Rio de Janeiro

Crescimento de casos

No Rio, entregadores de aplicativo denunciam clientes após chutes, empurrões e tapas na cara

Em todo o país, crescem as denúncias de violência contra trabalhadores nas delegacias e escritórios de advocacia

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Em outro caso recente, jovem levou tapa na cara de cliente do iFood após se recusar a subir no apartamento; prática não é obrigatória - Foto: Jorge Leão

Lidar com a violência e a agressividade dos clientes tem sido parte da rotina e motivo de preocupação para quem trabalha como entregador de aplicativo em várias cidades do país. No Rio de Janeiro não é diferente: as queixas e denúncias nas delegacias e escritórios de advocacia não param de crescer.

Adelline Costa Toledo, de 34 anos, foi vítima de agressão durante a entrega de um pedido na Tijuca, na Zona Norte do Rio. No dia 14 de fevereiro, ela realizou uma entrega pelo iFood no apartamento de um  professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Adelline, a falta de um refrigerante deu início a discussão por ele ter se recusado a pagar.

Leia mais: Entregador do iFood é vítima de agressão no Rio após recusar subir em apartamento

"Eu subi para fazer a entrega e perguntei se era crédito ou débito. Ele falou 'cadê a Coca-Cola? Você tá com a Coca lá embaixo, você quer ficar com a minha Coca?'. Insinuou que eu estava com o refrigerante dele. Falei que o restaurante me entregou faltando. Ele puxou a comida da minha mão e tentou fechar a porta, mas eu coloquei o pé. Ele não podia ficar com a comida sem pagar", relembra.

A entregadora acusa o professor de tê-la agredido com chutes e empurrões. O caso foi registrado na polícia e encaminhado ao Juizado Especial Criminal (Jecrim). Uma audiência de conciliação está marcada para o próximo mês. A assessoria de imprensa da UFRJ não se posicionou sobre o caso até o fechamento da matéria. A reportagem não conseguiu contato com o professor.

"Depois de 5 dias eles [iFood] me ligaram para saber se precisava de um psicólogo. Não quis, mas no momento eu ainda estava abalada, claro. Tive receio de voltar a trabalhar, fiquei em casa uma semana. Não trabalho de carteira assinada, só dependo do iFood. Se eu não trabalhar, não recebo", relata Adelline, que trabalha de 12 a 16h por dia na plataforma.

Diante da ausência de amparo por parte do empregador, e consequentemente de direitos, Adelline recebe orientação jurídica do Núcleo Jurídico Popular Esperança Garcia e Benjamim Mota (NEB). A iniciativa do sindicato Geral Autônomo do Rio de Janeiro (SIGA-RJ) atende trabalhadores autônomos e informais.

Ítalo Pires, advogado da organização, comenta que para além da responsabilização do agressor, o projeto também busca contribuir na organização de categorias precarizadas para melhorar a compreensão sobre seus direitos.

"O caso da Adelline é simbólico, porque além de ser um trabalhador fragilizado enquanto categoria, também é uma mulher. É um caso exemplar para acompanhar as responsabilizações criminais do agressor, mas também o mundo do trabalho e suas particularidades diante dessa nova forma de exercício de atividades profissionais", ressalta Ítalo.

Caso não é isolado

No último mês, somente no iFood, pelo menos dois casos envolvendo diferentes tipos de agressões físicas tiveram repercussão na capital fluminense. Depois de Adelline, um jovem também foi agredido durante a entrega de um pedido. 

Desta vez, o motivo foi ter recusado subir no apartamento do policial Alex Ramos Cabral em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) não informou sobre o andamento do processo disciplinar contra o servidor e se ele está afastado das funções. 

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Dias após o caso, o iFood publicou um artigo em seu site afirmando não tolerar agressão a entregadores e que, em caso de violência, poderá banir usuários do aplicativo. Um botão para o texto também foi adicionado na tela de rastreamento da encomenda. 

Apesar de não ser obrigatório segundo a política do iFood, Adelline ainda é cobrada a subir em apartamentos. Ela acha que a plataforma poderia divulgar melhor a recomendação para os clientes buscarem o pedido na portaria. Do contrário, a situação gera mal-entendidos, ofensas, grosserias e até agressões.

"Os clientes no Rio são acostumados a receber o pedido na porta e acham que a gente tem obrigação. Quando a gente fala que não vai subir não gostam. Sinceramente, não me sinto segura, mas tenho que trabalhar", completa.

Procurada pelo Brasil de Fato, a empresa não respondeu se presta assessoria jurídica aos trabalhadores ou acompanha o desdobramento dos casos de agressão que vão para a justiça. Também não retornou se pretende veicular campanhas de conscientização, contra violência ou em solidariedade aos entregadores.

Respostas

Após a publicação da reportagem, o iFood e a Faculdade de Letras da UFRJ enviaram nota sobre os casos. Leia na íntegra:

"O iFood é veementemente contra qualquer desvio de conduta e condena agressões que afetem qualquer pessoa inserida em nosso ecossistema, seja entregadores, restaurantes e consumidores. Quando trata-se de entregadores, banimos os clientes da nossa plataforma e assim faremos em todos os casos de violência, seja ela física ou verbal. 

Nossa orientação aos entregadores que passem por isto é entrar em contato com o suporte para reportar o caso. O iFood tem um time dedicado para investigação e tratativa deste tipo de denúncia. Após denúncia no app, o primeiro passo é acolher essas pessoas e oferecer imediatamente apoio psicológico às vítimas.  Em paralelo, orientamos sempre os entregadores a registrar um Boletim de Ocorrência. 

Vamos continuar o nosso trabalho em  campanhas de conscientização da sociedade, para mostrar como boas práticas no dia a dia podem melhorar a vida de todos." 

*Atualizada às 18h20 com o posicionamento do iFood

"A Direção da Faculdade de Letras da UFRJ vem esclarecer que o ocorrido envolvendo seu vice-diretor fora das atividades acadêmicas e funcionais foi tratado de maneira séria, onde o fato foi categoricamente censurado e servirá de orientação para conduta de todo nosso corpo social.

O corpo diretor da Faculdade de Letras da UFRJ vem oficialmente se retratar pelo episódio ocorrido e declarar todo apoio à vítima, como cidadã, mulher, trabalhadora honesta e digna dos mais elevados respeitos e considerações.

 A Faculdade de Letras da UFRJ reafirma o compromisso de prestar todo apoio às partes envolvidas, para reparação exemplar do caso e vem tornar público o repúdio a toda e qualquer forma de violência, seja física, moral ou psicológica."

*Atualizada na quarta-feira (5) com a resposta da Faculdade de Letras da UFRJ

Edição: Mariana Pitasse