Minas Gerais

Coluna

Desinformação faz mal à saúde e à democracia

Imagem de perfil do Colunistaesd
Bolsonaro fez tudo o que estava ao seu alcance para atrasar a compra das vacinas e desacreditá-las - Reprodução de vídeo
O bolsonarismo abriu caminho para os interesses de grandes corporações

Nos momentos mais agudos da pandemia da Covid-19, Jair Bolsonaro atuou como um ativista contra as orientações da ciência, como o distanciamento social e o uso de máscaras. Posteriormente, fez tudo o que estava ao seu alcance para atrasar a compra das vacinas, e, uma vez adquiridas, atuou metodicamente para desacreditar a sua eficácia. 

Com a tragédia em curso, Bolsonaro pronunciava declarações que aprofundavam o desalento e a angústia dos milhões de brasileiros que estavam expostos ao vírus e viam amigos e familiares serem tragados pela moléstia: "E daí?", "é só uma gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas"; “vão ficar chorando até quando?”. 

Além de debochar da morte por asfixia de quase 700 mil pessoas, Bolsonaro segue trabalhando sistematicamente para ampliar a distribuição de armas, normalizar a pedofilia, depreciar as populações do nordeste brasileiro, ofender e rebaixar a dignidade das mulheres e difundir o ódio racial contra pretos e pardos.  

Como compreender que milhões de pessoas ainda se convençam de que ele é portador de princípios cristãos, como a fraternidade e a solidariedade?

Uma explicação que aos poucos vai ganhando consistência é a de que não é esse o Bolsonaro que chega para boa parte das pessoas. Ou, quando tais informações alcançam esse público, elas são sistematicamente desacreditadas por meio de uma distribuição coordenada, sistemática e altamente capilarizadas de relatos que constroem uma narrativa alternativa da realidade. 

Definitivamente, é preciso compreender o fenômeno que chamamos de fake news como uma arma política que possui uma escala industrial, dotada de alta racionalidade, e não como algo espontâneo e descoordenado. Apesar de ainda estarmos em meio a um nevoeiro e com pouca visibilidade, 4 aprendizados vão se formando: 

1) O bombardeio de fake news que atinge as pessoas diariamente não deve ser compreendido como algo aleatório, e, ao que tudo indica, possui articulação nacional e internacional. Ou seja, por trás da galáxia de absurdos que são disseminadas para milhões de pessoas em uma fração de minutos, existe muita inteligência sistematizada, coordenada e portadora de uma sofisticada tecnologia, a qual o uso de robôs e algoritmos podem ser apenas a ponta do iceberg. Pensando assim, o problema não é aquele vídeo produzido no quintal de uma casa, num posto de gasolina, mas a sua capacidade artificial de difusão com vista a criar um pânico moral com fins políticos.  

2) Para construir e sustentar realidades paralelas, o programa de fake news da qual se vale Bolsonaro precisa manter uma estrutura absurdamente cara e profundamente corrupta. Considerando apenas os dados extraídos do Google, entre os dias 19, 20 e 21 de outubro a campanha de Jair Bolsonaro gastou mais dinheiro do que em todo período eleitoral anterior. Nesses três dias foram gastos R$ 6,51 milhões de reais em anúncios pagos na plataforma. É uma fornalha artificialmente aquecida a um custo financeiro elevadíssimo, que precisar ser mantido por um período indefinido de tempo.

3) As chamadas bolhas sociais são criações das modernas estruturas do poder privado de comunicação como o google, o Youtube, e as redes sociais como o Whatzapp, o Instagram e o Facebook. Sob condições completamente novas, essas mídias fragmentam a realidade, invisibilizam fatos, direcionam um conteúdo específico para cada público, e produzem um completo isolamento das informações adversárias. Nesse processo, é central o uso de celulares: para cada público ou segmento social um tipo de (des)informação especializada. 

4) Segundo estudiosos da difusão de fake news, o seu poder de convencimento se vale de estratégias como a “produção de teorias conspiratórias”, do uso de “falsos experts” sobre os mais variados assuntos, da “seletividade” e do “recorte” de informações. O objetivo central consiste em deturpar ou criar falácias sobre pessoas, instituições ou temas, trabalhando sempre com o sentimento de medo e o estímulo da revolta.

Em termos políticos, o caos criado pelo bolsonarismo viabiliza a formação de uma ordem radicalmente opressiva: misógina, patriarcal, racista e elitista, abrindo caminho para os interesses de grandes corporações junto ao Estado. A título de exemplo, o caso da compra superfatura de vacinas e os esforços do governo em fragilizar o Plano Nacional de Imunização do SUS, tinham como meta favorecer os interesses de mercado e não o acesso universal à saúde. Ou seja, não se trata de pura irracionalidade. 

É pelos interesses políticos que essa estrutura de desinformação veicula que vão se afirmando consequências perversas para a saúde e a democracia, viabilizando a competitividade política de um projeto anti-SUS e anti-direitos humanos. É ante essa máquina de moer gente que a esperança de milhões de brasileiras e brasileiros vem se impondo. É uma demonstração de resistência construída na experiência cotidiana, que compreende que Bolsonaro zombou da vida das pessoas, que lhes negou o direito de trabalhar, de ter acesso ao seu direito a saúde. 

Mesmo após as eleições, estaremos sendo desafiados a compreender como funciona essa fábrica de comunicação da extrema direita mundial, que está sendo replicada à exaustão nesse segundo turno da campanha de Jair Bolsonaro. Sem essa influência, artificialmente construída no julgamento público, é plausível supor que o bolsonarismo pode se tornar bastante fragilizado.

 

Ronaldo Teodoro é cientista político e professor do Instituto de Medicina Social/UERJ

---

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Wallace Oliveira