Ceará

Cultura em crise

Artistas cearenses apontam problemas na gestão da Secretaria de Cultura de Fortaleza

Eles reivindicam transparência, editais atrasados e respostas para agressões aos músicos cearenses durante o carnaval

Brasil de Fato, Fortaleza, Ceará |
Artistas de diferentes linguagens se reuniram para cobrar transparência e respostas aos ofícios enviados à Secultfor. - Divulgação

O Sindicato dos Músicos do Ceará (Sindmuce) realizou uma manifestação, nesta segunda-feira (27), em protesto aos relatos de agressões sofridas por músicos cearenses, durante o Ciclo Carnavalesco promovido pela Prefeitura de Fortaleza, no Aterrinho da Praia de Iracema. A noite, representantes de diversas manifestações artísticas também se reuniram para cobrar transparência da Secretaria de Cultura e uma série de demandas não atendidas pela pasta, como editais atrasados, resposta para 30 reivindicações  feitas por ofícios, falta de respeito e diálogo da atual gestão com os artistas da cidade. A deputada estadual Larissa Gaspar (PT) e o vereador Gabriel Aguiar (Psol) compareceram ao encontro.

O vice-presidente do Sindimuce, Dalwton Moura, classificou o momento como reflexo da falta de valorização aos trabalhadores da cultura. “Essa agressão não acontece à toa. Ela decorre da falta de cultura, de valorização e respeito aos artistas e trabalhadores da cultura. A cultura responde por uma grande parte do PIB do Brasil e ao invés de termos a nossa cidade apostando na cultura como vetor de renda e de desenvolvimento, o que nós temos é uma total incompreensão  e insensibilidade da prefeitura, desde o início da atual gestão”, declarou o compositor.

Representantes da categoria exigem uma resposta urgente da Secretaria de Cultura de Fortaleza sobre as denúncias dos músicos Cainã Cavalcante e Tiago Pikachu, que foram agredidos, em momentos distintos, na terça-feira de carnaval, por homens que deveriam fazer a segurança do evento. 

Na última sexta-feira, o músico Cainã Cavalcante publicou um texto em seu perfil no instagram relatando o caso. Ele se identificou com músico da cidade e esperava por um amigo que lhe entregaria a pulseira da área reservada aos artistas e autoridades, quando quatro seguranças correram na direção do artista. “Eles correram para cima de mim (do nada!), gritando, me agarrando, me puxando, mão no pescoço, mão na cintura…um terror!, conta no texto.


O músico Cainã Cavalcante publicou um texto em seu perfil no instagram relatando o caso. / Reprodução Instagram

Em seguida, Cainã disse que pedia calma, quando um quinto segurança se aproximou e o agrediu com um soco na costela. Sem reação, Cainã foi ajudado por amigos e fãs do artista que passavam pelo local e o reconheceram no meio da confusão. “Feito o estrago, me levaram para dentro do evento, tentaram me acalmar com água, com inúmeros pedidos de desculpas, mas o secretário de cultura passou ao meu lado, durante o ocorrido, e passou direto. Como se nada tivesse acontecido”, relata ainda o artista com mais de 20 anos de carreira.

Foi a mesma sensação de impotência vivida pelo músico Tiago Pikachu,também na noite de terça-feira, também no Aterrinho da Praia de Iracema. Ao BDF, Tiago contou que estava feliz ao realizar seu último show de carnaval no palco do Aterro e que ao terminar a apresentação devolveu a pulseira que dava acesso ao palco, e se manteve, ele e a família, na área reservada, todos com a pulseira de acesso, com entrada e saída livres. Mas quando o músico tentou ir ao banheiro na área externa, não conseguiu mais voltar. “Eu entrei e saí duas vezes, sem problemas. Na terceira, mesmo eu mostrando a pulseira e dizendo que minha namorada, minha família estava lá dentro, fui barrado. Me escoraram, ficaram me ameaçando, me xingando e quando eu liguei pra minha namorada para explicar a demora, o segurança me empurrou do nada e eu caí. Meu celular caiu longe, quebrou todo e eu machuquei o joelho”, conta Tiago.

Celular do músico Tiago Pikachu ficou destruído depois da agressão. / Arquivo pessoal

 


Tiago Pikachu foi empurrado, caiu e teve o celular quebrado por homens que deveriam fazer a segurança do evento / Arquivo pessoal

 

O músico que toca desde os 13 anos, ainda está sem acreditar no que aconteceu. “Você vê como os outros músicos (de fora) são tratados e o mínimo que a gente pede é respeito porque a gente está na batalha pela cultura do estado, o tempo todo. É a gente quem faz a roda girar nos outros dias, carnaval são só quatro dias. Isso é frustrante”, lamenta. 

Segundo Tiago, ele não recebeu nenhum pedido de desculpas ou retratação pelo que aconteceu. Depois da repercussão do caso, um funcionário da Secretaria de Cultura de Fortaleza entrou em contato para saber detalhes da história, mas depois disso, não houve outras ligações. Já o músico Cainã Cavalcante recebeu uma ligação do secretário Elpídio Nogueira com um pedido de desculpas pelo ocorrido e disse ao BDF que, para ele, o assunto está encerrado. 

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Cultura de Fortaleza para saber o posicionamento e as providências da gestão diante das agressões sofridas e das outras demandas apresentadas pelos artistas. Em nota, a secretaria informou que repudia veementemente, todo e qualquer ato de violência em eventos da pasta e que entrou em contato com os dois artistas para se desculpar e lamentar o ocorrido.  

A assessoria informou ainda que a Secultfor está apurando as denúncias e o secretário Elpídio Nogueira reuniu a organização do evento para definir medidas e  encaminhamentos a fim de que situações como as registradas não mais se repitam, incluindo uma melhor capacitação dos profissionais de segurança. A empresa responsável pela segurança já foi notificada, informa o texto enviado à redação.

Sobre as demais demandas do Sindicato dos Músicos, a Secultfor informou que tem pautado a sua gestão pelo diálogo com a classe e respeito a todas as manifestações artísticas. Disse ainda que  em duas reuniões com os titulares da pasta, a entidade já teve uma resposta à pauta de reivindicações inicial. Um terceiro encontro não ocorreu pela ausência dos representantes do sindicato e apenas uma data precisou ser desmarcada, por coincidir com a realização da reunião do Conselho Municipal da Cultura, que é presidido pelo secretário Elpídio Nogueira.

Desde o lançamento do Ciclo Carnavalesco 2023, que começa com o pré-carnaval de Fortaleza, a Secultfor é acusada de não cumprir o edital para a festa deste ano e não concluir o processo das escolhas dos blocos. Alguns artistas inscritos e selecionados reclamaram  por seus nomes não constarem na programação divulgada pela Secretaria, no primeiro fim de semana do Ciclo. As denúncias repercutiram entre os vereadores na Câmara Municipal de Fortaleza e o Ministério Público do Ceará (MPCE) apurou o caso. Em nota, o MPCE informou que, após diligência realizada pela 1ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, não foi constatada irregularidades na chamada pública para credenciamento de artistas para contratação direta, sem exigência de licitação, para a prestação de serviços musicais no Pré-Carnaval e no Carnaval de Fortaleza e o caso foi arquivado.

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Edição: Camila Garcia