Rio de Janeiro

Coluna

O plot twist mais manjado da história do futebol

Imagem de perfil do Colunistaesd
O São Paulo se sagrou campeão da Copa do Brasil pela primeira vez na sua história - Rubens Chiri / saopaulofc.net
Não era possível esperar outro resultado nessa final da Copa do Brasil

De acordo com a prestativa Wikipédia, plot twist é uma mudança radical na direção esperada ou prevista do enredo de uma obra narrativa. É algo bastante usado para manter o interesse do público na obra e causar surpresa com alguma revelação na história em questão. Esse plot twist pode ser uma reviravolta nos fatos surpreendente como já vimos em vários filmes, história em quadrinhos e livros. Ou simplesmente uma espécie de acerto de contas, uma espécie de ressurgimento épico depois de uma queda brusca no início da trama. Algo que já é esperado por quem está lendo/vendo a história.

Há quem diga que a vida imita a arte e vice-versa. O mesmo pode ser dito sobre o nosso querido, apaixonante, velho e rude esporte bretão. Ele é tão mágico que é capaz de produzir histórias dignas de verdadeiros épicos do calibre de uma “Guerra nas Estrelas” ou um “Senhor dos Anéis”.

Dito isto, não era possível esperar outro resultado nessa final da Copa do Brasil que não fosse a vitória do São Paulo e a celebração de Dorival Júnior, talvez o sujeito mais injustiçado e mais subestimado dos últimos tempos. E tudo isso em cima do Flamengo, clube cuja diretoria o considerou “dispensável” depois de conquistar uma Copa do Brasil e uma Libertadores em menos de um mês. Até mesmo o mais fanático torcedor rubro-negro já esperava essa reparação com o cosmos depois de tudo que foi feito no final do ano passado.

Caso você não se lembre, vou refrescar sua memória. Dorival Júnior assumiu o Flamengo no meio do ano passado depois de receber um elenco desgastado e desacreditado do português Paulo Sousa. Havia até quem falasse em “luta contra o rebaixamento” naquele tempo. Bom, Dorival recuperou o time, acertou as coisas dentro de campo e fez o Fla jogar o melhor futebol do continente durante algum tempo. Venceu a Copa do Brasil eliminando Atlético-MG, Athletico Paranaense e São Paulo antes da grande final contra o Corinthians.

Na Libertadores, o passeio foi ainda maior, com vitórias épicas e goleadas acachapantes sobre Tolima, Corinthians e Vélez Sarsfield. A vitória sobre o Athletico Paranaense na final disputada em Guayaquil fez com que o mês de outubro de 2022 se transformasse num dos mais felizes da história do clube. Tão feliz que, de acordo com Rodolfo Landim (presidente do Flamengo) e Marcos Braz (vice de futebol), a renovação de contrato seria algo apenas protocolar diante das conquistas daqueles dias felizes. Mas não foi bem isso que aconteceu nas semanas que se seguiram…

Sob o pretexto de uma “queda de produção” na reta final do Brasileirão, o contrato de Dorival Júnior não foi renovado. Na imprensa (por incrível que pareça) houve quem aparecesse para aplaudir a decisão da diretoria em não renovar com o treinador campeão da Copa do Brasil e da Libertadores por entenderem que o “trabalho bateu no teto” e que era preciso mudar.

Pois bem, a diretoria do Flamengo resolveu fechar com Vítor Pereira, treinador português que comandou o mesmo Corinthians eliminado pelo mesmo Flamengo de Dorival nas quartas da Libertadores e que foi vice na Copa do Brasil. O que viria pela frente seria o início de uma maldição poucas vezes vistas na história do futebol.

O Fla foi vice-campeão da Supercopa do Brasil, da Recopa Sul-Americana e do Campeonato Carioca e sequer chegou na decisão do Mundial de Clubes da FIFA. O grito “Ô Real Madrid, pode esperar que a sua hora vai chegar” (proferido pelo vice de futebol Marcos Braz depois da conquista da Libertadores) se transformou num dos maiores memes futebolísticos do ano. As boas atuações iam ficando mais raras pelo simples fato do estilo adotado por Vítor Pereira não se encaixar com as características dos jogadores do elenco. Mas a diretoria seguia com o discurso que as coisas se ajeitariam no decorrer do ano.

Enquanto isso, Dorival Júnior acertava com o São Paulo e iniciava o trabalho junto a um grupo menos estrelado e com metas um pouco mais modestas. Mesmo assim, as coisas foram se encaixando para o Tricolor Paulista apesar da eliminação da Copa Sul-Americana diante da LDU. O time chegou na decisão da Copa do Brasil depois de eliminar Sport e os rivais Palmeiras e Corinthians. O adversário na decisão seria o mesmo Flamengo que o defenestrou no final do ano passado e que já contava com o instável Jorge Sampaoli no comando da equipe rubro-negra.

Em tempo: nem preciso falar da fama do argentino, não é? A situação já dava sinais de que não andavam bem quando Marinho e Vidal, jogadores que foram de sua confiança em outros clubes, deixaram o Flamengo espinafrando Sampaoli. Mas foi o episódio de agressão do preparador Pablo Fernández ao atacante Pedro que escancarou todos os problemas de relacionamento entre comissão técnica e elenco.

Não foi por falta de aviso né...

E o resultado não poderia ter sido outro. O São Paulo venceu o Fla no Maracanã  e levou o título da Copa do Brasil depois de um empate dentro do Morumbi. Um verdadeiro tapa com luva de pelica na cara dos ainda incrédulos e arrogantes dirigentes rubro-negros.

Essa Copa do Brasil não é apenas a história de um treinador que conquistou o título em cima do clube que o dispensou de maneira até agora inexplicável. Não digo que foi a consagração de Dorival Júnior, mas o que vimos nesse domingo (24) foi a prova definitiva de que a vida ainda favorece aqueles que trabalham de maneira ética e correta, com humildade e retidão. Equipes vencedoras não são formadas na base da arrogância e da prepotência. Saber vencer no futebol é uma arte tão complicada quanto dirigir um filme de sucesso. 

O tal plot twist que todo mundo esperava veio neste domingo (24) diante de mais de 63 mil pessoas presentes no Morumbi. E vou confessar. Não foi surpresa nenhuma pra mim.

Eu me pergunto agora por onde que andam aqueles coleguinhas de imprensa que aplaudiram e aplaudem as decisões de uma diretoria que trata seus funcionários como números de um planilha, que arrotam superioridade, que afastam o VERDADEIRO TORCEDOR dos estádios com decisões elitistas e estão apenas preocupados em manter o “clubinho do Leblon” ativo.

Será que estão mordendo virilhas por aí? Vai saber...

O São Paulo mereceu demais essa Copa do Brasil. Dorival Júnior mereceu demais esse título. E a diretoria do Flamengo mereceu demais esse tabefe na cara. O maior plot twist da história recente do futebol é também o mais manjado e a maior lição que o velho e rude esporte bretão pode oferecer.

Humildade e ética também conquistam campeonatos. Dorival Júnior que o diga.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Eduardo Miranda