Rio de Janeiro

Criminalização

Relatório da CIDH questiona tipificação dos movimentos populares como terroristas

Delegação do órgão visitou o país após 23 anos e divulgou relatório preliminar sobre violações

Rio de Janeiro | RJ |
Presidente da CIDH, Margarette May Macaulay, enfatizou a necessidade do Estado na resolução das violações
Presidente da CIDH, Margarette May Macaulay, enfatizou a necessidade do Estado na resolução das violações - Carl de Souza/AFP

A criminalização e tipificação dos movimentos populares como terroristas, os ataques e homicídios de ativistas de direitos humanos e a volta do Brasil ao mapa da fome são alguns dos principais pontos do relatório preliminar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou nesta segunda-feira (12), em coletiva de imprensa no Rio de Janeiro.

O órgão não visitava o Brasil há 23 anos. Desta vez, a delegação percorreu diversas cidades de estados brasileiros durante uma semana para colher depoimentos e receber denúncias sobre violação de direitos de minorias, omissão do Estado no aspecto econômico e violência da polícia em relação à população periférica.

Durante a apresentação do documento, a relatora de país para o Brasil da CIDH, Antonia Urrejola, alertou para os riscos de ampliação da chamada Lei Antiterrorismo, caso seja aprovada no Congresso uma emenda complementar do senador Magno Malta (PR-ES).

“A CIDH vem reafirmando para diferentes países da região que as leis antiterroristas não devem ser utilizadas para a criminalização do direito à manifestação e associação”, ressaltou a delegada da CIDH, que chamou a atenção para o aumento do número de assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos.

A violência contra assentamentos de trabalhadores rurais foi mencionada pela CIDH durante a coletiva. É o caso do acampamento Quilombo Campo Grande, no Sul de Minas Gerais, que foi alvo de um mandato judicial com ordem de despejo de 450 famílias que vivem na região há 20 anos e produzem alimentos sem agrotóxicos. A denúncia foi feita ao órgão internacional pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Também por meio de denúncias do MST, a Comissão encontrou em Marabá, no Pará, um assentamento de trabalhadores rurais afetados pela violência policial em processo de despejo de terras.

“A violência no campo afeta campesinos que lutam pelo direito à terra, e as condições de trabalho a que muitos desses trabalhadores são submetidos, às vezes extenuantes, são análogas à escravidão. Também é preocupante a insegurança que afeta muitos em razão do uso indiscriminado de substâncias químicas e outros pesticidas”, afirmou a relatora de país para o Brasil da CIDH, Antonia Urrejola.

Caso Marielle

Viúva da vereadora Marielle Franco (Psol), Mônica Benício lembrou que o governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), estava presente em um ato de campanha em que foi destruída uma placa com o nome da parlamentar e disse que o órgão precisa estar atento às ações antidemocráticas que partem do próprio Estado.

A Mesa, que foi composta também pela presidenta da CIDH, Margarette May Macaulay, além de outros comissários do órgão, enfatizou a necessidade do Estado na resolução de problemas e violações que atingem mulheres negras, populações periféricas, povos indígenas, quilombolas e a comunidade LGBTQI.

“A Comissão denuncia a situação da comunidade Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que sobrevive a um ambiente de violência de milícias armadas, a Muratu, no Pará, que sofre com o impacto ambiental da construção da usina de Belo Monte, além de indígenas originários da Venezuela que vivem nas ruas de Roraima”, exemplificou Antonia Urrejola.

O documento da CIDH afirma, ainda, que “as autoridades estatais devem dar o exemplo e têm o dever de promover campanhas promocionais para descontruir mensagens demagógicas de que os direitos humanos existem para atender a violadores de direitos humanos ou de que essa seja uma agenda ideológica ou partidária”.

A comissária afirmou que a volta da CIDH ao Brasil “em um momento crucial” é parte de uma trajetória que não termina agora. Segundo a comissária, um quadro mais detalhado sobre o país será apresentado ao longo dos próximos meses a partir das denúncias, de relatórios e da ajuda do poder institucionalizado, de civis e dos movimentos populares.

Desmonte da EBC

Relator especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, Edison Lanza comentou as declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que o próximo governo encerrará as atividades da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada em 2007. Segundo o comissário, as ameaças de Bolsonaro constarão no documento final da CIDH.

"Um dos avanços importantes que o Brasil teve nesses últimos dez anos em matéria de comunicação, de diversidade e de pluralismo que tanta falta fazem aos sistemas de comunicação foi a criação e o desenvolvimento de uma televisão de raio público, e não de interesse governamental. Já em um passado recente, nós e a ONU emitimos um comunicado de advertência alertando quando o atual governo fez algumas mudanças e suprimiu o Conselho Consultivo da EBC", disse Lanza.

Acesse aqui o documento preliminar divulgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Edição: Mariana Pitasse