Rio de Janeiro

Relato de torcedor

Artigo | O título irretocável do Fluminense e o alívio após 15 anos de espera pela glória

Do choro do garoto de 14 anos ao do homem de 29, muitas cicatrizes foram construídas, com derrotas e vitórias

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Serei eternamente grato a você, Diniz, e a esse grupo de jogadores incríveis que fizeram sua magia funcionar dentro de campo - Marcelo Gonçalves/ Fluminense FC

É difícil dimensionar o sentimento do torcedor do Fluminense nestes últimos dias desde a conquista da Libertadores da América no sábado (4). Uma parcela, que provavelmente viveu a dor do vice em 2008, apela para os 15 intermináveis anos de angústia. Outra, gosta de dissociar esta conquista daquele fracasso.

Ambas as partes estão corretas, não existe maneira para se comemorar um título tão grandioso como este, cada um tem sua particularidade, experiência e vivência, de arquibancada ou não, na relação com o Fluminense. A partir do próximo parágrafo vou tentar expressar uma parte dos meus sentimentos com a conquista da glória eterna, de quem viveu, pela TV, a dor de 2008 e esteve presente no Maracanã na final do último fim de semana.

Do choro do garoto de 14 anos ao do homem de 29, muitas cicatrizes foram construídas, com derrotas e vitórias, ao longo desses 15 anos.

É bem verdade que após a fatídica noite de 2 de Julho de 2008 nós vivemos momentos e conquistas épicas. A arrancada histórica para se salvar do rebaixamento em 2009 e as conquistas dos Campeonatos Brasileiros de 2010 e 2012 foram de deixar qualquer tricolor orgulhoso, mas ainda assim faltava alguma coisa.

Aquilo que tínhamos chegado tão perto de conquistar, aquela dor de uma campanha irretocável terminar em tragédia nos pênaltis contra a LDU, no mesmo Maracanã, em 2008. A “zoação” de virgem das américas, as primeiras conquistas de Galo e Corinthians, o principal rival levantando a taça duas vezes em quatro anos. Tudo isso fazia com que a cicatriz enorme que todo tricolor carregava voltasse a doer.

E agora que o pesadelo acabou, a sensação não pode ser outra além de alívio.

As cicatrizes que o Fluminense me deu ao longo desses 15 anos foram muito cruéis comigo. Me transformaram num torcedor amargo, pessimista, sem confiança nenhuma no meu próprio time. Eu saía de casa pra ir ao Maracanã com medo, receoso e angustiado. Isso muda um pouco em 2019, com a chegada de Fernando Diniz. A esperança tomou conta de mim, mas ao mesmo tempo foi minada com a falta de resultados. Eu passei a odiar o famoso ‘dinizismo’ e a figura do treinador. Mais uma vez eu tinha o coração massacrado pelo meu clube. Eis que, em 2022, ele retorna ao Fluminense.

E mais uma vez Diniz me dá esperança, encontra o bom futebol, nos leva ao terceiro lugar no Brasileiro e uma semifinal de Copa do Brasil. Mas a eliminação pro Corinthians me fez desacreditar de tudo novamente, fracasso estava fadado a ser o nosso sobrenome. Isso faz com que eu comece 2023 irritado, estressado e morrendo de medo de mais uma vez termos a esperança de algo gigante acontecer e no fim das contas o resultado ser o mesmo.

Diniz vira meu principal alvo, eu descarrego nele todos esses sentimentos como se ele fosse o culpado por me dar e tirar as esperanças ao mesmo tempo. Não pode um time que tem uma defesa frágil, que toma tantos gols, conquistar algum título grande.

Pois é, você que está lendo isso provavelmente está rindo de mim neste momento. Eu, inclusive, estou rindo de mim mesmo.

Diniz, seu canalha! Você me deu esperança de novo, mas dessa vez foi diferente, e a gente sabia disso desde o início da competição. A virada na estreia, a goleada de 5x1 no gigante River Plate e a classificação em primeiro do grupo deram a tônica do que seria a fase final. E ela chega com um duelo contra o Argentinos Jrs que foi confuso e épico ao mesmo tempo. Nas quartas o algoz da pré-libertadores de 2022, o Olímpia, mas que dessa vez não viu a cor da bola, 5x1 Fluminense no agregado.

Aí chegamos na semifinal contra o Internacional. Time cascudo, experiente, decidindo em casa, não seria fácil. Da expulsão do Samuel Xavier e a quase derrota no primeiro jogo até a virada épica no segundo, todo torcedor tricolor se desesperou. Mas havíamos chegado lá, na grande final que seria disputada no Maracanã. E chegamos pelos pés dos maiores protagonistas desta campanha, German Cano, artilheiro da competição, e nosso garoto de ouro de Xerém, John Kennedy.

É inexplicável o sentimento do torcedor com esses dois hoje, é uma sensação de amor mais puro e profundo que você possa imaginar sentir por uma pessoa que você não conhece e não se relaciona. Cano, com mais de 80 gols em menos de dois anos pelo Fluminense, já é cogitado à maior ídolo da história do clube. John Kennedy, garoto de 21 anos com histórico de problemas disciplinares e que foi alvo de fake news nas semanas que antecederam a final. Surgiu-se um burburinho de que ele havia recaído nos problemas novamente e o clube estivesse escondendo ele do doping.

Justo ele, um garoto negro, muito presente em favelas cariocas, apesar de ser mineiro, tornou-se o alvo das especulações mais esdrúxulas possíveis, motivada pelo racismo mais do que presente na nossa sociedade. Bom, ele respondeu em campo. Com golaço histórico, num chute lindo, esse garoto deu a Libertadores da América pro Fluminense e, como o mesmo profetizou em áudio antes do jogo, virou ídolo do tricolor com 21 anos. 

Sobre o jogo da final, não tenho muito o que falar, né? Quem viu, sabe!

O Fluminense jogou muita bola, nenhum jogador fez uma partida ruim, comandamos o ritmo do jogo, fizemos dois golaços e, com requintes de emoção que toda final merece, saímos campeões contra o maior time do continente. Nunca senti uma energia tão grande desde que acordei no sábado. A entrada no estádio foi algo que eu nunca vou esquecer, a energia da emoção e expectativa com meus amigos, as lágrimas que escorriam dos olhos de todos que estavam subindo a rampa naquele momento.

Chegando nas cadeiras, tivemos a dimensão do que estávamos vivendo, a enorme torcida do Boca do outro lado, as bandeirinhas espalhadas pelo nosso setor e as baterias das torcidas organizadas unidas em prol de um único objetivo, apoiar o Fluminense. A partir daquele momento, tudo foi história. Vocês provavelmente já estão cansados de saber, sendo torcedor ou não do tricolor das Laranjeiras, do que aconteceu no estádio do Maracanã a partir das 17 horas do dia 4 de novembro de 2023.

A história aconteceu. Comemora, torcida tricolor, chegou a nossa hora. Estava mais do que escrito, estava predestinado. Somos campeões da América!

Finalizo o desabafo com uma declaração ao Diniz e elenco do Fluminense: vocês me deram a maior glória, o maior sentimento e o maior título que pude comemorar como torcedor. Serei eternamente grato a você, Diniz, e a esse grupo de jogadores incríveis que fizeram sua magia funcionar dentro de campo. Obrigado!

*Lucas Maia é social media do Brasil de Fato RJ e torcedor do Fluminense.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse