Rio de Janeiro

59 ANOS

Artigo | Para que nunca se esqueça: Em respeito a todas as vítimas da ditadura de 1964

Golpe de 1º de abril de 1964 repetiu a velha e surrada narrativa do fascismo, afirma deputado federal Reimont

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
ditadura militar
Golpe que lançou país na opressão e na violência por duas décadas não pode jamais ser comemorado, afirma parlamentar - Tânia Rêgo/Agência Brasil

No dia 1º de abril de 1964 (sim, no dia 1º de abril, não em 31 de março), o Brasil começou a viver um dos mais tenebrosos períodos da nossa História recente - a ditadura empresarial-civil-militar que derrubou o governo de João Goulart, democraticamente eleito. Ao contrário do que foi dito à época, Jango contava com amplo apoio popular; segundo pesquisa do Ibope, tinha 70% de aprovação às vésperas do golpe de 64.

Essa é uma data que cobriu de luto o Brasil e que não podemos esquecer, para que nunca mais aconteça.

O golpe de 1º de abril de 1964 repetiu a velha e surrada narrativa do fascismo, que sobrevive até os dias de hoje; vejam quanta similaridade. Buscou o apoio da classe média e dos conservadores taxando de ameaça comunista o simples esforço de atendimento às demandas populares mais básicas – terra, comida, trabalho, salários dignos, moradia e dignidade. Justificou todo e qualquer horror erguendo uma falsa bandeira em nome da família, da moral e dos “bons costumes”. Perseguiu artistas e acusou os inimigos de “corrupção”, mesmo que sem provas. Instaurou o império do medo, das mentiras e do ódio.

Imediatamente após o golpe, a repressão deu a largada a uma onda de prisões de líderes políticos, militares, artistas, sindicalistas, camponeses e todo e qualquer “suspeito”. A primeira lista de atingidos pelo Ato Institucional nº 1 da ditadura, à qual seguiram-se várias, incluía mais de 3.500 pessoas. Nos primeiros meses da ditadura, 50 mil brasileiras e brasileiros foram detidos.

O Congresso Nacional foi dissolvido, em um processo de extinção dos partidos políticos que culminou em 1966, com a implantação do bipartidarismo. Cassaram o direito ao voto, tentaram silenciar a oposição. 

Ao todo, 166 dos 409 deputados federais eleitos foram cassados. Ao menos 6.951 militares foram presos e desligados das Forças Armadas, sendo 35 mortos e desaparecidos; mais de 5 mil civis sofreram demissões, cassações e suspensão de direitos políticos; 1024 civis foram presos e torturados, sendo 273 cristãos encarcerados por seu trabalho pastoral; ao menos 11 bebês e crianças foram presos e fichados, alguns deles submetidos ao horror de assistir às torturas impostas a seus pais; foram constatados 434 assassinatos sob tortura, seguidos de desaparecimento dos corpos.

Alicerçada na manipulação, a ditadura durou longos 21 anos, anos de censura, perseguições, corrupção e terror, cujo legado foi a hiperinflação, a concentração de renda, a pobreza, o arrocho salarial, o crescimento desenfreado da dívida externa (que chegou a 53,8% do PIB, ou seja, de toda a renda gerada no país), o avanço do racismo, a perseguição aos povos indígenas, a ampliação dos conflitos no campo. A abertura da rodovia Transamazônica, que atravessaria o Brasil, afetou de maneira trágica 29 grupos indígenas.

Silenciada pela censura, a corrupção galopante serviu de justificativa para o próprio general Ernesto Geisel (penúltimo dos “presidentes” militares) defender a entrega do Brasil (arruinado) aos civis. 

O ciclo do golpe de 64 foi oficialmente encerrado em 1985. Mas a herança trágica do ideário de 64 não se encerrou, tanto pela permanência ideológica do fascismo, pelo avanço do racismo, do preconceito e da discriminação, como também pela falta de um processo de investigação e esclarecimento dos crimes cometidos pelo estado durante a ditadura. 

A reconciliação nacional passa por descortinar essa página da nossa história. É preciso conhecer e superar o passado, para construir as bases de um futuro justo, democrático e igualitário. Com a esperança nessa reconstrução, saúdo a retomada dos trabalhos da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que ajuda no caminho de revelar ao país a sua história recente. O Brasil precisa conhecer o Brasil.

Ditadura não se comemora, ditadura não se esquece. Ditadura nunca mais!

* Reimont é deputado federal pelo Rio de Janeiro e vice-líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara Federal.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Eduardo Miranda