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ECONOMIA

Por que o salário está rendendo tão pouco na hora de comprar alimentos?

Entenda qual a responsabilidade e que medidas o governo Bolsonaro poderia tomar para reduzir os preços cobrados

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O patamar dos custos dos alimentos se mantém elevado para famílias que vivem com um a três salários mínimos - Foto: Douglas MAGNO / AFP

Ir ao supermercado tornou-se, para muitas pessoas, um ato de malabarismo com o orçamento familiar. Apesar do preço de itens da cesta básica terem sofrido uma pequena redução nos últimos meses, o patamar dos custos se mantém elevado para famílias que vivem com um a três salários mínimos. 

Em setembro deste ano, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, o valor de uma cesta básica calculada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estava em R$ 714,14. A mesma cesta, em setembro de 2019 custava R$ R$ 458,21. 

De acordo com os dados do departamento, em setembro de 2019, um trabalhador que recebia um salário mínimo na capital fluminense comprometia 49,91% do seu orçamento para adquirir a cesta básica, ou seja, 101 horas e 1 minuto do seu trabalho mensal.

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Para o mesmo período de 2022, um trabalhador que recebe um salário mínimo compromete 63,70% de seu orçamento para comprar a cesta básica e dedica 129 horas e 38 minutos de trabalho para a compra de alimentos essenciais.

“Quem ganha um e meio ou até três salários mínimos está com o orçamento muitíssimo apertado, isso sem considerar milhões de pessoas que estão desempregadas, que sequer vão procurar emprego porque não vão conseguir, pessoas que estão empregadas, mas têm uma remuneração muito baixa, tem gente que está naquele contrato intermitente e não consegue trabalhar uma quantidade de horas mensais suficientes para ter uma renda mínima necessária”, destaca o supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Rio de Janeiro, Paulo Jager.

Mudanças “artificiais”

De acordo com o economista, a lei que altera o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), aprovada em junho e que limitou em 17% a alíquota sobre gasolina, diesel, energia elétrica e outros insumos considerados essenciais, foi um dos fatores que contribuiu para a redução dos preços e a deflação. Porém, na avaliação de Jager, a medida é “artificial” e pode gerar sérios problemas para os estados nos próximos anos.

“O governo federal fez isso para preservar a atual política de preços da Petrobras, porque ao mexer no valor do imposto e não mexer no preço do combustível que sai na refinaria. Com isso, mexeu com as finanças públicas estaduais, bagunçou algo que já não era muito organizado, que é esse pacto federativo do ponto de vista dos impostos e dos gastos, porque os governos estaduais têm atribuições definidas na constituição, relativas à educação e saúde e é preciso ter o dinheiro para fazer isso”, explica. 

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O impacto, como diz Jager, “artificial” na redução de preços ocasionado pela queda dos combustíveis acaba não sendo sentido no bolso do brasileiro porque houve uma estagnação no preço dos alimentos, mas os produtos seguem num patamar elevado diante do valor do salário mínimo, como mostra o próprio cálculo da cesta básica do Dieese.

“As pessoas sentem seus orçamentos de maneira muito diferenciada, tem gente que consome mais remédios, tem gente que tem automóvel e percebe mais imediatamente a redução do preço da gasolina, mas para outras famílias, as coisas mais relevantes não tiveram uma redução de preço, o que pode ter havido é uma diminuição da aceleração, da alta, mas isso não significa que a vida delas melhorou, ela tá piorando menos. Essa que é a questão”, explica Jager. 

O que precisa mudar? 

Na avaliação do economista, para uma redução efetiva, que tenha impacto no orçamento das famílias, o governo deveria mudar algumas orientações políticas atuais e retomar investimentos no setor da agricultura familiar, responsável pelos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. 

“O governo tem que mexer nas políticas que são de incentivo à produção de alimentos, voltar a estimular, principalmente, a pequena propriedade e a agricultura familiar com crédito em condições atraentes em quantidades suficientes, melhorando a assistência técnica, comercialização, distribuição e recuperando aquele programa de aquisição de alimentos que deu tão certo porque tinha uma outra contrapartida que era você distribuir os alimentos especialmente nas escolas e garantir que as crianças tivessem uma alimentação saudável”, aponta o supervisor técnico do Dieese.

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Jager lembra ainda sobre a taxa de câmbio valorizada favorecendo a opção por exportação do produtor e a importância dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para contribuir na redução dos preços dos alimentos. 

“O governo pode voltar a estimular a produção local do país em insumos para esse setor, por exemplo, no caso dos fertilizantes. Poderia mexer um pouco no patamar da taxa de câmbio, porque isso baratearia um pouco as importações desses insumos e desestimularia essa venda tão grande voltada ao exterior, porque tornaria mais atraente à venda aqui internamente”, destaca o economista que complementa:

“Além disso, o governo deveria voltar a desenvolver uma política de regulação dos preços através da formação de estoques, no caso de alimentos não perecíveis. O governo adquire o excesso de ofertas num determinado momento, de arroz ou de feijão, para evitar que uma safra super boa prejudique o produtor e que o preço despenque e, de outro lado, quando você estiver numa circunstância que o preço começa  a aumentar muito e ser prejudicial às famílias, você vender uma parte daquele excesso”.

Edição: Mariana Pitasse