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Coluna

O início da "era Fernando Diniz" na Seleção Brasileira e o problema do imediatismo

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Fernando Diniz comandou a Seleção Brasileira nas vitórias sobre Bolívia e Peru pelas Eliminatórias da Copa do Mundo - Vítor Silva / CBF
O povo tá empolgado e esse é um ponto que me preocupa bastante

Podemos dizer que a “era Fernando Diniz” na Seleção Brasileira teve um bom início. Duas vitórias em dois jogos, seis gols marcados, apenas um sofrido, boa e promissora atuação contra a Bolívia (jogando no Mangueirão, em Belém do Pará) e resiliência e controle dos nervos para vencer o Peru fora de casa na última terça-feira (12), em Lima.

Mas talvez o traço mais marcante desse início de trabalho do treinador do escrete canarinho tenha sido a empolgação marcante daqueles que celebram o “resgate da essência do nosso futebol” com a adoção do estilo de jogo que ficou conhecido como “Dinizismo”. Me refiro ao toque de bola pelo chão, às trocas de posições e fluidez que o Brasil apresentou em Copas do Mundo. Principalmente na de 1970 e na de 1982.

Sim, pessoal. O povo tá empolgado. E esse é um ponto que me preocupa bastante. Nem tanto com relação ao que acontece dentro de campo, mas com a forma com que alguns coleguinhas têm observado a Seleção Brasileira nesse início de ciclo com Fernando Diniz.

Vale lembrar que ele chegou no comando da equipe como uma espécie de “interino”, já que a CBF insiste que o italiano Carlo Ancelotti (atualmente no Real Madrid) será o treinador do Brasil depois que seu contrato se encerrar com a equipe espanhola (isso no meio de 2024). Não temos nada concreto sobre esse acerto além da palavra própria dos dirigentes da CBF (na figura do presidente Ednaldo Rodrigues) e que foi passada “com exclusividade” para o jornalismo da Rede Globo. Ancelotti, por sua vez, se recusa a falar sobre o assunto já que ele ainda tem contrato com o Real Madrid.

É nesse contexto que Fernando Diniz chegou na Seleção Brasileira. Como um treinador que tem ideias arrojadas e que propõe um resgate do estilo que transformou o futebol jogado aqui por estas bandas no melhor do planeta. Pelo menos é isso que vem sendo passado para o torcedor nas principais mesas de debate na imprensa esportiva e nas redes sociais. Principalmente depois da goleada de 5 a 1 sobre a não mais do que esforçada seleção da Bolívia na última sexta-feira (8).

A atmosfera era mais do que positiva. Mais de 43 mil torcedores estiveram presentes e viram uma boa exibição de Neymar, Rodrygo e companhia e a sua adaptação rápida ao “Dinizismo”. Toques rápidos, fluidez, muita circulação na frente da área, tabelas e gols bonitos. Bem ao estilo Telê Santana na Copa do Mundo de 1982 (isso segundo alguns desses colegas mais empolgados). E de fato, a estreia do treinador à frente da equipe não poderia ser melhor. Goleada, boa atuação coletiva, gols e muito assunto para ser discutido durante os próximos dias.

No entanto, a vitória magra sobre o Peru mudou um pouco esse discurso mais ufanista. Aqueles que exaltavam o “Dinizismo” começaram a reclamar da demora do treinador em fazer substituições que pareciam óbvias. Neymar, Casemiro e Renan Lodi estavam mal demais e praticamente erraram tudo que tentaram na terça-feira (12). O gol de Marquinhos (marcado aos 45 minutos do segundo tempo) foi encarado com mais alívio do que qualquer outra coisa.

É óbvio que o time do Peru teve seus méritos. Principalmente no primeiro tempo, quando conseguiu encaixar a marcação na saída de bola brasileira e dificultar bastante a circulação dos nossos jogadores. No entanto, conforme o tempo foi passando, o fôlego foi diminuindo e os espaços foram aparecendo. Faltou mesmo o Brasil acertar o pé. Ou a cabeça.

É preciso lembrar que toda vitória conta em competições como as Eliminatórias da Copa do Mundo. Garantir logo a vaga no próximo mundial é importante para deixar o grupo mais relaxado e permitir que a comissão técnica busque soluções e reforce as qualidades do time. É assim em qualquer lugar do planeta. No entanto, aqui no Brasil, as coisas funcionam mais pelo lado do imediatismo do que qualquer coisa.

Isso porque havia uma exigência (ainda que inconsciente) para que a nossa Seleção desse mais um “show” contra o Peru. E assim como acontece conosco, há dias bons e dias ruins. E a atuação contra a equipe comandada por Juan Reynoso foi bem abaixo do esperado. Normal para quem está no segundo jogo à frente de uma equipe. Diria até natural essa oscilação em começos de trabalho (ainda que com uma certa data de validade). No entanto, a impressão que fica é a de que os mesmos que estavam empolgados com a atuação diante da Bolívia agora coçam a cabeça e se mostram preocupados com a vitória magra sobre o Peru.

Vamos com calma, né… Não é porque goleou na estreia que tá tudo bem e não é porque jogou mal na partida seguinte que tudo virou uma porcaria. Aliás, esse é um dos pontos que mais me incomoda sobre algumas críticas ao trabalho de Fernando Diniz.

Ou o consideram um gênio, o (re)descobridor do fogo eterno do futebol-arte, o “Dom Sebastião” que vai nos liderar até a glória do hexacampeonato mundial…

Ou o tratam como um embusteiro, uma “falsiane”, um “Professor Pardal” desesperado à beira do campo que não sabe o que está fazendo ali.

Falta equilíbrio nas análises e falta também entender que esse imediatismo, esse desrespeito aos processos é uma das grandes mazelas do nosso futebol. Exigimos resultados imediatos sem entender como eles são construídos e como eles acontecem. Tudo parece um jogo de tiro ao alvo às cegas, onde nossos dirigentes (influenciados pela imprensa e pelas redes sociais) tomam decisões completamente fora da realidade.

Esse é o grande problema. Falta equilíbrio e falta um mínimo de bom senso.

Fernando Diniz é, sim, um bom treinador, tem bastante conteúdo e capacidade de potencializar o talento dos jogadores que tem à disposição. Erra e acerta como todo e qualquer profissional do mundo. E também tem seu estilo próprio de trabalho como qualquer outra pessoa. Simples.

Mais do que nunca, se quisermos ver a Seleção Brasileira brilhando novamente como há vinte ou trinta anos atrás, precisamos ter calma e deixar que as coisas aconteçam dentro de campo. Dar tempo ao tempo e ter um mínimo de paciência e equilíbrio nas análises é fundamental. Ainda mais num processo em que nem sabemos se Fernando Diniz vai permanecer na equipe depois de junho de 2024.

Canja de galinha e prudência nunca fizeram mal a ninguém, pessoal.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Eduardo Miranda