Ceará

SUSTENTABILIDADE

Fortaleza utiliza tecnologia sustentável para melhoria do saneamento urbano

Conhecida como wetlands, a tecnologia usa plantas aquáticas como alternativa para filtrar e purificar recursos hídricos

Brasil de Fato | Fortaleza, CE |
No Parque Raquel de Queiroz, nove microlagoas foram instaladas para compor um sistema inovador de purificação e filtragem chamado Wetlands (terra molhada). - Foto: Gustavo de Paula

“Nem parece aquele terreno cheio de lixo e perigoso que tinha aqui.” A sensação de José da Silva Mota é a mesma de quem vai ao Parque Rachel de Queiroz, pela primeira vez. Morador do bairro Presidente Kennedy há 35 anos, o aposentado via, ano após ano, o espaço há duas quadras de casa, ser tomado por lixo, mosquito e escuridão. “Foram muitos anos de luta para conseguir esse espaço, um lugar pra gente caminhar, passear com a família. É uma conquista dos moradores,” disse seu José, enquanto dava uma volta com o cachorro da família.


A requalificação do Parque Rachel de Queiroz está proporcionando maior qualidade de vida para os moradores do Presidente Kennedy e adjacências. / Foto: Yago Albuquerque

A primeira parte da requalificação do Parque Rachel de Queiroz foi entregue pela Prefeitura de Fortaleza em fevereiro deste ano, no bairro Presidente Kennedy (SER III), zona oeste da cidade. De acordo com a gestão municipal, a primeira etapa inaugurada corresponde aos trechos 1, 2, 5 e 6 do projeto que tem 10 quilômetros de extensão e beneficia pelo menos, 300 mil pessoas em 14 bairros, o que o coloca como segundo maior parque urbano de Fortaleza, atrás apenas do Parque do Cocó. Desde que o parque foi entregue, o estudante João Albuquerque criou um novo hábito: "eu venho ler toda semana no Parque, pelo menos umas três vezes. Foi um hábito que adquiri depois da inauguração. É bom ficar perto da natureza, aqui é ventilado e sossegado, principalmente perto das lagoas.”

O que João não sabia é que, além de melhorar o clima, as nove microlagoas instaladas dentro do parque fazem parte de um sistema inovador e sustentável chamado wetlands, que em português pode ser traduzido como terra molhada. O projeto funciona como uma estação de tratamento biológico do solo e da água, utilizando plantas aquáticas como filtros para drenar e purificar os recursos hídricos provenientes da drenagem natural ou da chuva. A técnica chamada de  fitorremediação é utilizada em diversos países como parte do tratamento de esgotos e para a recuperação de rios degradados. Uma alternativa ecológica de baixo custo, fácil operação e com eficácia comprovada por especialistas. “É um tratamento biológico utilizado em vários países do mundo e as pesquisas e artigos científicos mostram que funciona muito bem. As plantas promovem uma limpeza, absorvendo nutrientes e devolvendo para o ambiente uma água clarificada e menos poluída. Como a técnica utiliza recursos biológicos, o sistema vem sendo cada vez mais implantado em áreas urbanas, trazendo ganhos paisagísticos”, explica o biólogo e professor Francisco José Freire de Araújo, doutor em saneamento ambiental pela Universidade Federal do Ceará (UFC).


As wetlands são uma alternativa ecológica de baixo custo, fácil operação e com eficácia comprovada por especialistas. / Gustavo de Paula

No Parque Rachel de Queiroz, aguapés nativas dos tipos baronesa e flor estrela miúda, e a taboa, uma planta da família das gramíneas, são as espécies mais utilizadas nas microlagoas para purificar as águas do Riacho Alagadiço e das galerias fluviais dos condomínios localizados no entorno do parque. O coordenador de políticas ambientais da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), Gustavo Rocha, explica que três sistemas de wetlands interdependentes funcionam no Parque: “são três lagoas funcionando como receptoras dos recursos hídricos e as outras seis atuam como um sistema de estabilização. Em todas, as plantas aquáticas fazem o trabalho de fitorremediação, ou seja, a purificação da água ocorre enquanto as plantas se alimentam do material orgânico que vem das águas”. O sistema também atua na prevenção de alagamentos, já que as wetlands aumentaram a capacidade de armazenamento de água do Riacho no trecho do Parque. “Além de melhorar a qualidade hídrica, as wetlands funcionam como piscinas de amortecimento de enchentes. Foi o primeiro ano teste do sistema e não tivemos alagamento, historicamente comum nessa área da cidade”, lembra Gustavo.

A manutenção do sistema é realizada pela Seger (Secretaria Municipal da Gestão Regional), por meio da Coordenadoria de Limpeza Pública. Em nota, a assessoria de comunicação do órgão informou que as microlagoas recebem ações de limpeza a cada dois meses para retirada da vegetação e do descarte irregular de resíduos em seu leito. A gestão municipal ressalta, inclusive, a necessidade de engajamento da população nos cuidados com o espaço, evitando o descarte em locais inadequados. Por meio do Plano de Educação Ambiental e Sanitária (Peas), iniciativa do Programa Fortaleza Cidade Sustentável, a Seuma realiza diversas iniciativas com os moradores no entorno do Parque para conscientizar sobre a geração de lixo e o descarte correto de resíduos.

Por se tratar de uma tecnologia nova para o município, no primeiro ano de implantação, o sistema ainda está em fase de estudo pela gestão municipal. Mas segundo o coordenador de políticas ambientais da Seuma, a Prefeitura está instalando pontos de monitoramento da qualidade da água para testar a eficiência do sistema. "Até o final do ano que vem devemos ter os primeiros resultados, mas visualmente a própria coloração da água indica o funcionamento do sistema. Quanto mais clara a água, mais limpa ela está", explica.

Uso e ocupação do espaço público

Além das melhorias ambientais, com a recuperação dos efluentes, e um projeto de paisagismo que contou com um plantio de mais de 2.400 espécies, o Parque Rachel de Queiroz ganhou um calçadão para caminhadas, ciclofaixa bidirecional, bicicletários e diversos equipamentos para o lazer e a prática de esportes, como quadras, Areninha, academia de ginástica e outras áreas de convivência. Espaços bem utilizados pela dona de casa Áurea da Costa Lima que sempre pratica atividades físicas no Parque. "Aqui é uma benção. Faço aula de ginástica, amizades, me divirto, converso. É um lazer perto de casa de dia e de noite".


Áurea da Costa Lima mora próximo ao Parque e é frequentadora assídua. adora fazer exercícios físicos ao ar livre e conversar com as amigas. / Foto: Yago Albuquerque

Já a dona de casa Conceição Ribeiro viu no novo espaço uma oportunidade de renda para ela e a filha. Ela com a venda de kits para pintura de gessos, uma febre entre as crianças pequenas. Já a  filha trabalha do outro lado do parque vendendo bijuterias. "Eu moro aqui desde a década de 1980 e fiz parte da luta para conseguir revitalizar essa área. Eu estava desempregada e cheguei aqui antes do Parque ser inaugurado oficialmente. Depois me inscrevi na Regional e consegui autorização para usar o espaço. Eu estava desempregada e agora trabalho com crianças em um parque lindo como esse, uma conquista nossa. É uma alegria, é outra vida", comemora.


Conceição Ribeiro afirma que o Parque é uma conquista dos moradores da região. Também se tornou uma oportunidade de trabalho para ela e para a filha. / Foto: Yago Albuquerque

Atualmente, Fortaleza dispõe de 24 parques urbanos e 2 microparques urbanos. De acordo com a titular da Seuma, Luciana Lobo, a previsão da gestão é implantar mais 30 micro parques até 2024. “Iremos ampliar a oferta de espaços de interação com o meio ambiente, lazer, convivência, entretenimento e crescimento saudável para os moradores da nossa Fortaleza, em diferentes pontos da cidade. A previsão de entrega dos 10 primeiros é em maio de 2023, em seguida 10 em outubro de 2023 e, mais 10 microparques em março de 2024”, informou. Já sobre os parques urbanos, a prefeitura está licitando, de forma inédita, planos de manejo para todos os parques urbanos e Unidades de Conservação da nossa cidade. “São documentos que irão guiar a gestão ambiental de cada espaço para o seu melhor uso e exploração de suas potencialidades”, acredita a secretária.

Fortaleza Cidade Sustentável

Desde 2013, a Prefeitura de Fortaleza implementa ações visando o desenvolvimento urbano e ambiental da cidade, mas a lei que criou a política de meio ambiente do município só foi aprovada em 2017. 

A requalificação do Parque Rachel de Queiroz faz parte do Programa Fortaleza Cidade Sustentável. A iniciativa é resultado de um financiamento inédito do Banco Mundial no valor de US$ 150 milhões, destinados a projetos voltados especialmente para a integração da comunidade com o meio ambiente na capital, valorizando esporte, cultura e lazer.


Várias são as possibilidades de ocupação do espaço público no parque Rachel de Queiroz. / Foto: Yago Albuquerque

Além do Parque Rachel de Queiroz, o Programa também financia projetos como os microparques urbanos e o “se liga na rede”, que promove a ligação de esgoto às residências, impedindo a contaminação da orla marítima situada na região oeste da Cidade. “Estes investimentos corroboram com a Política Municipal do Meio Ambiente de Fortaleza, que traz como principais metas e objetivos a manutenção do sistema de áreas verdes do município e o aumento da cobertura vegetal, além de buscar estruturar a rede de sistema natural de Fortaleza, que contempla riachos, lagoas e rios e seus entornos, promovendo integração com a Política de Mobilidade Urbana Sustentável”, explica Luciana Lobo.

Saiba mais

A ordem de serviço para a fase 2 da requalificação do Parque Rachel de Queiroz já foi dada. As obras serão realizadas nos trechos 3 e 4 que correspondem ao Bosque do Bem, no bairro São Gerardo, e o Polo de Lazer da Sargento Hermínio,com previsão de conclusão em outubro 2023.


 

Edição: Camila Garcia