Paraná

REPORTAGEM ESPECIAL

Como é o cotidiano de famílias que, a cada chuva, temem que a água entre em suas casas?

Primeira reportagem da série ao longo do Funny, Lindóia e Parolin mostra descontentamento do povo com obra municipal

Curitiba (PR) |
Canal extravasor e macrodrenagem dos rios Pinheirinho e Guaíra são propagandeados, mas não resolveram o problema da população - Pedro Carrano

Andréia de Lima é uma das principais referências sobre a situação de inundações e alagamentos em comunidades em Curitiba, situação que ela vive no seu dia a dia e faz com que, hoje, a liderança comunitária também conheça a fundo os problemas deixados pela atual gestão municipal nas obras do canal extravasor na bacia do Rio Pinheirinho, rio Guaíra e demais córregos adjacentes, caso do Curtume, Santa Bernadethe, Henry Ford – que deságuam no Rio Belém.

Há pouco tempo, Andréia formou um grupo de Whatsapp com moradores ao longo dos bairros Guaíra, Fanny, Lindóia e Parolin, que têm sido afetados pelo problema das inundações na região, que estiveram fortes no primeiro trimestre do ano. A tendência é que o problema, se mais uma vez não for enfrentado, simplesmente continue se repetindo, no contexto de crise do capitalismo e consequente crise ambiental, como vemos neste momento no Rio Grande do Sul.

Hoje, a rotina de Andréia – e de tantas outras mulheres e mães de família – é marcada por situações como ver que o tempo está virando ou que o celular acusa alerta de tempestade e ter que voltar para casa. Colocar sempre as coisas no alto dos móveis, antes de sair de casa, também é um protocolo para suas vizinhas da comunidade do Parolin, entre as quais Priscila, que afirma:

“Aqui todas mulheres são provedoras do lar e precisam trabalhar fora, sabemos que as casas vão ser alagadas. Em dia que chove não consigo colocar meu carro, tenho que colocar lá em cima, porque vai água, não temos um sono tranquilo se chove de madrugada”, relata.


Moradora do Lindóia cujas águas da rua invadem sua casa, depois de chocar-se contra as paredes do canal / Pedro Carrano

Percurso

A partir de convite, a reportagem do Brasil de Fato Paraná pôde conversar com moradores, ouvir reclamações, dúvidas e também revoltas sobre o canal extravasor.

A reportagem atravessou três quilômetros ao longo do canal e da obra de macrodrenagem, escutando histórias da população impactada e também quais são os prejuízos.

As intervenções do Departamento de Pontes e Drenagem da Secretaria Municipal de Obras Públicas para conter as cheias na bacia do Rio Pinheirinho não são impecáveis, como quer a gestão. Se esta é a principal realização da gestão Greca, novamente é sinal de que o povo não é ouvido.

Somados, os trechos dos córregos Santa Bernadethe, Henry Ford e Curtume e dos rios Vila Guaíra e Pinheirinho que recebem as obras chegam a cerca de oito quilômetros, informa a gestão municipal, 16 quilômetros de muros de concreto, na estimativa da prefeitura, para contenção das margens, 42 comportas de controle de vazão de cheia.

Difundida para beneficiar 10 bairros da regional do Portão, o percurso mostra que ainda há várias famílias impactadas pela obra. Se é impossível sentir a dor de tantas pessoas impactadas, pelo menos foi possível registrar a conclusão que várias famílias expressaram: Existe, sem dúvida, um antes e depois da obra, na voz de vários moradores.

O problema é que, no relato das famílias e imagens capturadas por elas, agora a água fica estancada dentro e fora do canal extravasor, separada pelos muros, que não têm resolvido o problema que atinge um conjunto de casas. Há sobrecarga no interior do canal, e a água fica estancada no interior dos dutos. “A água pluvial não entra no córrego, a água volta pelas manilhas pluviais”, critica o morador do Fanny, Fabiano Leite.

Uma percepção evidente é de que não cabe o discurso comum de responsabilização e criminalização dos moradores. Afinal, não se tratam de alguns moradores ou ocupantes ocasionais, mas de uma faixa de casas extensa, instalada ali há décadas.

“Insistiram no erro. Se não tem um extravasor, nem redutor de água, na primeira chuva, as comportas abrem sozinhas, travam com o lixo. Fizeram os muros, mas não fizeram as cabeceiras, e a água fica presa ali”, afirma um gestor do governo do Paraná, morador da região do Novo Mundo, que preferiu não se identificar.

A crise tende a aumentar em anos recentes. Segundo dados da Defesa Civil, em 2021 foram 32 registros, e em 2022 esse número subiu para 73, maior índice no Estado desde 2013.

Só na cidade de Curitiba, entre os anos de 2019 e 2021, 12 mil pessoas foram vitimadas por esse tipo de desastre.


Repórteres Lucas Botelho, Lia Bianchini e Pedro Carrano atravessaram a extensão do canal do Fanny ao Parolin ouvindo moradores / Redação BDF

Fanny

O casal Karine e Fabiano Leite são os primeiros a receber a reportagem. Fabiano afirma que nasceu na região. Moram na rua Rua Nelson Antônio Farias, 136, na Vila Fanny, onde precisam colocar uma pequena comporta de metal em sua própria casa. Afirmam que outra casa na quadra também é afetada na região.

“Não podemos mais viajar, não saímos de casa”, reclama Fabiano, quem acompanhou a reportagem durante toda o percurso, mas o casal se revezava no acompanhamento, nitidamente abalado com o que pode acontecer com a casa. Relatam uma espécie de ansiedade que teria tomado conta do casal.

Lindóia

Rute García também sofre de ansiedade, medo e pavor. Sua casa é habitada por ela e a filha de 33 anos. A rede de esgoto não causa maiores problemas. O problema é que, localizada perto do cruzamento da rua Henry Ford com a rua Santa Bernardete, com as chuvas e as enchentes, a passagem dos carros despeja a onda de água dentro da sua casa.

A mineira Florita Santa de Aquino Luiz reclama do cheiro de esgoto, que volta para dentro das casas. A moradora quer uma solução efetiva para os seus problemas. Confessa que está um pouco cansada de promessas. Ou até de doações.

“Não parou mais de dar enchente, jogo todas as coisas em cima das camas”, exclama. Não quero móvel, quero que arrumem a situação. Enchente aqui quase atravessou de água”, afirma.


Também no Lindóia, Florita Santa de Aquino Luiz quer uma solução efetiva para os seus problemas / Pedro Carrano

Parolin

Já o Parolin, na travessia do canal antes da avenida Presidente Wenceslau Braz, produz impacto sobre cerca de 200 famílias: “Desde sempre há alagamento, quando fizeram a Linha Verde, só piorou. Acabou. Já transbordava mesmo, então não melhorou nada. É uma uma luta para conter a água”, lamenta Lenir, uma liderança local, que moro com a mãe, dois filhos e o marido. Sua principal crítica se dá ao fato de que com a substituição da mata ciliar pela obra, os impactos naquele local ficaram ainda maiores.

Andréia de Lima, apesar das pressões de vários lados, segue denunciando o tema e buscando articular entidades sociais e outras comunidades afetadas pelas cheias. Neste contexto de impacto das chuvas no sul do país, toda a prevenção e programa de mudanças é necessária.

“Não podemos acessar outros espaços de maneira digna. Sofremos todo tipo de racismo, ambiental, social, Porque não temos gestão pública que atue e melhore nossa condição de vida aqui dentro”, aponta.

Lima ainda critica a indiferença com que o tema já foi abordado pelo prefeito Rafael Greca nas redes sociais, a partir das lives que a liderança comunitária costuma fazer quando a água invade a rua e o interior de sua casa. “O prefeito me disse que era fake news porque não é essa a realidade dele. Porque ele não sai do Batel.


Andréia de Lima é a principal liderança da região que tem denunciado Rafael Greca pelos prejuízos à população / Divulgação

Na próxima reportagem da série, especialistas no tema apontam críticas e soluções em momento eleitoral.

A reportagem buscou entrevista presencial com o secretário municipal de Obras Públicas, Rodrigo Araujo Rodrigues, que alegou agenda cheia. O envio de perguntas escritas, há mais de uma semana, não teve respostas por parte da secretaria.

Áreas que sofrem com alagamentos em Curitiba e região já acompanhadas pela reportagem do BDF:

- Ocupação 29 de Janeiro – Uberaba

- Vila Harmonia (Barigui – CIC)

- Centro de Curitiba

- Parolin – Fanny – Lindoia

- Vila Maria e Uberlândia (Novo Mundo) – Rua Luiz Losso Filho, número 1

- Britanite (Tatuquara)

- Vila Pantanal (Alto Boqueirão)

FONTE: Campanha Despejo Zero e reportagens de campo do Brasil de Fato Paraná

Edit. Retiramos o mapa da reportagem por reivindicação de direito autoral de outra entidade. Pedimos desculpas pelo transtorno da publicação de material produzido por outra organização. As áreas citadas aqui, no entanto, ainda que não se conforme um mapeamento completo (sempre há novas situações e problemas em um urbanismo excludente como o de Curitiba), conformam uma articulação real do Brasil de Fato Paraná com lideranças, movimentos populares e associações de moradores. Nosso jornalismo é feito com os pés no chão da comunidade. Nota da coordenação do jornal.

 

Edição: Mayala Fernandes