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O que o Censo 2022 nos diz sobre a vida de preto no Brasil?

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favela rio de janeiro
O princípio da dignidade humana está sendo negado a boa parte de nós - Defensoria/Divulgação
Quando a universalização deveria ser a regra, a precariedade não nos dá trégua

Quem vê uma casa e as suas redondezas pode imaginar, com boa chance de acertar, a cor da pele do seu morador. Quem entra numa favela ou circula pelas periferias das nossas cidades também não tem dificuldade em identificar o tom da pele dos que se aglomeram por ali. Responda rapidamente, quando o assunto é moradia digna e serviços básicos, quem você diria que tem a coleta seletiva de lixo na sua porta e a certeza de que a água vai jorrar limpa e tratada quando abrir as torneiras?

Na luta por garantia de espaço, cada um no seu quadrado, entre pretos, pardos, indígenas, brancos e amarelos, sabemos todos quem leva o maior quinhão. 

Os dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última sexta-feira (23) desse mês de fevereiro escaldante, confirmam o que já se sabe e não é de agora: o princípio da dignidade humana está sendo negado a boa parte de nós. Pretos e pardos, que somam 55% da população desse vasto país de 203 milhões de habitantes, por exemplo, são quase 69% dos que não têm acesso a uma rede de esgoto decente. 

Quando a universalização deveria ser a regra, a precariedade não nos dá trégua. Além da realidade, os números confirmam o quanto de desigualdade racial nos separa e segrega aos montes, não enxerga quem não quer. Sobre a qualidade da água que deve ser tratada, somamos inaceitáveis 72% entre os que carecem de fornecimento igualmente adequado. 

O Censo nos mostra muito.

Há avanços, sim, como a coleta de lixo, que subiu de 85,8% para 90,9% entre 2010 e 2022, no país. A região Sudeste é a mais bem atendida nos quesitos esgotamento sanitário e distribuição de água tratada, mas os recortes regionais entregam a desigualdade a que os não brancos estão expostos. 

O Rio de Janeiro, esse estado belo por natureza, não foge à regra, de tão desarmonioso que é no uso que é feito dos seus recursos. Aqui, para além dos números, a realidade trata de nos jogar na cara a falta que políticas públicas e uma distribuição igualitária de investimentos fazem.

As condições de moradia, como o próprio IBGE estabelece entre os seus critérios, vão além da estrutura física do que chamamos de domicílio, casa, maloca, cafofo, esse bem que todos querem ter o orgulho de chamar de seu. Fazem parte desse conceito muitos outros aspectos, inclusive a necessária oferta de serviços, equipamentos e a devida infraestrutura.

Uma moradia, para ser considerada digna, requer muito além de tijolos e telhas, pois as pessoas precisam de espaço, de segurança, de limpeza e de proteção. Abastecimento de água e esgotamento sanitário fazem parte desse rol porque são essenciais inclusive para a saúde da população, independentemente da sua pele.

Com mais de 17 milhões de habitantes, quase 13 milhões na Região Metropolitana e outros 6,8 milhões na Capital, o território fluminense tem lá suas sutilezas. A coleta de lixo diretamente por serviço de limpeza, na capital, é de 97,5%. Na Região Metropolitana, 96,7%, enquanto em todo o estado, 94,5%. Os dados sobre o esgotamento sanitário pela rede geral ou rede pluvial segue o mesmo padrão, melhor na capital, 92,1%, seguido pela Região Metropolitana,  85%, e quando se somam todas as regiões, 80%. 

Sim, temos um retrato dos nossos flagelos, do racismo que nos mata como aos nossos ancestrais, mas que em nossa estrutura social é tratado como se fosse normal.

Ainda que a própria Ciência já tenha nos concedido alforria e confirmado que não há superioridade ou inferioridade baseada na cor. Somos iguais, mas somos submetidos a uma análise das desigualdades sociais do país com viés de raça, na qual entram de moradia a mercado de trabalho e renda, de educação a representação política  e violência, por exemplo, e, em todas elas nós perdemos, porque essa é a regra. 

A cada vez que os números são divulgados pelo IBGE, são estampados à exaustão pelos veículos de comunicação. No dia seguinte, nenhuma indignação. A pergunta que deixo é o que vamos fazer com esses dados? Como Djonga, esse rapper que sabe bem sobre a vida de preto - e se você não o conhece, dê uma chance -, eu sigo falando o que vejo. E não me canso de repetir que vida de preto também importa.

*Dani Monteiro é deputada estadual (Psol) e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse