Rio de Janeiro

Ataques nas escolas

“Polícia deve assumir papel preventivo e não bélico", diz pesquisador sobre projeto de Castro

Medidas do governador do RJ para conter ataques nas escolas têm levantado debates entre professores e pesquisadores

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Governo do Rio criou o Comitê Permanente de Segurança Escolar no dia 30 de março para enfrentar a violência nas unidades de ensino - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os recentes ataques a escolas no país obrigaram governos federal, estadual e municipal a investirem em medidas para combater a violência e a ameaça na comunidade escolar. No Rio de Janeiro, o governador Claudio Castro (PL) anunciou, no dia 30 de março, a criação do Comitê Permanente de Segurança Escolar com representantes da segurança pública e entidades civis. 

Entre as ações propostas pelo comitê está o aplicativo "Rede Escola", inspirado "Rede Mulher", desenvolvido pela Polícia Militar. De acordo com o governo, a ideia é que, por meio da ferramenta, professores e funcionários das escolas possam fazer denúncias e acionar um botão de emergência. 

Outras medidas previstas são: a criação de um grupo de trabalho, na área de Inteligência da Polícia Civil, para apuração de casos de incitação à violência em escolas nas redes sociais e a atuação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) no treinamento de professores para que eles atuem em casos de prevenção e de emergência.

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As medidas têm levantado debates na comunidade escolar e também entre pesquisadores da área da educação. Para o professor da faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Paulo Carrano, a iniciativa de criação do Comitê Permanente de Segurança Escolar e a busca pelo diálogo para resolver um problema que afeta toda a sociedade é bem-vinda. Contudo, o pesquisador destaca que é necessário que as ações propostas também envolvam os estudantes e não apenas os profissionais das escolas.

“Vejo com bons olhos a criação de um canal de denúncia para a comunidade escolar, mas o que chegou a mim é que esse canal está muito voltado para os professores. Eu diria também que é preciso ampliar essa ideia do canal de denúncia em relação aos possíveis ataques que possam ocorrer às escolas também para os estudantes”, pondera Carrano que ressalta a importância da criação de redes de confiança com os jovens para integrá-los à atuação do comitê.

“Eu não vejo que uma denúncia à PM [Polícia Militar] seja o caminho mais adequado para criar esse canal de confiança com os jovens. Me parece que deveria se apostar em canais de mediação mais neutros. Nós temos uma experiência bem sucedida no Rio de Janeiro e no Brasil, o canal Disque-Denúncia, que é um exemplo de uma entidade da sociedade civil que pode estabelecer uma boa parceria com as forças policiais sem essa relação tão direta com o agente da segurança pública”, comenta. 

Saúde Mental

A vereadora do município do Rio de Janeiro, Luciana Novaes (PT), desde 2011 acompanha os sobreviventes do massacre de Realengo. Na ocasião, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira armado com dois revólveres e começou a disparar contra os alunos presentes, matando 12 estudantes com idades entre 13 e 15 anos. O ataque deixou mais de 10 feridos.

Novaes é autora do projeto de lei 1210/2019, que institui a criação de campanhas contra o bullying e outras práticas violentas, promoção da cultura da paz em todas as escolas do município, bem como a inclusão do Dia dos Anjos de Realengo, em 7 de abril, no calendário oficial da cidade. Para a parlamentar é urgente uma atenção à saúde mental dos alunos.

“Recentemente, o Brasil passou por dois massacres que chocaram a população e trouxeram à tona a necessidade de discutir questões como bullying, saúde mental e segurança nos ambientes educacionais. Acredito que precisamos de psicólogos nas escolas, um tratamento adequado para o estudante juntamente com acompanhamento familiar. É de extrema urgência novas políticas públicas que promovam a cultura da paz”, defende a vereadora.

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O comitê não apresentou até o momento nenhuma medida voltada para o cuidado com a saúde mental da comunidade escolar. Porém, no dia 10 de abril, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) encaminhou uma recomendação à Secretaria de Estado de Educação para que sejam adotadas medidas para o cumprimento da lei federal nº 13.935/19 e a lei estadual nº 9.295/2021, que determinam a contratação de psicólogos para as escolas. 

De acordo com a recomendação, a lei estadual autoriza o Poder Executivo a estabelecer a obrigatoriedade da inclusão de psicólogo escolar nas unidades de ensino das redes pública e privada, mas, até o momento, segundo o MP-RJ, apenas medidas mitigadoras foram adotadas pelo estado, permanecendo a ausência destes profissionais na rede estadual de ensino.  

Na avaliação do coordenador do Observatório Jovem da UFF, o cuidado da saúde mental dos estudantes é indispensável e o governo do estado deve ter essa ação como prioritária em suas medidas de prevenção a ataques. 

“Eu senti falta de ações orientadas para a própria saúde mental da comunidade escolar e de políticas que possam aumentar a quantidade e a qualidade de suporte disponíveis para a  escola. Sabemos que são muitas escolas que nem ao menos têm um porteiro, um inspetor escolar, ou ainda profissionais especializados para o suporte social e psicológico, o governo do estado tem um campo de ação a explorar na construção de dispositivos de apoio e suporte  a própria comunidade”, detalha Carrano.

Utopia social

A presença de agentes de segurança nas unidades escolares também tem sido alvo de polêmica. Na proposta do Comitê Permanente de Segurança Escolar, os policiais fornecerão treinamento para profissionais da educação para que possam atuar em situações de emergência. 

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Para Carrano, o papel da segurança pública nas escolas deve ser muito bem debatido junto à comunidade escolar para que a unidade de ensino não se torne um espaço prisional e bélico de desconfiança entre todos.

“A escola precisa ser lugar de uma utopia social e de uma utopia pedagógica desarmada. Então, nesse sentido são urgentes as medidas de prevenção dos ataques, o monitoramento das redes de ódio que se aproveitam da invisibilidade que encontram na internet. Esse é o trabalho mais efetivo que as forças de segurança podem realizar, muito mais do que possam fazer durante o próprio ataque, porque esses ataques são difíceis de conter porque não vão ter policiais suficientes para estar em todos os espaços da escola. A prevenção é fundamental”, afirma o professor que reitera a necessidade de investimento numa cultura de paz dentro do ambiente escolar.

“As escolas precisam ser espaços de paz e de possibilidade de uma educação onde a previsibilidade e a segurança façam parte do projeto político pedagógico. Nesse sentido, é preciso investir numa cultura de paz nas escolas, com diálogo, enfrentamento dos conflitos. As diferenças e conflitos precisam encontrar canais de mediação institucionais. Os estudantes precisam ter clareza que as autoridades educacionais são autoridades mediadoras dos conflitos e não estão para tomar partido de A ou B e que não vão existir elementos estranhos à própria comunidade escolar, como pessoas armadas dentro da escola”, conclui.

Edição: Mariana Pitasse