasileira e sua capacidade de superar os ataques e obstáculos que se colocam à expressão livre, segura e inclusiva da vontade popular.

*Cláudia Maria Dadico é Doutora em Ciências Criminais pela PUC-RS, juíza federal, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e da Associação Juízes para a Democracia (AJD). 

**A coluna Avesso do Direito mostra uma visão mais ampla do Direito e suas relações com a vida, a democracia e a pluralidade. É escrita pelos juízes federais José Carlos Garcia e Cláudia Maria Dadico, ambos membros da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Leia outros textos.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo