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"CPI do BNDES é tentativa de criminalização do PT", afirmam deputados do partido

Hegemonizada por atores do campo conservador, comissão vai investigar apenas período dos governos petistas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Vanderlei Macris (PSDB-SP) é presidente da CPI que investiga atuação do BNDES entre 2003 e 2015, apenas em governos petistas
Vanderlei Macris (PSDB-SP) é presidente da CPI que investiga atuação do BNDES entre 2003 e 2015, apenas em governos petistas - Divulgação

Instalada no último dia 27, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES inaugurou mais uma batalha para deputados de esquerda no ambiente político da Câmara dos Deputados. Articulado por parlamentares do campo conservador, o colegiado foi criado tendo como argumento oficial a necessidade de investigar possíveis irregularidades em atos praticados pelo banco no período de 2003 a 2015.

De acordo com o presidente da CPI, Vanderlei Macris (PSDB-SP), a ideia é verificar se o banco teria privilegiado algum grupo de empresas em contratos internacionais feitos com Cuba, Venezuela e países africanos na época.

Parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) apontam que a iniciativa teria caráter político-ideológico, com intenção de criminalizar as políticas e os governos do PT, que esteve na Presidência da República por meio dos mandatos de Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) no mesmo período de análise definido pela CPI.   

É o que afirma, por exemplo, o deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), membro titular da comissão. Ao destacar que esta é a terceira CPI criada pela Câmara para se debruçar sobre o mesmo objeto, o deputado defende que, para embasar a necessidade de uma nova investigação parlamentar sobre o tema, o colegiado precisaria ampliar o escopo de análise.  

As demais CPIs foram realizadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado e operaram respectivamente nos períodos de 2015/2016 e 2017/2018, sendo concluídas sem que houvesse indiciamentos. Os relatórios finais aprovados pelos dois colegiados seguiram a linha de fazer recomendações relacionadas a medidas de gestão no âmbito do BNDES.

“Nós temos contratos que começaram antes de 2003, portanto, no governo Fernando Henrique, e que porventura foram executados posteriormente. E temos contratos que foram iniciados no período Lula e executados posteriormente no governo Temer. Também temos contratos que foram iniciados no governo Temer. Então, se a gente quer ampliar a investigação sobre o BNDES, uma vez que já foram feitas duas CPIs aqui no Congresso e nenhuma delas achou nada demais, de irregular ou algo grave, que a gente faça uma investigação completa”, acrescentou Alencar, em entrevista ao Brasil de Fato na última terça-feira (2).

Requerimentos

Na quarta-feira (3), por força da mobilização da oposição, a CPI acabou aprovando, entre os oito requerimentos votados na data, um convite para o economista Paulo Rabello de Castro –  que comandou o BNDES no período de junho de 2017 a março de 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB) – prestar depoimento ao colegiado. Por se tratar de convite, ele não é obrigado a comparecer.

Entre os 77 requerimentos apresentados à CPI até o momento, estão, por exemplo, solicitações de designação de quadros da Polícia Federal, da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU) para auxiliarem os trabalhos do colegiado – o procedimento é típico de CPIs. Também foi solicitada cópia de contratos, programas e ações financiados em território estrangeiro entre 2003 e 2015.  

Na lista de solicitações, figuram, em sua maioria, pedidos de deputados de partidos como PSL, PSDB, PR e PSD para a convocação de diferentes ex-diretores e outros ex-gestores que atuaram no BNDES no mesmo período.  

Entre eles, estão Demian Fiocca, Luciano Coutinho e Carlos Lessa, além de Guido Mantega, que atuou não só como presidente do banco (2004-2006), mas também como ministro da Fazenda. Consta ainda pedido de oitiva de Antonio Palocci, que também esteve no comando do Ministério da Fazenda – uma das instituições para as quais o BNDES presta contas –, entre outros nomes.  Na quarta (3), após a autorização referente ao convite de Rabello, a comissão aprovou o comparecimento dos cinco por meio de convocação – neste caso, pelo regimento da Casa, eles são obrigados a comparecer.

Entre as queixas da bancada do PT, está a resistência dos deputados do campo conservador em convocar, por exemplo, a ex-presidenta do BNDES Maria Silvia Bastos Marques (2016-2017) e o Joaquim Levy, atual presidente do banco e ex-ministro da Fazenda de Dilma.  

"Se a gente quer investigar os contratos do BNDES, temos que investigar todos os governos, e não delimitar especificamente um só. Ao fazer isso, estamos criminalizando um setor político, e não querendo fazer uma investigação ampla, adequada e correta”, reforçou Alencar.  

O líder da bancada petista, Paulo Pimenta (RS), reivindica ainda, entre outras coisas, oitivas de Geddel Vieira Lima e Moreira Franco, ex-ministros de Temer que exerciam influência no banco durante o governo do emedebista.

“É claramente uma CPI que tenta estabelecer um processo de caça às bruxas sobre os períodos do governo do presidente Lula e da presidenta Dilma. E nossa bancada vai atuar no sentido de mostrar a legalidade dos nossos atos e a conduta daqueles que querem, mais uma vez, iniciar um processo de perseguição às lideranças do nosso partido”, disse ao Brasil de Fato.

Privatização

O PSOL, outro partido de esquerda que tem assento na CPI, também vê a criação da comissão sob um olhar crítico. Para o líder da bancada na Câmara, Ivan Valente (SP), a iniciativa estaria voltada para a consolidação de uma narrativa política que favoreça uma eventual tentativa de privatização do BNDES.

A especulação é a mesma que hoje circunda a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco do Brasil (BB). A equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (PSL), comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a venda dos dois bancos.

Valente destaca que o perfil do BNDES incomoda atores neoliberais porque a instituição é o principal instrumento da política de investimentos do governo federal, sendo um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo. Por conta disso, financia projetos em diferentes segmentos da economia e oferece linhas de investimento em áreas como transporte urbano, saneamento básico e agricultura familiar.  

“A questão do BNDES virou um instrumental de narrativa política da direita. Ele tem uma grande arrecadação. É um banco poderoso, um banco de fomento, e eles querem acabar com os bancos de fomento. Querem privatizar o sistema financeiro público”, aponta o deputado.  

BNDES

O Brasil de Fato tentou ouvir o BNDES a respeito da CPI. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a instituição disse que considera “legítimo” o interesse social e parlamentar sobre sua atuação e informou que se colocou à disposição da comissão para prestar os esclarecimentos necessários.

Sobre os atos referentes ao período de análise do colegiado (2003-2015), o BNDES disse que as “operações fizeram parte de políticas de diferentes governos, visaram a atender determinadas prioridades em certos momentos” e que, na CPI, poderá esclarecer detalhes das operações e apresentar as medidas que vêm adotando “em favor da transparência delas”. O banco cita ainda que vem publicando, na sua página na internet, informações e os contratos de exportação de bens e serviços que foram firmados a partir de 1998.  

 

Edição: Aline Carrijo