Rio de Janeiro

CARNAVAL 2023

"Nossa vitória é fruto da parceria da Imperatriz com a comunidade'", diz diretor de carnaval

Em entrevista ao BdF, André Bonatte fala da volta por cima da escola de Ramos após rebaixamento em 2019

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
imperatriz carnaval
Enredo contou a história de Lampião, que foi parar na Sapucaí, após morrer e ser rejeitado no inferno pelo diabo e no céu por São Pedro - Gabriel Monteiro/Riotur

A Imperatriz Leopoldinense é a grande campeã do carnaval 2023 no Rio de Janeiro. A escola de samba de Ramos, na zona norte, levou para a Marquês de Sapucaí a história de Lampião, com o enredo “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”, e conquistou a vitória após 22 anos. É seu nono título no Grupo Especial.

Na avenida, a escola contou a história do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que atuou no sertão nordestino nas décadas de 1920 e 1930. Com base em cordéis do pernambucano José Pacheco, a Imperatriz narra o que acontece depois da morte de Lampião e a briga entre o diabo e São Pedro, já que nenhum dos dois quer receber o cangaceiro. O carnavalesco da Imperatriz, Leandro Vieira, juntou as duas histórias no samba-enredo.

O Brasil de Fato conversou com o diretor de carnaval da Imperatriz, André Bonatte, que falou da “volta por cima” que a escola deu após ter sido rebaixada em 2019 para a Série Ouro, conhecida antes como Grupo de Acesso, da reconexão com a comunidade e explicou a escolha do enredo deste ano.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Brasil de Fato: Qual é a sensação de ver a Imperatriz se tornar campeã poucos anos depois de ter sido rebaixada em 2019?

André Bonatte: Você sair de uma queda e em três carnavais estar no topo novamente é muito gratificante no sentido de você ver um trabalho que foi construído. Acho que 2023 é um reflexo da Imperatriz que caiu em 2019, que se reconstrói em 2020 e em 2022 se consolida nesse processo de carnaval. Então eu penso isso, a escola conseguiu se reconstruir em 2020, conseguiu se consolidar em 2022 e ir para o topo em 2023.

Como esse processo foi possível?

O processo de construção do carnaval de qualquer escola é trabalhado em dois polos: um é o do profissional do carnaval que trabalha no barracão, são as milhares de pessoas dessa economia criativa que movimenta a economia do estado, essas pessoas que dependem do mercado de trabalho no carnaval. E que se soma a um outro polo, que é a quadra de ensaios, lá a gente constrói o samba, a harmonia, a evolução, ou seja, nós temos lá os chamados quesitos de chão. Unir esses dois elementos é o grande trabalho que a gente tem. Então, talvez o maior segredo da escola tenha sido se reconectar com sua comunidade.

Qual é a importância dessa reconexão para a Imperatriz?

A Imperatriz se fechou muito por um tempo e com a queda a gente perguntou: "O que estamos fazendo de errado? Estamos dentro de um dos maiores complexos de favela da América Latina e essa pessoa não está aqui dentro da quadra, o que está acontecendo?". 

Por meio dos projetos sociais da Imperatriz, principalmente na época da pandemia, a gente foi se reconectando com a comunidade e essa vitória em 2023 é um fruto que a gente está colhendo dessa parceria e da comunidade se entender como proprietária dessa escola.

E a importância do título de campeã da Imperatriz para o Complexo do Alemão?

Todas as escolas, de certa forma, têm uma identidade com sua comunidade e a gente vive em uma comunidade que é muito esquecida culturalmente. Na Leopoldina, você não tem um teatro, não tem cinema, qual é a área de lazer que tem? Para muita gente, a Imperatriz é a maior referência de cultura daquele espaço. Penso que a gente tem que se entender sempre no mesmo andar. Entendo que uma estrutura de trabalho tenha hierarquia, mas é todo mundo igual sempre. Quando um componente de uma ala de comunidade está desfilando ali de forma gratuita, chega na quadra e vai tomar um refrigerante no bar e encontra com a presidente tomando o mesmo refrigerante, é isso que é importante.

Como vocês decidiram que o enredo seria sobre a história de Lampião?

O que o artista precisa, na essência, é liberdade. Se você coloca o artista dentro de uma caixa, ferrou. Quando o Leandro veio pra cá, a primeira coisa que a gente garantiu é que ele ia ter a liberdade de construção. Nem a presidente, nem eu, nem a direção, ninguém sabia qual era o enredo ou o que passava pela cabeça dele.

Quando ele trouxe essa proposta, simplesmente aceitamos e acreditamos nela. O devaneio, porque é um delírio você imaginar que a pessoa vai para o inferno, vai para o céu e fica nesse imaginário coletivo do que é a arte nordestina, é um enredo do Leandro. Mas se buscar na história da Imperatriz vai encontrar vários elementos que já trataram um pouco disso.

Qual é a relação entre a Imperatriz, o Carnaval e a arte?

A gente tende a diminuir a arte produzida pelo Carnaval. A Imperatriz teve um dos maiores carnavalescos da história, o Arlindo Rodrigues, e ele sempre falava que o que se produz no carnaval não fica atrás daquilo que você tem no Louvre, do que você tem nos maiores museus do mundo. O que se produz aqui em termos de cultura é muito rico. O que o passista produz com os passos dele numa avenida, o que isso fica devendo para o balé russo em termos de cultura e arte? O que uma porta-bandeira, um mestre-sala produz na sua dança, o que isso fica devendo? Todos esses artistas, ritmistas, passistas, pintores, escultores, eles produzem uma arte de uma potência muito grande e a gente tem sempre que valorizar.

Edição: Eduardo Miranda