Pernambuco

IRREGULARIDADES

MPF recebe denúncia de fraude em programa de Crédito Habitacional em Pernambuco

BdF teve acesso ao documento que aponta inconsistências na execução do serviço e contratação de mão de obra fraudulenta

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O programa de Crédito Rural concede até R$ 34 mil para construção e reforma de casas para os beneficiários da reforma agrária - Divulgação/CNM

Nesta quinta, o Ministério Público Federal (MPF) recebeu uma denúncia feita anonimamente por associados da Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene), sediada no Recife (PE), afirmando que a presidência da entidade vem utilizando recursos públicos para a compra de material superfaturado, fraude em licitações e contratação de mão-de-obra fraudulenta, visando o enriquecimento ilícito. 

De acordo com o documento protocolado no Ministério, ao qual o Brasil de Fato Pernambuco teve acesso com exclusividade, a associação possui uma série de irregularidades na execução do programa de Crédito Habitacional, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para a construção de moradias de alvenaria em assentamentos da reforma agrária em vários estados do Nordeste. 

Em junho de 2021, o MPF iniciou a investigação de uma denúncia de assédio cometido por um superintendente do Incra durante a assinatura de contrato de crédito habitacional e reforma habitacional junto aos assentados no estado do Rio de Janeiro. 

Nesse caso, a Assocene tinha um acordo de cooperação técnica com Incra, que tentou coagir os beneficiários a aceitar um único modelo de moradia sem apresentar os documentos do custo da obra, do plano ou mesmo o modelo da planta, o que vai contra a Instrução Normativa 101 do órgão, que determina como o programa deve ser executado.

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A Assocene é uma das entidades parceiras aptas a realizar o programa, contudo a acusação recente é de que os convênios seriam executados pela Habitat Construtora E Incorporadora LTDA., empresa supostamente ligada a um amigo do presidente da associação.

Para além da terceirização da execução do Crédito Habitacional para uma empresa não habilitada a realizar o programa, os associados afirmam que várias casas nunca chegaram a ser construídas. As que tiveram a construção finalizada, segundo a denúncia, apresentam uma qualidade de construção inferior aos valores que deveriam ser empregados. 

Um ex-funcionário da associação, que preferiu não se identificar, afirma que as documentações que comprovariam as fraudes ficam restritas a cargos de confiança: “ele concentra os documentos entre as pessoas que são de confiança deles. Nós não conseguimos levantar os números, mas tem famílias que pagaram todas as parcelas, algumas que tiveram todas as parcelas repassadas, não tiveram as casas construídas e nem sabem se vão ter”, diz.

Como funciona o Crédito Habitacional 

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publica no Diário Oficial da União (DOU) uma norma de execução para a concessão de crédito voltada para construção e reforma de casas para os beneficiários da reforma agrária. O programa prevê o Crédito Habitacional e a Reforma Habitacional.

No primeiro caso são recursos de até R$ 34 mil em até três parcelas para comprar materiais e pagar a mão de obra e serviços necessários para a construção de residências para famílias enquadradas como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Já para as reformas, o valor é de R$ 17 mil. 

Um dos associados, que preferiu ter sua identidade preservada, aponta os problemas na construção das residências e na contratação de profissionais: "Fazem, mas não fazem com qualidade… desde materiais, desde o trato relacionado aos direitos trabalhistas, alguns técnicos não recebem o que deveriam pelos serviços prestados. Uma entidade que deveria ser ligada ao associativismo tem um perfil voltado a uma empresa privada”, afirma.

Além disso, ele aponta que a associação tem em seu quadro alguns funcionários-fantasma. Uma delas seria Andréa Caroline Hartmann, que consta no próprio site da entidade como membro da Coordenação de Execução de Projetos (COEXE), tendo um salário mensal de de cerca de R$ 5.000,00, mas que não desempenha qualquer função na entidade.


Denúncia de associados acusa a Assocene de ter funcionários fantasma / Divulgação

“Ele criou um clã que ele bota dentro da entidade em cargos estratégicos, para ajudar a conduzir e aqueles que discordam da forma como ele opera acabam sendo excluídas do quadro da Assocene”, pontua o associado.

A denúncia também aponta que o patrimônio e o padrão de vida da família do presidente da Associação é incompatível com os salários recebidos, com imóveis em condomínios de alto padrão como o Alphaville Moreno e no endereço declarado pelo próprio presidente como sua residência no no Haras Bonanza Residence, localizado na BR-232, S/N, KM 36. 

Por fim, os associados denunciam que a Assocene teria sido vendida e estaria integrando a Supranor, já que a sede da Assocene passa há anos por uma reforma por tempo indeterminado e desde então todo o corpo administrativo foi transferido para um endereço ligado à empresa no bairro da Madalena, no Recife e em salas comerciais no mesmo endereço atribuído à Habitat Construtora E Incorporadora, na Ilha do Leite, na área central da capital pernambucana.

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A mudança de endereço seria parte do processo de transição de gestor da empresa, que se concluiria com a renúncia conjunta da direção executiva sem que a movimentação seja de conhecimento das entidades associadas à ASSOCENE e dos próprios associados, já que tecnicamente a eleição de presidente da entidade deve ser feita com a participação destes.

A equipe do Brasil de Fato Pernambuco tentou contato com a Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene), questionando a relação da empresa com a Habitat Construtora E Incorporadora; quantas casas do programa de Crédito Habitacional foram entregues até o momento e quantas estão em construção; se Andréa Caroline Hartmann faz parte do quadro de funcionários da entidade e quais os mecanismos de transparência e fiscalização da entidade. A Assocene informou que encaminhou os questionamentos para apreciação da Diretoria, mas afirma que “desconhece as alegadas denúncias”.

A reportagem também tentou contato com a superintendência do Incra para saber se o instituto faz algum tipo de fiscalização da execução do Crédito Rural, mas não obteve respostas até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

Após contato com o Ministério Público Federal (MPF), o órgão informou em nota que "após finalizada pesquisa detalhada por nossos setores processuais, informamos que - diferente do divulgado em matéria no último dia 26, no portal Brasil de Fato - o MPF em Pernambuco não recebeu, nos últimos meses, qualquer representação/denúncia relativa à Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene)".  

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Edição: Vanessa Gonzaga