Rio de Janeiro

Coluna

Copa do Mundo Feminina: desafios estão muito além do futebol

Imagem de perfil do Colunistaesd
Cerimônia de abertura da Copa do Mundo Feminina de 2023 - Reprodução / Twitter / FIFA Women's World Cup
Não será esta Copa do Mundo que irá resolver todos os problemas que nós conhecemos bem

*Luiz Ferreira

Mal começou a Copa do Mundo Feminina e já temos motivos suficientes para acreditar que ela será a maior de todos os tempos. Não somente pela quantidade de seleções (32) ou pelo grande número de países estreantes, mas por tudo o que eu e você já vimos nas primeiras partidas da competição.

Já tivemos a primeira grande "zebra" do Mundial com a vitória da Nova Zelândia em cima da Noruega, a atuação valente da Nigéria no empate sem gols contra o Canadá (atual campeão olímpico) e a Espanha mostrando as suas credenciais logo na estreia contra a Costa Rica. E olha que Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Colômbia, Alemanha e outras seleções que merecem a nossa atenção ainda nem estrearam. Fora os recordes de público nos estádios e de audiência nos canais de TV aberta e fechada e nas plataformas de streaming. Ou seja, muita coisa ainda vai acontecer nos próximos dias.

Infelizmente, não será esta Copa do Mundo que irá resolver todos os problemas que nós conhecemos bem. Ela é sim um marco inicial, um ponto de ruptura considerável na forma como tratamos o futebol feminino a nível mundial. No entanto, eu e você sabemos que isso não é o bastante.

Confesso a vocês que eu ainda sonho com o dia em que nós vamos falar de futebol feminino com o mesmo desprendimento que temos quando falamos do velho e rude esporte bretão jogado por homens. Fulano jogou bem, Beltrano jogou mal, o técnico X escalou errado, o técnico Y mexeu bem no time no intervalo e por aí vai. Falar apenas de futebol, das suas nuances, das suas polêmicas e nada mais.

Só que a realidade é diferente e ela sempre se faz presente com a mesma contundência de um soco no estômago. A gente sabe que as coisas não funcionam assim e que ainda estamos a anos-luz de um mundo perfeito.

Não quero listar o que cada nação tem de problemas com relação ao futebol jogado por mulheres. Tem muita gente mais capacitada do que eu fazendo isso há anos sem receber a devida e merecida atenção. Quero me concentrar no que acontece aqui no Brasil, chamado "país do futebol" e que ainda insiste em chamar suas jogadoras de "guerreiras" ao invés de dar condições mínimas para que elas façam aquilo que amam.

Na madrugada da última quinta-feira (20), o influenciador Casimiro Miguel teve que desativar o chat do seu canal no YouTube por conta de uma enxurrada de comentários machistas e sexistas durante a transmissão da abertura da Copa do Mundo Feminina e do jogo entre Nova Zelândia e Noruega. Em outras redes sociais, como o Twitter e o Facebook, não era difícil encontrar posts com o mesmo teor preconceituoso, seja disfarçado de "análise" ou escancarado por algum boçal que carregava o argumento da "liberdade de expressão" como algum troféu imaginário.

Além disso, a grande imprensa esportiva ainda trata o futebol feminino como se estivesse descobrindo a existência do fogo. Falam em "guerreiras", falam em "ginga", falam em "beleza do jogo", mas ignoram os problemas que temos aqui do nosso lado: estádios e gramados precários, calendário de competições ainda mais insano que o do futebol masculino, horários bizarros dos jogos, descaso de clubes e federações e por aí vai.

Eu entendo que jogar uma Copa do Mundo é a realização do sonho de muitas mulheres que estão na Seleção Brasileira e de outras que almejam estar lá. Mas esta seria a oportunidade perfeita para se apontar erros e de colocar a mão na consciência e rever tudo que vem sendo feito nesses últimos anos. Ficar no "oba-oba" e jogar confete não ajuda em absolutamente nada.

Além disso, temos os aproveitadores. Aquelas pessoas que esperam eventos da magnitude de uma Copa do Mundo para ganhar engajamento, likes e fazer suas "publis" sem se comprometer com aquilo que realmente importa. Essas pessoas podem ser dívidas em dois grupos:

O primeiro é o dos haters. São os caras que surgem dos esgotos das redes sociais dizendo que têm que diminuir o tamanho do gol, que mulher não pode fazer isso, que não pode fazer aquilo, que futebol foi feito pra homem jogar e que sua opinião é a que vale. É como se gritassem: "Olhem pra mim, eu odeio futebol feminino! Não suporto ver mulheres jogando bola!"

E o segundo grupo é o dos alienados. Ele é formado por pessoas que aproveitam a Copa do Mundo pra fazer de tudo um pouco. Fazem selfies, vão nas festas organizadas pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) pra fazer suas lives, postam tudo que acontece com eles, mas não falam de futebol feminino. Aliás, vale lembrar que nenhum dos influenciadores convidados pela CBF para ir ao Mundial falavam da modalidade em seus canais.

E isso sem falar na dona FIFA, que proibiu mais uma vez a braçadeira LGBTQIAPN+. Se antes, a desculpa era de que a homossexualidade era crime no Catar (sede da Copa do Mundo Masculina), a proibição não faz o menor sentido na Austrália e na Nova Zelândia, países onde a opinião pública é bastante favorável aos direitos LGTB’s. Na Copa Feminina, só algumas mensagens pré-aprovadas pela FIFA podem ser utilizadas, o que faz com que a entidade se posicione sem se comprometer de verdade.

Infelizmente, a sensação que eu tenho é a de que as coisas não vão mudar por aqui, mesmo se a Seleção Brasileira colocar a tão sonhada estrela no peito e dar o título da Copa do Mundo para a Marta nesta sua "última dança" em mundiais. Gostaria de pensar diferente, de acreditar que as coisas vão mudar, mas ainda vai demorar para que o futebol feminino ganhe o reconhecimento que merece.

Isso porque nós ainda somos extremamente preconceituosos. Ainda vemos a mulher como algo inferior e que deveria se concentrar em tarefas menores e que o protagonismo conquistado por elas não é resultado do talento e esforço de cada uma.

Esta será sim a maior Copa do Mundo Feminina de todos os tempos. Vamos ver grandes jogos de futebol e acompanhar a história sendo escrita por mulheres que lutaram e lutam para fazer aquilo que amam. O planeta não será o mesmo depois disso.

Mas é preciso ter em mente que o caminho ainda é longo e tortuoso. E não será surpresa se mais chats forem desativados no decorrer dos jogos na Austrália e na Nova Zelândia.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Jaqueline Deister