Rio de Janeiro

JUSTIÇA?

Tribunal do Júri decide que PM não teve intenção de matar Johnatha; decisão revolta familiares

Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos, foi morto com um tiro nas costas em maio de 2014 na favela de Manguinhos

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Ato reuniu Ana Paula Oliveira e outras mães de vítimas que pediram justiça para o caso do seus filhos - Tomaz Silva/Agência Brasil

Após 10 anos do assassinato de Johnatha de Oliveira Lima e dois dias de julgamento, o 3° Tribunal do Júri da Capital decidiu que o policial militar Alessandro Marcelino de Souza deve ser condenado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. O jovem de 19 anos foi morto com um tiro nas costas em maio de 2014, em Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro. A sentença causou revolta em parentes, amigos e defensores de direitos humanos que acompanham o caso.

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"A sociedade compactua com policiais assassinos. A culpa é da sociedade de os PMs continuarem matando nossos filhos. Ele já foi réu por outros homicídios. E eu aqui com a dor de ter meu filho assassinado com um tiro nas costas. Essa luta não pode ser só minha. Acabaram com a minha vida e da minha família", disse emocionada Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha, após a decisão.

Com a sentença, o caso agora segue para a Justiça Militar que irá decidir a pena de Alessandro Marcelino. O processo e as investigações recomeçarão. Ainda cabe recurso pelo Ministério Público.

Um ato de repúdio à sentença no caso Johnatha foi convocado para esta quinta-feira (7), em frente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJ-RJ). A organização da manifestação, formada por movimentos e coletivos que têm como pauta os direitos humanos, pediu que as pessoas vestissem preto e comparecessem ao local por volta de 12h. 

Do luto à luta

O júri começou na terça (5) e terminou na última quarta-feira (6). Ao todo, nove testemunhas foram ouvidas, sendo cinco de acusação e quatro de defesa. A longa espera pela sentença deveria terminar no mês passado, mas o julgamento do policial acusado de assassinar o filho Jonatha foi adiado a pedido do Ministério Público. O resultado final foi controverso ao que o julgamento comprovou, segundo avalia a antropóloga Lucía Eilbaum, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora da Rede Transacional de pesquisas sobre Maternidades destituídas, violadas e violentadas (REMA).

"Johnatha foi morto com um tiro nas costas e pelas costas. O julgamento comprovou que naquele dia Alessandro Marcelino foi o responsável pelo tiro que tirou a vida do jovem de 19 anos. Comprovou também que o réu efetuou sete disparos contra os moradores que estavam nas ruas, reclamando contra o esculacho de policiais com crianças e moradores. Comprovou que não houve confronto, que a vítima não estava armada e, ainda mais, rebateu aquilo que nem deveria ser objeto do processo: que a vítima era um jovem morador, sem envolvimento algum com o crime. Contudo, a decisão final do Júri ignorou as provas e, compactuando com a criminalização dos territórios e moradores de favela, com o racismo e com a violência de estado, entendeu que o autor do disparo que matou Jhonata não teve intenção de matar e que nem sequer previu que o resultado de sua ação fosse colocar em risco outras vidas", avalia.

Ana Paula esteve cercada por outras mães que tiveram filhos mortos pela violência do Estado durante todo o tempo. Antes de começar o julgamento, elas e outros familiares e integrantes de movimentos e organizações fizeram um ato na porta do Tribunal de Justiça do Rio, no centro da cidade. 

Após a morte de Jonatha, Ana Paula foi uma das fundadoras do movimento Mães de Manguinhos, que reúne diversas mulheres de comunidades do Rio de Janeiro que perderam seus filhos para a violência de agentes do Estado. O objetivo é transformar a dor do luto em luta compartilhada.

De julho de 2016 a julho de 2023, 286 crianças e adolescentes foram atingidos por armas de fogo durante operações policiais, resultando na morte de 112 e deixando outras 174 feridas. Os dados são do Instituto Fogo Cruzado

Relembre o caso

Na tarde de 14 de maio de 2014, Johnatha foi baleado quando voltava para a casa de sua família, em Manguinhos, após deixar uma sobremesa na casa de sua avó e levar a namorada em casa. No caminho de volta, passou por um tumulto entre policiais militares e moradores que protestavam contra a truculência dos agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Os PMs responderam com disparos de arma de fogo, atingindo o jovem que sequer estar envolvido no conflito, de acordo com testemunhas que presenciaram o momento em que ele foi baleado. Johnatha foi atingido nas costas. O jovem de 19 anos foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e morreu no local. A família prestou queixa na delegacia e começou a luta pelo andamento das investigações.

O PM Alessandro Marcelino foi preso por triplo homicídio em 2013, em Queimados, na Baixada Fluminense. No entanto, foi solto e voltou a trabalhar nas ruas. Um ano depois, aconteceu o caso que levou à morte de Johnatha.

*Com informações do G1 e Agência Brasil.

Edição: Clívia Mesquita e Jaqueline Deister