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Entenda

Como a PEC 45, aprovada no Congresso, mantém a desigualdade social no país?

Origem da PEC está em entidade patrocinada por grandes empresas e aborda somente a tributação sobre o consumo

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne quase 40 países, estipula que arrecadação deve vir essencialmente da taxação de renda - Reprodução

Aprovada pela Câmara dos Deputados no último dia 7, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, mais conhecida como a reforma tributária, modifica a legislação atual sobre tributos, unificando cinco impostos sobre consumo. Uma das principais críticas de setores progressistas é a ausência de taxação de renda e de grandes fortunas.

Na Constituição Federal de 1988, a carta vigente no país, consta no Artigo 153 que "compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar".

Fundada em 1961 para estimular o progresso econômico e o comércio mundial, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne quase 40 países, estipula que os tributos que serão convertidos em serviços como saúde e educação devem vir essencialmente da taxação de renda. 

Leia também: Taxar grandes fortunas e heranças são medidas para reforma tributária mais igualitária

Uma tabela elaborada pelo Instituto Justiça Fiscal mostra que, na média, os países membros da OCDE, da qual o Brasil faz parte, arrecadam 34% dos tributos da renda, outros 32,44% do consumo, 5,76% de patrimônio e 26,38% de outras fontes. No Brasil, contudo, a maior parte da arrecadação vem do consumo (49,68%), seguido por outros (27,35%), renda (18,27%) e patrimônio (4,70%).

Países com baixa desigualdade social, como é o caso da Dinamarca, arrecadam 63,2% dos tributos taxando a renda, enquanto o consumo responde por 31,90% do arrecadado. O Reino Unido também prioriza a taxação de renda (35,90%) em detrimento do consumo, que corresponde a 31,50%.

Diante da necessidade de arrecadação extra de R$ 162,4 bilhões, segundo o Tesouro Nacional, para que o déficit público seja zerado em 2024, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizou que uma próxima etapa da reforma tributária poderá detalhar taxação de renda e patrimônio. Segundo ele, um país com tanta desigualdade não pode isentar de imposto de renda o 1% mais rico da população.

O que é a PEC 45?

Para pesquisadores do Instituto Justiça Fiscal (IJF), a reforma tributária que foi proposta em 2019 como PEC 45 no Congresso Nacional é ampla e complexa, mas é também mais fácil de ser aprovada porque não altera a estrutura do sistema tributário e continua a manter os pobres pagando mais e os ricos pagando menos em relação às rendas.

Para Maria Regina Paiva, segunda vice-presidenta do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e auditora fiscal da Receita Federal do Brasil aposentada, a reforma não mexe na estrutura social.

"É preciso que se identifique a origem desta PEC que agora foi votada na Câmara. Esta proposta partiu do Centro de Cidadania Fiscal, entidade patrocinada por grandes empresas e que aborda tão somente a tributação sobre o consumo. Na linha do que defendia a instituição, o problema maior do sistema tributário nacional seria sua complexidade e, assim, importante é simplificar. Mas o maior problema, de fato, é a regressividade do sistema", explica ela.

Além da incerteza sobre o que de fato será definido na lei complementar, já que a PEC só abre possibilidades e "muitas coisas serão definidas posteriormente", Maria Regina afirma que os argumentos do empresariado sobre crescimento econômico já foram desmontados.

"Foram apresentados, inclusive, modelos econômicos que demonstravam que a reforma traria crescimento de 20 pontos percentuais do PIB em 15 anos. Contestados antes mesmo da votação da reforma, estes estudos agora carecem de amparo, pois foram elaborados seguindo o que estava na PEC 45, bastante modificada na votação da reforma", pontua.

A narrativa do déficit

A representante do IJF destaca uma série de medidas importantes que vêm sendo tomadas pelo governo federal, como o combate à fome e a valorização do salário-mínimo, mas alerta que no tema dos tributos o governo "pode estar alienando um enorme capital político para promover uma reforma e não conseguir alterar a estrutura injusta da tributação".

"A reforma sobre consumo, se efetivamente não alterar a carga tributária, vai ser incapaz de entregar a este governo o que necessita de recursos, muito menos terminar com o déficit fiscal. E acabar com o déficit fiscal faz parte da mesma narrativa de cunho neoliberal que nos diz que o Estado não pode gastar, que precisa arrecadar primeiro e gastar depois, que precisa equilíbrio nas contas, ou que o dinheiro acabou", alerta Maria Regina.

Edição: Mariana Pitasse