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Caso Wallace: o dilema entre o que é justo e o que não é

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Wallace foi suspenso por cinco anos pelo Conselho de Ética do COB depois de ter entrado em quadra na decisão da Superliga Masculina - Agência i7 / Sada Cruzeiro
Tem muita gente que não tem nada a ver com o assunto sendo prejudicada por causa de Wallace e da CBV

Antes de mais nada, é preciso deixar muito claro que Wallace de Souza cometeu sim crime quando abriu uma enquete na sua conta no Instagram para saber se algum de seus seguidores daria um tiro no rosto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O caso aconteceu em janeiro deste ano e teve grande repercussão na mídia e nas redes sociais. Não é surpresa e nem novidade pra ninguém que a publicação foi alvo de repúdio da Confederação Brasileira de Vôlei (a CBV), o Comitê Olímpico do Brasil (o COB) e do governo federal.

No entanto, o assunto da coluna da semana não é exatamente esse. Vamos falar de algo muito mais sutil, algo que vem passando longe dos olhos de todos os envolvidos nessa situação. Pelo menos na opinião deste que escreve.

Recapitulando o caso, Wallace foi suspenso provisoriamente até o julgamento no dia 4 de abril, em audiência no Conselho de Ética do COB (o CECOB). Ele acabou sendo punido inicialmente com 90 dias de suspensão, do dia 3 de fevereiro ao dia 3 de maio. Desse modo, Wallace estaria fora da reta final da Superliga de Vôlei Masculino.

Os advogados do jogador alegaram que a medida imposta pelo CECOB havia “deixado dúvidas acerca da punição no âmbito das competições nacionais” e entraram com recurso no Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (o STJD) do vôlei, que concedeu liminar através de decisão de Eduardo Affonso de Santis Mendes de Faria Mello, presidente em exercício do órgão. No entanto, a CBV viu um impasse entre a decisão do Conselho de Ética do COB e a liminar emitida pelo STJD do vôlei e acionou o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (o CBMA). A essa altura, o primeiro jogo da decisão entre Cruzeiro (time de Wallace) e São José pelas semifinais da Superliga já havia sido adiado.

O CBMA deu razão à liminar emitida pelo STJD e liberou Wallace, mas ele acabou não entrando em quadra nas semifinais. Inclusive, de acordo com apuração do Brasil de Fato, o discurso do Cruzeiro era o de que a escalação do oposto na decisão poderia causar punições ao clube. No entanto, ele acabou sendo relacionado e marcou o ponto do título da conquista da Superliga de Vôlei pelo time mineiro.

Só que o Conselho de Ética do COB não gostou nada do que viu e decidiu aumentar de 90 dias para cinco anos o tempo de suspensão de Wallace pelo post com a enquete que incentivava a violência contra o presidente Lula. Além disso, o CECOB também anunciou punição à Confederação Brasileira de Vôlei. A CBV foi desvinculada do COB e punida com a perda de repasses de verba (do Banco do Brasil e do Ministério do Esporte) por seis meses. Além disso, Radamés Lattari (presidente em exercício da entidade) foi suspenso e o Tribunal de Contas da União (TCU) recebeu uma recomendação para que as contas da CBV passem por uma devassa.

A pergunta a ser respondida aqui não é se Wallace e a CBV devem ser punidos. O que se questiona é o tamanho da punição aplicada na entidade que comanda o vôlei brasileiro.

Isso porque tem muita gente que não tem nada a ver com o assunto sendo prejudicada por conta da postura de Wallace e da Confederação.

É óbvio que ninguém ali tem um pingo de moral para falar de ética e transparência. Ou será que vocês já se esqueceram do que a CBV fez com a jogadora Carol Solberg quando ela se manifestou dentro da quadra contra o governo de Jair Bolsonaro? Bom, eu não esqueci. Mas é preciso ter prudência para entender o caso e buscar a melhor solução para que aqueles que não têm absolutamente nada a ver com a postura de Wallace e da CBV acabem sendo injustamente prejudicados.

De acordo com o blog Olhar Olímpico, a CBV teria direito a receber R$ 9,8 milhões via Lei Agnelo/Piva em 2023. No entanto, o repasse desses recursos já está suspenso e o COB ainda vê a possibilidade de bancar diretamente as despesas dos projetos do vôlei (incluindo a disputa dos Jogos Pan-Americanos de Santiago).

Além disso, os projetos da CBV que usam os recursos da Lei Agnelo/Piva também seriam usados para financiar a ida de seleções de base para campeonatos mundiais e a participação de duplas de vôlei de praia no Circuito Mundial. A punição do Conselho de Ética do COB ainda impediria a CBV de inscrever jogadores para os torneios pré-olímpicos, principal competição classificatória para os Jogos Olímpicos Paris 2024.

No final das contas, essa situação é uma enorme disputa por poder que passa pelas atribuições do STJD e do Conselho de Ética do COB, pela influência dos "senadores" do vôlei (que defendem Wallace) sobre Radamés Lattari (e sua chegada à presidência da CBV) e no próprio papel do CECOB. O que se sabe até o momento é que o Comitê Olímpico do Brasil  é obrigado a executar a decisão imposta pelo Conselho de Ética conforme indicado no estatuto da entidade.

Como se pode perceber, o impacto da punição imposta pelo Conselho de Ética do COB passaria bem longe de Wallace. Esse é o ponto.

E antes que me lembrem da suspensão de cinco anos imposta pelo CECOB, lembrem-se de que ele já havia anunciado a sua aposentadoria da Seleção Brasileira logo depois dos Jogos de Tóquio. Ou seja, a punição apenas aceleraria os planos de Wallace.

Não foi por acaso que a Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil (a CACOB) se reuniu com o departamento jurídico da entidade nessa semana para entender a decisão do Conselho de Ética sobre Wallace e a CBV. Há sim o medo de que atletas que não estão envolvidos no caso acabem sendo prejudicados. 

Já falei mais de uma vez aqui no Brasil de Fato que não sou nenhum especialista em direito desportivo. Mas, graças a Deus, meus pais me mostraram que é bom se colocar no lugar do outro de vez em quando. Imagine que você faz parte da comissão técnica do time Sub-17 da Seleção Brasileira de Vôlei Feminino e que você fez das tripas coração para preparar aquelas jovens para o campeonato mundial da categoria. É a chance de muitas daquelas meninas e também a sua de crescer na profissão e mostrar seu trabalho.

No entanto, por conta do caso Wallace e das patacoadas da CBV, que não tinha nada que ter metido o bedelho nessa situação, você corre sério risco de ver o seu sonho e o de todo seu elenco prejudicado por uma situação que não tem nada a ver com vocês. Nenhuma jogadora fez enquete no Instagram pra saber se alguém daria um tiro no rosto do presidente Lula e nenhum membro da sua comissão técnica foi chamar o Wallace de “coitadinho” e dar um “jeitinho” de colocar o cara em quadra ciente da punição do Conselho de Ética do COB.

Confesso que eu estaria muito “P” da vida se estivesse nessa situação. “P” da vida com o Wallace e com a CBV e sem saber o que pensar disso tudo.

É óbvio que Wallace de Souza e toda a cúpula da CBV precisam ser punidos pelo que fizeram.

Mas a punição precisa ficar restrita a eles e não pode prejudicar quem não tem nada a ver com o assunto. E como se viu anteriormente, as consequências da medida do Conselho de Ética passam longe dos envolvidos no caso.

Não deixa de ser um dilema entre o que é justo e o que não é. A proteção dos atletas de todas as categorias e da modalidade é algo que precisa ser levado em consideração para que as coisas não passem do ponto e para que tudo isso não seja usado como mais uma fonte de informações distorcidas e acusações levianas. É algo muito delicado.

As conversas entre Conselho de Ética, CBV e Comissão de Atletas devem seguir acontecendo nos próximos dias. Até lá, muita coisa pode ocorrer. Inclusiva nada, como diz aquela música.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Jaqueline Deister