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Rede e Rua

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“É tempo de Rede e Rua. Aprender a lidar, mais que a direita neofascista, com as redes sociais e digitais. E estar na rua, com ampla e permanente mobilização social" - Foto: Jorge Leão
Não existe contradição entre redes e ruas. É Redes e Ruas, tudo ao mesmo tempo

Sou, incuravelmente, um analfabeto digital. Pelas circunstâncias recentes da vida, andei (re)lendo Diários pessoais de 1970, quando era frei noviço em Daltro Filho, então município de Garibaldi, RS. E reli poemas de 1971/72, já em Porto Alegre, morando na Vila Franciscana. Tudo escrito à mão, tudo por digitalizar. O uso da máquina de escrever como instrumento do cotidiano veio nesta época. Sou do tempo da rua, da escrita em caderno em qualquer papel à disposição, dos livros e jornais físicos, de onde vinha a informação.

Mas tenho consciência que o mundo digital hoje, 2023, é inescapável. Outro dia comentei com um companheiro, num debate do FSM, Fórum Social Mundial, em janeiro, Porto Alegre: durante as falas dos palestrantes, quase todo mundo estava ligado no seu celular.

Gilberto Carvalho marcou, em reunião do Conselhinho da Escola nacional de Formação do PT, e repetiu em suas falas no FSM, duas palavras-chave para a conjuntura atual e os próximos anos, mesmo para os septuagenários analfabetos digitais: REDE E RUA.

Tenho pensado no que será 2023. Em recente análise de conjuntura promovida pela Coordenação nacional da ANEPS (Articulação nacional de Educação Popular e Saúde), argumentei que 2023 não será um ano fácil, nem os próximos anos, mesmo com a vitória eleitoral e Lula presidente. Basta referir, mesmo que topicamente, alguns fatos e acontecimentos: o 8 de janeiro, os territórios e os índios Yanomami, o Brasil e suas políticas públicas destruídos, a destruição ambiental, o crescimento da ultradireita neofascista no Brasil e no mundo, a eterna elite brasileira escravocrata, o ódio, a intolerância, os preconceitos e a violência reinantes, a Guerra Rússia/Ucrânia, a possibilidade de uma terceira guerra mundial, junto com uma recessão econômica em nível global, o fundamentalismo neopentescostal, a absurda concentração de renda, inclusive durante a pandemia, no Brasil.

Ao mesmo tempo, há sinais positivos: a resistência popular no Brasil e na América Latina, a reconstrução de políticas públicas com participação social, a organização popular contra a fome e a miséria Brasil afora, os Comitês populares de Luta em construção.

Três cenários econômicos, políticos, sociais, culturais, ambientais são possíveis nos próximos anos.

Cenário um: As forças conservadoras retomam espaço no Brasil, à luz da conjuntura internacional, com o crescimento da manipulação de consciências via mundo digital e Fake News, as convulsões no mundo, a guerra, inclusive em nível mundial, recessão global, “o escândalo da Americanas pode ser só o começo” (Blog O Cafezinho, 23.02.2023).

Cenário dois: Equilíbrio de forças políticas no médio prazo no Brasil. Há impossibilidade de reformas estruturais e de mobilização mais intensa da sociedade. O Centrão mantém força e comando no Congresso nacional, muitas vezes aliado ao neofascismo.

Cenário três, o mais provável: Governo Lula e o campo democrático-popular avançam com dificuldades, com retomada das políticas públicas de participação social, com os Conselhos e Conferências, com soberania e democracia em consolidação, com enfrentamento da fome e da desigualdade.

Neste contexto, de processo vitorioso, mesmo que parcial, do campo democrático-popular, os desafios são muitos e grandes exigências: articulação do campo democrático-popular com unidade; reconstrução de políticas públicas com melhoria da vida do povo; ser mais movimento, menos instituição; fazer muito trabalho de base e formação na ação; retomada das políticas de educação popular, com o Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas, da PNPS, Política nacional de Participação Social, da PNEP-SUS, Política Nacional de Educação Popular e Saúde, das políticas de Economia Solidária, do Orçamento Participativo nacional.

Disse Gilberto Carvalho: “É tempo de Rede e Rua. Aprender a lidar, mais que a direita neofascista, com as redes sociais e digitais. E estar na rua, com ampla e permanente mobilização social. Sem disputa política e ideológica nas redes sociais e digitais, sem celular e internet, não vai. Sem rua e mobilização, não vai. A Rede e a Rua, juntas, precisam estar combinadas, com a mesma força e intensidade.”

E nas palavras de Manuela D´Ávila, nomeada Coordenadora do GT Discurso contra o Ódio: “Não existe contradição entre redes e ruas. É Redes e Ruas, tudo ao mesmo tempo” (Blog do Nassif, 22.02.2023).

Até os septuagenários serão obrigados a aprender, deixando de ser analfabetos digitais. Assim, serão atraídas as juventudes. Assim, a utopia e o sonho estarão no cotidiano, na construção de ´um outro mundo possível´, urgente e necessário.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko