programa bem viver

‘Hoje mulheres se elegem apesar de um sistema desfavorável’, diz cientista política Hannah Maruci

Em 2020, Maruci lançou a iniciativa 'Tenda das Candidatas' para realizar mentoria a mulheres em disputas eleitorais

Ouça o áudio:

Hannah Maruci é doutora na área pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP - Divulgação
Se esse mínimo fosse cumprido, a gente já estaria muito à frente do que a gente está hoje

Com mais de 30 anos de legislações em prol da paridade de gênero dentro do Congresso Nacional, o país ainda está longe de ver este resultado na prática. Hoje, as mulheres representam em torno de 17% dos parlamentares, entre Câmara dos Deputados e Senado Federal, revelando uma subrepresentatividade, afinal, elas representam mais de 51% da população brasileira.

Segundo uma estimativa calculada pela cientista política Hannah Maruci, serão necessários mais de 100 anos no ritmo da política brasileira para o Brasil alcançar a proporcionalidade de gênero.

Hoje a legislação obriga que partidos garantam, ao menos, 30% dos nomes lançados ao pleito sejam de um dos gêneros. Para driblar as chamadas ‘candidaturas laranjas’, uma nova lei obriga, também, uma divisão proporcional dos recursos financeiros. Mas até isso os partidos políticos estão buscando maneiras de passar por cima.

“A gente atuou no passado muito fortemente contra a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da Anistia. Ela não passou. Enfim, claro que a gente sabe que isso volta sistematicamente, mas a gente tá muito atenta a isso”, afirma Maruci em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (5), a respeito da tentativa do congresso de “perdoar” os partidos que não cumpriram regras do código eleitoral durante o pleito de 2022, como, por exemplo, as cotas de mulheres.

Todo esse cenário leva Maruci a uma conclusão: “Elas [candidatas] se elegem apesar dos partidos políticos, apesar de um sistema que não está querendo que elas estejam lá.”

Segundo ela, não é exagero afirmar que existe uma força política no Congresso que atua para que a paridade não seja alcançada.

“Se a gente está querendo caminhar para uma paridade, isso significa o quê? Que a gente precisa de mais mulheres eleitas. E a gente não vai aumentar o número de cargos. Então algumas pessoas, alguns grupos sociais que estão acostumados, historicamente, a ocuparem esse lugar, a terem a cadeira cativa, vão perder um pouco de espaço”.

Confira a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Desde a década de 1990 existem leis no Brasil para garantir paridade de gênero no Congresso. Nesses mais de 30 anos a legislação foi alterada no intuito de ser aperfeiçoada. Recentemente tivemos uma nova regra que obriga, também, a distribuição proporcional dos recursos financeiros. Mas, mesmo assim, as mulheres seguem subrepresentadas. Podemos dizer que existe gente no mundo da política que age, justamente, para impedir que essas leis tenham efeito prático? Ou é exagero?

Não é demais, de jeito nenhum, porque a gente tem que lembrar uma coisa que eu sempre falo: a quantidade de cadeiras não muda. 

Então, se a gente está querendo caminhar para uma paridade, isso significa o quê? Que a gente precisa de mais mulheres eleitas. E a gente não vai aumentar o número de cargos. 

Então, necessariamente, para a gente caminhar no sentido de uma paridade, tanto de gênero quanto de raça, que ambas são muito subrepresentadas no nosso país, isso significa que algumas pessoas, alguns grupos sociais que estão acostumados, historicamente, a ocuparem esse lugar, a terem a cadeira cativa, vão perder um pouco de espaço.

Não perder o sentido de serem prejudicados. Significa que são grupos que estão sobrerepresentados. Os homens, homens brancos, principalmente, hoje, são sobrerepresentados. 

Então, para a gente caminhar para uma paridade, paridade ou para uma proporcionalidade, eu prefiro até tratar com esse conceito, que é ser proporcional a esses grupos na população. Então, por exemplo, as mulheres negras são o maior grupo demográfico, são hoje 28, 29 % da população. A gente está muito longe de uma proporcionalidade hoje.

É lógico que quem está lá não quer perder esse lugar. Então, a resistência existe. E aí, eu acho que é importante a gente colocar que essa resistência, hoje, é principalmente localizada nos partidos políticos, que são majoritariamente dirigidos por homens, por homens brancos, e eles que ocupam os locais de decisão dentro da máquina partidária.

É por isso que existe uma disparidade entre as políticas que você falou muito corretamente que existem desde a década de 1990 e a real efetividade de mais mulheres eleitas, de uma mudança real no cenário. 

Porque existe aí algo entre essas políticas, a corrida eleitoral e realmente os eleitos e eleitas

Na sua avaliação, a legislação que temos dá conta de gerar esse proporcionalidade? Ou ainda precisa ser melhor trabalhada?

É bem importante essa pergunta, então vamos lá. O que a gente tem hoje? A gente tem uma lei de cotas de candidatura que coloca que 30% das candidaturas lançadas pelo partido, pelo menos 30%, tem que ser de um dos sexos. Na prática, significa pelo menos 30% de mulheres.

Então a gente tem essa legislação desde a década de 1990 que você colocou, e mais recentemente, desde 2017, e colocado em prática em 2018, a gente tem as resoluções de proporcionalidade de financiamento eleitoral, que vão tratar também de gênero e raça.

Desde que a gente tem instituído um fundo público de financiamento de campanha, um fundo que é bilionário, foram colocadas essas resoluções. Parte delas já se tornaram leis por meio de PECs, que determinam que esse dinheiro, que é público, mas que fica nas mãos os partidos — isso é importante colocar: o dinheiro é público, é dividido através de critérios entre os partidos, e são os líderes partidários que decidem como alocar nas candidaturas.

Mas, o que, inicialmente, essas resoluções determinam é que se pelo menos 30% das candidaturas vão ser de um dos sexos, pelo menos 30% dos recursos recursos também tem que ser, porque não faria sentido ter 30 % de candidatura sem ter o recurso. 

Hoje a gente tem uma literatura muito consolidada que mostra uma relação muito forte, uma correlação muito forte entre financiamento eleitoral e sucesso eleitoral, embora não garanta. 

Essas leis que existem, essas resoluções que existem, elas não são ideais. Por que? Porque ainda não estão proporcionais.

E também quando a gente fala das candidaturas, primeiro, está falando só de mulheres. Não considera raça, não considera as candidaturas indígenas e ainda não fala nem 50%, que eu entendo que é o justo, o que corresponde à população.

São medidas muito importantes que se fossem devidamente colocadas em prática, a gente já teria uma política muito menos desigual. 

Então, se a gente tivesse, por exemplo, 30% de mulheres eleitas, se a gente tivesse uma proporcionalidade de raça nos representantes eleitos, a gente já teria uma coisa muito mais próxima de uma representação democrática.

Embora não seja o ideal, se esse mínimo fosse cumprido, a gente já estaria muito à frente do que a gente está hoje. 

O que é a Tendas das Candidatas? Como ela surgiu?

A Tenda das Candidatas completa quatro anos este ano. Ela surge em 2020, a partir de uma inquietação por conta da sub-representação. Hoje eu e Laura [Astrolabio] somos as co-diretoras e co-fundadoras também. Tinha outras mulheres na época de criação. Hoje estamos nós duas na direção executiva. 

Na época a gente falou, vamos abrir uma chamada? Era pandemia, a gente estava sentindo muito impotente naquele momento que ninguém saia de casa, e ao mesmo tempo via as políticas públicas sendo desmanteladas e uma sub-representação que se mantinha. E as eleições à vista, eleições que prometiam ser muito complicadas devido à questão do isolamento social e a crise sanitária. 

Então a gente abre uma chamada online para o Brasil inteiro, para mulheres que quisessem se candidatar, para a gente dar mentorias. E a gente é surpreendida com a demanda que tem. 

A gente cria uma página ali no Instagram, que hoje é a @instadatenda, quem quiser seguir. Criamos isso do nada mesmo, muito nessa, a partir desse sentimento, e a gente recebe inscrições no Brasil inteiro. 

Selecionamos 10 mulheres, demos mentoria para 10 campanhas ao mesmo tempo, de diversas regiões do Brasil

No final, a gente consegue eleger duas, atingir quatro suplências, das quais uma dessa suplência acaba de assumir agora esse ano o cargo de vereadora. 

É um índice alto e a gente vê que são mulheres capazes, lideranças já em suas comunidades, mas que não têm o investimento devido dos partidos. 

E aí volta essa questão desse gargalo que são os partidos políticos, que estão resistindo muito em cumprir as regras que já existem. 

Hoje, quatro anos depois, a Tenda atua não só na formação de mulheres, mas com conscientização social, importância da representação política igualitária, também incidindo a favor dos direitos políticos das mulheres e resistindo aos possíveis retrocessos.

Então nesses últimos anos a gente vem lutando para que essas políticas que já existem sejam cumpridas. Porque o que acontece hoje é o seguinte, os partidos não cumprem. 

Ao invés deles terem sanções, porque essas sanções não são bem explicadas na lei, através do Legislativo, eles conseguem passar PECs de anistia, basicamente perdoando os partidos que não cumpriram, principalmente quando se trata de recursos.

Quando tinha só a questão das candidaturas, os partidos começavam a achar estratégias, "ah, vamos colocar as mulheres" e aí teve a questão das laranjas, só para cumprir os 30%. 

Com a questão do dinheiro, fica um pouco mais difícil, porque o partido não quer jogar no lixo 30% dos recursos, então eles acabam não cumprindo e a querem anistia para não serem punidos depois.

A gente atuou no passado muito fortemente contra a PEC da Anistia. Ela não passou. Enfim, claro que a gente sabe que isso volta sistematicamente, mas a gente está muito atenta a isso. 

Agora voltou o projeto do novo Código Eleitoral também, que é pra onde a gente está olhando nesse momento, que também traz retrocessos e ameaças aos direitos já conquistados.

Isso é importante colocar: são direitos que já foram conquistados, as cotas, o financiamento proporcional de campanhas. A gente devia estar mirando para frente, para chegar mais perto de uma igualdade, mas na verdade a gente está lutando ali para que não se percam esses direitos conquistados

Então assim, eu queria falar para você aqui: "Espero muito mais mulheres eleitas esse ano, espero muito mais pessoas negras eleitas”.

Eu acho que na Tenda a gente vai ter mais mulheres eleitas. Hoje a gente está com mais de trinta lideranças no Brasil inteiro. Eu acredito que a gente está dando uma formação muito boa e um acompanhamento muito bom, e que a gente vai ter um número maior. 

Mas quando a gente fala nível Brasil a nível de porcentagem mesmo eu pessoalmente com o cenário que a gente viu hoje eu não consigo ver um grande aumento.

Entre 2018 e 2022 houve um aumento de 15 % para 17 ,7 % de mulheres. É muito pouco. Eu acho muito difícil, quero acreditar no contrário, mas acho muito difícil que a gente tenha um aumento maior

O que a gente tem é o quê? Muito mais mulheres acreditando serem líderes, se organizando, acreditando que aquele é o lugar dela. E isso faz toda a diferença, e é por isso que a gente vê esse aumento a despeito da resistência dos partidos.

Quer dizer, elas se elegem apesar dos partidos políticos, apesar de um sistema que não está querendo que elas estejam lá. 

Agora, se essas instituições trabalhassem junto com a capacidade dessas mulheres, com a vontade dessas mulheres de estar na política, com certeza esse número seria muito maior.


Confira como ouvir e acompanhar o Programa Bem Viver nas rádios parceiras e plataformas de podcast / Brasil de Fato

Sintonize

programa de rádio Bem Viver vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 11h às 12h, com reprise aos domingos, às 10h, na Rádio Brasil Atual. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo. A versão em vídeo é semanal e vai ao ar aos sábados a partir das 13h30 no YouTube do Brasil de Fato e TVs retransmissoras: Basta clicar aqui.

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu'Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio - Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo - WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M'ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.

A programação também fica disponível na Rádio Brasil de Fato, das 11h às 12h, de segunda a sexta-feira. O programa Bem Viver está nas plataformas: Spotify, Google Podcasts, Itunes, Pocket Casts e Deezer. 

Assim como os demais conteúdos, o Brasil de Fato disponibiliza o programa Bem Viver de forma gratuita para rádios comunitárias, rádios-poste e outras emissoras que manifestarem interesse em veicular o conteúdo. Para ser incluído na nossa lista de distribuição, entre em contato por meio do formulário

Edição: Matheus Alves de Almeida