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"Era melhor ter ido ver o filme do Pelé"

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Maior jogador de todos os tempos, Pelé faleceu nesta quinta-feira (29), aos 82 anos - Jorge Bispo / CBF
É praticamente impossível mensurar o tamanho de Pelé no esporte mundial

*Luiz Ferreira

Acho que vou entregar a idade com essa. Mas quem não se lembra do Chaves (personagem imortalizado por Roberto Gómez Bolaños) soltando essa pérola alto e bom som dentro de uma sessão de cinema num dos episódios mais engraçados do seriado que marcou a nossa infância?

“Era melhor ter ido ver o filme do Pelé!”

Essa frase do Chaves no meio da confusão envolvendo Seu Madruga, Kiko, Seu Barriga e outros personagens da série fez com que muitas crianças começassem a se perguntar o óbvio. Quem era esse Pelé? Só sabíamos que ele era brasileiro e tinha jogado pela Seleção. Mas o que ele fez para ser citado num seriado mexicano?

Sou de 1981. Só vi Pelé jogando em partidas festivas, nos vídeos que foram sendo publicados no YouTube e nas demais redes sociais, nos livros e nos relatos de parentes e amigos mais velhos que eu. E o que mais me impressionava era o brilho nos olhos que um cara chamado Edson Arantes do Nascimento causava nas pessoas que falavam dele.

Não era um brilho qualquer. Era algo diferente. Algo realmente majestoso. Algo único. Algo que ninguém explica. Algo que me deixa com uma dose cavalar de inveja de todos aqueles que estiveram no Maracanã, na Vila Belmiro, no Morumbi, no Azteca, em Wembley ou no Estádio da Luz acompanhando os passos daquele que foi eleito o “Rei”.

Da frase do Chaves no cinema para os livros foi um pulo. Depois de devorar toda a literatura que aparecia na minha frente, perturbei a vida dos meus pais para que alugassem o tal “filme do Pelé”. Eu tinha que ver o que esse cara fez em campo.

E foi a partir daí que eu entendi o tal brilho nos olhos.

É praticamente impossível mensurar o tamanho de Pelé no esporte mundial. E com toda a sinceridade que eu acumulei nesses meus 41 anos, acho que ainda vai demorar um tempo pra gente assimilar tantos feitos, tantas conquistas e tantos gols. Enquanto se falava em Messi, Cristiano Ronaldo e na quantidade de recordes que essas duas lendas do velho e rude esporte bretão quebraram, a majestade de Pelé se mantinha intacta e praticamente inatingível. São 1283 gols marcados, três Copas do Mundo e uma quantidade absurda de títulos, honrarias e premiações.

“Era melhor ter ido ver o filme do Pelé” se transformou numa espécie de mantra em qualquer situação mais chata ou complicada da vida. Talvez um dos primeiros memes da história.

Pelé parou guerras, desbravou o mundo, fez filmes e se transformou em uma lenda viva do esporte. Ele praticamente se transformou em sinônimo de futebol. Pelé é o futebol. É o gol. É a bola que entra no ângulo. É o drible. É a ginga. É o que todo jogador de futebol gostaria de ser.

E tudo isso sendo humano como eu e você. Errando, falhando e deixando pontas soltas em alguns assuntos da sua vida pessoal. Não dá para separar o Edson Arantes do Nascimento do Pelé. Mas é possível, sim, se assombrar com o fato de que ele é um mortal como eu e você somos. Mesmo que seus feitos o elevem ao nível de uma espécie de entidade cósmica.

Dos mais velhos aos mais jovens, dos amantes do esporte até seus detratores, todos sabem quem foi Pelé, o que ele fez e o que ele representa para o Brasil e para o mundo. E tudo isso jogando bola e mostrando que esse negócio chamado futebol pode, sim, unir o planeta em torno de um objetivo em comum.

Em quem você pensa quando se fala em camisa 10? Em Pelé.

Em quem você pensa quando se fala no maior jogador de todos os tempos? Em Pelé.

Em quem você pensa quando se fala no “Atleta do Século”? Em Pelé.

Em quem você pensa quando se fala num dos poucos jogadores do mundo a atingir a marca de mil gols? Em Pelé, claro.

Notem bem o impacto que um homem preto nascido na cidade de Três Corações (em Minas Gerais) teve no mundo todo com a sua partida para o andar de cima. Agora, imaginem a alegria de Maradona, Di Stéfano, Eusébio, Garrincha, Puskás, Cruijff e outras lendas nos “campos celestes do futebol” ao receber Pelé para mais uma partida.

Pensem na possibilidade de Pelé reencontrar alguns dos seus companheiros de Seleção Brasileira e do histórico Santos dos anos 1960 no paraíso da bola para mais uma resenha sobre aqueles tempos em que se “amarrava cachorro com linguiça”. Tempos em que o futebol era mais romântico e muito menos badalado do que é hoje.

Pensem num reencontro de Pelé com Dondinho, seu pai e grande incentivador.

O sentimento da notícia da partida do “Rei do Futebol” é semelhante ao que tive quando o “filme do Pelé” terminou. Eu olhava para minha TV antiga desejando só mais um minuto, mais um lance, mais um golaço de placa, mais um drible, mais um momento para apreciar aquele que sempre será o maior de todos os tempos.

No fundo, todo mundo desejava que Pelé se levantasse da cama e nos brindasse com seu sorriso e simpatia. Por mais que algumas de suas escolhas não tenham sido as melhores em vida, a lenda, o jogador, o “Atleta do Século” serão referências para todos aqueles que pensem em praticar o velho e rude esporte bretão algum dia.

“Era melhor ter ido ver o filme do Pelé!”

Amigo, sempre será melhor ver o filme do Pelé.

Obrigado por tudo, Vossa Majestade.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Eduardo Miranda