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Coluna

Daniel Alves e os dois pesos e duas medidas do futebol

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Daniel Alves está preso em Barcelona desde o dia 20 de janeiro por crime de violência sexual - Lucas Figueiredo / CBF
Houve muito mais revolta no mundo do futebol quando Tite convocou Daniel Alves para a Copa do Mundo

*Luiz Ferreira

Lateral da Seleção Brasileira em três Copas do Mundo e um dos jogadores mais vitoriosos da história do futebol, Daniel Alves está preso em Barcelona, na Espanha, desde o dia 20 de janeiro acusado de estuprar uma mulher de 23 anos numa casa noturna no dia 30 de dezembro do ano passado. Embora ele negue as acusações, todas as provas divulgadas pelos investigadores incriminam o jogador de 39 anos.

Eu não quero entrar nos detalhes desse caso. Mas saibam que a mulher que sofreu o estupro e denunciou Daniel Alves para a justiça espanhola apresentou exames que comprovam a violência sofrida, não quis se identificar, não procurou a imprensa e tampouco pediu indenização. Apenas exigiu que o brasileiro fosse punido. Além disso, as gravações do circuito interno da discoteca onde ocorreu o crime batem perfeitamente com o depoimento da jovem às autoridades.

Não chega a surpreender, mas causa espécie o fato de que o mundo do futebol (salvo raríssimas e meritórias exceções) ainda não se manifestou sobre o caso envolvendo Daniel Alves. Apenas Xavi Hernández (técnico do Barcelona e antigo companheiro de equipe do brasileiro) se manifestou com uma certa hesitação, quase sem acreditar no que aconteceu. De resto, silêncio. Um silêncio quase ensurdecedor, diga-se de passagem. Logicamente, há aqueles que preferem culpar a vítima mesmo se esquecendo que as provas apresentadas até o momento não permitem defesa alguma do brasileiro.

Com toda a sinceridade que existe no meu ser, houve muito mais revolta no mundo do futebol quando Tite convocou Daniel Alves para a Copa do Mundo do Catar do que nesse momento. E talvez o único momento de “união” em torno de um único objetivo aconteceu quando boa parte do elenco da Seleção Brasileira se uniu a jogadores que participaram do pentacampeonato mundial em 2002 para bajularem a si mesmos e rebaterem as críticas de comentaristas como Walter Casagrande, Neto e qualquer outro que pensasse diferente deles. Mas nada além disso.

O mundo do futebol permanece caladinho como se nada tivesse acontecido naquele dia 30 de dezembro.

Sejamos francos, meus amigos. O meio do futebol ainda é muito hostil para quem não bajula e para quem pensa diferente dos “cardeais”. O uso de dois pesos e duas medidas em casos como o de Daniel Alves é recorrente. Lembrem-se de que Robinho ainda posa para fotos com antigos companheiros de Santos, Real Madrid e Seleção Brasileira mesmo depois de ter sido condenado por violência sexual na Itália em três instâncias. E lembrem-se também de que Cuca esteve envolvido até o pescoço num caso de estupro coletivo na Suíça nos anos 1980 e até hoje é tratado como se fosse a última bolacha do pacote e um “exemplo” de conduta.

Como bem lembrou Patrick Simão (do excelente Além da Arena), Tite justificou a convocação de Daniel Alves para a Copa do Mundo argumentando que o jogador possuía uma “importância mental” grande para o elenco. Vocês se lembram bem da crítica que este que escreve fez sobre a falta de psicólogos na Seleção Brasileira nos últimos dois mundiais. Menos de dois meses depois da eliminação da equipe diante da Croácia, Daniel Alves, a tal “referência psicológica” do escrete comandado por Tite, foi preso por violência sexual.

Até o momento nenhum companheiro de equipe, nenhum membro de comissão técnica da Seleção Brasileira se manifestou sobre o caso. E que fique bem claro que todos eles podem se se posicionar contra críticas que considerem injustas dirigidas a eles.

Democracia é isso.

Mas se todos eles se calam, passam pano ou não mostram indignação diante de um crime de violência sexual, ficamos com a certeza de que há dois pesos e duas medidas mesmo em situações pesadas como essas. O buraco é muito mais profundo do que a gente pensa. E o silêncio continua.

O caso envolvendo Daniel Alves e o processo por violência sexual precisa abrir os nossos olhos. Precisa causar reflexões profundas no proceder daqueles que comandam clubes e que chefiam redações em todo o país. Muitos falam nas diferentes formas de se “matar o futebol”, mas poucos se lembram que o ambiente é tóxico, hostil e completamente machista e misógino.

Me respondam como entidades e imprensa querem que o futebol se torne um ambiente harmonioso e acolhedor se ainda há quem veja nesse caso e em outros citados anteriormente uma tentativa de se “acabar com a carreira e a reputação de um jogador vitorioso”. Não dá.

Os dois pesos e duas medidas, no entanto, podem significar duas coisas. Ou estamos falando da política de Maquiavel (aos amigos os favores, e aos inimigos a lei) ou estamos diante da maior reunião de telhados de vidro da história da humanidade.

Eu gostaria muito de ver o posicionamento dos jogadores. 

De vê-los se revoltando contra contra o crime cometido por Daniel Alves e lamentando a atitude terrível daquele que deveria ser referência dentro de campo pela idade e pelos títulos conquistados ao longo de tanto tempo. Lá no fundo, ainda torço para que alguns deles coloquem a mão na consciência e percebam que não estão acima do bem e do mal e que são reles mortais como eu e você.

Espero que alguns colegas de imprensa também observem aquilo que escrevem e falam nos veículos de comunicação e percebam que a política dos dois pesos e duas medidas só aumenta o problema de misoginia e machismo que ainda existe no nosso futebol.

Ou transformamos o esporte como um todo e abrimos as nossas mentes, ou vamos ver a morte lenta e dolorosa daquilo que desperta nossas paixões desde os tempos de Fergus Suter e Charles Miller.
 

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse