Rio de Janeiro

Fé e política

Opinião: “Não queremos ser como os filhos de Eli, queremos liberdade, paz e pão na mesa” 

O valor cristão da verdade tem que existir na prática, não apenas na repetição de versículo bíblico 

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
A igreja cresceu e foi no governo de Lula que foi sancionada a Lei que garantiu personalidade jurídica às igrejas assegurando uma série de facilidades
A igreja cresceu e foi no governo de Lula que foi sancionada a Lei que garantiu personalidade jurídica às igrejas assegurando uma série de facilidades - Foto: John Moore/ Getty Images/AFP

Um dia, após o culto, na saída da galeria onde fica a igreja, recebi um panfleto. Eu tinha acabado de ouvir uma bela pregação sobre o profeta Samuel escutar o chamado de Deus e ter que se manter diferente no contexto de desrespeito, falta de temor e profanação do sagrado, no qual os filhos de Eli viviam. Vinha pensando sobre isso e peguei o panfleto ainda achando que era algo da igreja. Mas, não, era o óbvio: campanha política, de candidatos apoiados por um pastor midiático (de uma outra denominação).  

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Quando me dei conta achei desconfortável, afinal eu acabava de sair de um momento de reflexão espiritual e ainda estava envolta nele. Particularmente, acho inconveniente a distribuição deste tipo de material na saída das igrejas. Não é ilegal, mas considero imoral. Não poderia, pelo menos, ser mais afastada? 

Entretanto, ser “sem noção” ou até oportunista não é crime. E, vivemos numa democracia. Coloquei o material na bolsa e fui embora. Aproveitaria para ler que tipo de proposta para o povo havia ali. 

No entanto, não para a minha surpresa, como esperado: não havia nenhuma proposta, apenas fake news contra a esquerda. O panfleto dizia sobretudo que “a esquerda odeia valores cristãos” e que “farão leis que vão nos perseguir”. 

A esquerda governou por 14 anos e nunca a igreja foi perseguida, muito pelo contrário.

A igreja cresceu e foi no governo de Lula que foi sancionada a Lei que garantiu personalidade jurídica às igrejas assegurando uma série de facilidades; foi também ele que sancionou a lei que criou o Dia da Marcha para Jesus, que pecaminosamente neste ano teve alegorias de armas e se tornou palanque de politicagem. Foi Dilma que instituiu o Dia do Evangélico. 

Eu fico pensando: com tanto sofrimento social, com nosso povo passando fome, com nosso povo desempregado, sem saúde, sendo despejado de suas casas, com tanta gente morando nas ruas, como pode um panfleto de campanha política não ter absolutamente proposta nenhuma e ter como objetivo uma fake destinada aos evangélicos, contra o campo adversário. 

E como combinar o discurso dos valores cristãos com armas, palavrões, troca de esposas, deboche de gente morrendo, agressão às mulheres, apropriação do dia da independência para fazer o país passar vergonha mundial fazendo piada de cunho sexual, sem contar as coisas mais graves. 

Mas, nós evangélicas e evangélicos não somos tolos, queremos de verdade um governo de concretização da justiça social com esperança.

Também liberdade, paz, alegria, amor, pão na mesa, emprego digno, segurança, saúde, educação, lazer. 

Eles sabem que conhecendo a verdade haverá liberdade, por isso precisam assegurar que a mentira não pare de circular, dando ares de sagrado ao profano. O valor cristão da verdade tem que existir na prática, não apenas na repetição de versículo bíblico. Espalhar mentira e ódio para gerar medo e temor é profanar o sagrado. Não queremos ser como filhos de Eli. 

*Nalu Rosa é evangélica e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). 

Edição: Mariana Pitasse