Rio de Janeiro

JUSTIÇA

MPF move ação contra a União por desvio da celebração do bicentenário da Independência no Rio

Órgão questiona o uso político-partidário do evento para beneficiar o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL)

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O Ministério Público requer que a União seja condenada a realizar cerimônia pública de pedido de desculpas no Rio de Janeiro coma participação dos comandantes das Forças Armadas - Foto: Divulgação PL

As comemorações cívico-militares do bicentenário da Independência do Brasil no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, renderam uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) contra a União pela omissão e medidas preventivas de autocontenção dos atos em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O MPF aponta, na ação, que os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, incumbidos por normativa do Ministério da Defesa da organização e do planejamento dos eventos do bicentenário da Independência, deixaram de adotar medidas claras, concretas, eficazes e suficientes para garantir que a celebração não servisse de palanque para manifestação político-partidária em prol do grupo político do então presidente da República.

Além disso, segundo o Ministério Público, os comandantes tomaram decisões que favoreceram ainda mais a confusão entre os eventos, como a transferência do local tradicional de celebração (Avenida Presidente Vargas), a instalação de espaço para autoridades a poucos metros do carro de som da manifestação na orla da praia de Copacabana, a não instalação de equipamentos que deixassem clara a diferenciação e praticamente nenhum fator de contenção quanto à confusão verificada.

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O evento oficial foi realizado em um palanque na esquina da Avenida Atlântica com a Avenida Rainha Elisabeth (posto 6), ao passo que a manifestação político-partidária, com manifestação do candidato à reeleição em carro de som, ocorreu a apenas três quadras dali, na esquina da Avenida Atlântica com a rua Souza Lima (posto 5).

Ação Civil

O MPF pede na ação a condenação da União à reparação de danos causados por meio de medidas específicas, como pedido público de desculpas, elaboração de relatório circunstanciado sobre os fatos – com eventual adoção de medidas cabíveis no âmbito disciplinar em relação a todos os envolvidos – e medidas específicas e inibitórias de prevenção, como a regulação geral e abstrata de celebrações, a definição de local de celebração no Rio de Janeiro – com a proibição de acampamentos em frente às instituições militares – e formação sobre democracia e direitos humanos aos militares.

Para os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Caixeta, autores da ação, a preocupação inicial de confusão entre os dois eventos se confirmou. 

“Não foram adotadas medidas suficientes e eficazes para diferenciar as celebrações cívico-militares da manifestação político-partidária que se realizou no local. Na organização do evento, inexistia separação física suficientemente clara, salvo para fins meramente operacionais, uma vez que o palco da celebração oficial estava a poucos metros do carro de som onde existiam manifestações políticas. Cabe ressaltar, ainda, que a área ‘oficial’ recebeu a circulação não apenas de autoridades, mas também de pessoas postulantes a cargos eletivos nas eleições que se dariam em outubro do ano passado. Em outras palavras, não era possível distinguir o evento oficial da manifestação político-partidária que estava sendo realizada”, concluem.

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O Ministério Público requer que a União seja condenada a realizar cerimônia pública de pedido de desculpas, no Rio de Janeiro, com ampla divulgação e participação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O ato deve ser divulgado em ao menos dois jornais de grande circulação nacional e ser precedido de publicidade em rádio, televisão e internet.

“O pedido de desculpas consiste no reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de forma expressa e pública, da responsabilidade pelo caráter partidário da celebração do bicentenário da Independência do Brasil. Um momento que deveria ser de união e festa acabou sendo contaminado pela disputa política”, detalha a ação.

O órgão quer ainda que seja elaborado relatório circunstanciado para esclarecer os fatos e identificar toda a cadeia de acontecimentos que permitiu a ocorrência dos episódios narrados na petição inicial, com a adoção das medidas pertinentes, caso sejam identificados ilícitos disciplinares envolvendo agentes públicos, que tenham concorrido para os atos e omissões.

Outros pontos que estão incluídos no pedido da ação são a regulação da participação das Forças Armadas em festividades com características similares à da independência e a realização de curso de formação aos militares para enfatizar os princípios inerentes ao Estado Democrático do Direito, aos direitos humanos e à neutralidade política das Forças Armadas.
 

Edição: Jaqueline Deister