Nova crise de 2008?

Gigante do setor imobiliário da China pode falir e deixa mercado mundial em alerta

Evergrande é a segunda maior incorporadora imobiliária chinesa e possui uma dívida de US$ 309 bilhões

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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A Evergrande, segunda maior empresa imobiliária da China, poderia ir à falência reeditando a crise econômica de 2008 - Noel Celis / AFP

A Evergrande Real Estate, segunda maior incorporadora imobiliária chinesa, teve nesta terça (21) uma nova queda de 11,8% no valor de suas ações, chegando a R$ 2 por ação, o menor preço nos últimos seis anos.

A crise da empresa, no entanto, podia ser observada desde o início do ano, pois as ações da companhia acumulam baixa de 84% na bolsa de valores de Hong Kong até agosto de 2021, o que fez sua dívida ascender a US$ 309 bilhões (cerca de R$ 1,5 trilhão), alertando o mercado financeiro mundial para uma possível reedição da crise de 2008 nos EUA.

O presidente e fundador da empresa, Xu Jiayin afirmou que confia que irá sair da crise e "apresentará uma resposta responsável aos compradores de casas, investidores, sócios e instituições financeiras", declarou em entrevista à agência AFP. 

A empresa chinesa também possui a maior dívida das companhias do setor imobiliário. A crise teria estourado depois de o governo chinês aplicar novas diretrizes contra monopólios e contra a especulação imobiliária, defendendo que "casas devem ser construídas para morar, não para especular".

O setor imobiliário movimenta 13% do Produto Interno Bruto chinês e foi responsável por 1/3 do crescimento econômico do país nos últimos 10 anos. Já a dívida da Evergrande representa cerca de 2% do PIB.

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Para Marco Fernandes, pesquisador do Instituto Tricontinental, o endividamento da Evergrande pode ser a brecha que o Partido Comunista Chinês esperava para poder intervir no mercado imobiliário a fim de controlar os preços de aluguéis e a financeirização do setor. 

"Como a terra é um patrimônio público na China, as construtoras precisam ter concessões do Estado, o que se tornou uma grande fonte de arrecadação direta para as províncias e indireta para o governo central. Então não é uma equação fácil, a economia chinesa depende muito do setor imobiliário", comenta o analista brasileiro, residente em Xangai.

Cerca de 1,5 milhão de chineses possuem financiamentos de imóveis que ainda não saíram do papel. A empresa é responsável por cerca de 1,3 mil projetos imobiliários em 280 cidades e já atendeu mais de 12 milhões de chineses. A administração de Xi Jinping ainda não se manifestou se irá autorizar um resgate econômico da empresa. 

No último sábado (18), a unidade financeira da companhia divulgou um comunicado assegurando que iria começar a reembolsar seus investidores. 

A Evergrande solicitou a suspensão da negociação de seus títulos corporativos onshore na última quinta-feira (16) após rebaixamento da sua classificação pela China Chengxin International (CCXI), maior agência de classificação financeira do país. Desde junho a empresa registra uma queda contínua nas vendas de novos contratos.

O pesquisador do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB), Giorgio Romano, também acredita que o presidente Xi Jinping deve optar pela intervenção, assim como fez com as gigantes do mundo tecnológico e com o setor privado na educação. Esta seria uma das medidas da sua campanha para as eleições de 2022.

"Deixando claro que existem limites para a liberdade de acumulação capitalista da China. O objetivo é enquadrar o setor imobiliário e deixar claro que ele deve estar dentro de um projeto nacional, mas o risco é grande", destaca.
 


Chineses se manifestaram em frente a uma das sedes da Evergrande em Xangai com medo do calote / Noel Celis / AFP


Outra crise como em 2008?

Desde a crise econômica mundial de 2008, com a falência da financeira Lehman Brothers, a China tornou-se o principal parceiro econômico do Brasil. Em 2020, foi responsável por 32,4% das exportações brasileiras e ofertou 21,9% das importações. Soja, ferro e petróleo são os três principais produtos brasileiros exportados aos chineses. 

Nesta semana, o risco de "calote" da Evergrande diminuiu em 9% o preço do minério de ferro, ficando abaixo de US$ 100 (R$ 510) pela primeira vez no ano. 

O Brasil é líder mundial na produção do mineral. Somente no ano passado, as exportações de ferro representaram US$ 48,64 bilhões (cerca de R$ 248 bilhões), segundo Anuário Mineral Brasileiro. Com a baixa no mercado de valores na última segunda-feira (20), ações de empresas brasileiras como a mineradora Vale, a Companhia Siderúrgica Nacional, Gerdau e Usiminas, também caíram entre 2 e 3% na bolsa de valores paulista (Ibovespa) - menor patamar desde novembro de 2020.

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"A falência não deve gerar um efeito contágio como o caso Lehman Brothers porque o governo chinês tem capacidade grande de intervenção. Mais de 90% do sistema bancário chinês é controlado pelo Estado. Muitos analistas pensam no caso Lehman Brothers e projetam cenários sem levar em conta que o sistema financeiro chinês é completamente diferente do estadunidense", comenta ao Brasil de Fato o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), Giorgio Romano.

A empresa

A Evergrande foi fundada em 1996 na cidade de Guangzhou por Xu Jiayin, que já foi o homem mais rico da China, e hoje está entre os dez maiores bilionários do país. Segundo a Fortune Global 500, a empresa chinesa seria o 122º maior conglomerado do mundo.

"A empresa começou como uma construtora, mas hoje já se tornou uma financeira porque a forma que encontrou de rolar sua dívida foi refinanciá-la com títulos de gerenciamento de riqueza, oferecendo lucros de até 15% ao ano e obrigando funcionários da própria companhia a adquiri-los. E nos últimos anos começaram a dar calote", ressalta Marco Fernandes. 

Nos últimos 20 anos, além do setor imobiliário a empresa passou a atuar no ramo de seguros, carros elétricos e no setor alimentício, com a  produção de grãos, azeite e laticínios, conformando o Evergrande Group, conglomerado avaliado em US$ 360 bilhões (aproximadamente R$ 1,8 trilhão). A empresa possui 200 mil funcionários, mas gera cerca de 3,8 milhões de postos de trabalho anualmente.

Desde 2010, a empresa também comprou o time Guangzhou FC, que passou a se chamar Guangzhou Evergrande, e teve Luiz Felipe Scolari como treinador entre 2015 e 2017.

Edição: Arturo Hartmann