Rio de Janeiro

Coluna

O prenúncio de uma tragédia

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Na última segunda-feira (12), o lateral-esquerdo Edimar registrou boletim de ocorrência por causa das ameaças de morte - Daniel Ramalho/ AFP
O ocorrido com Edimar do Vasco é o sintoma grave de uma doença que já tomou conta da nossa sociedade

*Luiz Ferreira

Todo mundo sabe que o velho e rude esporte bretão move céus e terras e mexe com as nossas emoções mais profundas. Sempre foi e sempre será assim. No entanto, existem pessoas que não conseguem entender o real sentido do jogo e insistem em transformar o futebol num aterro sanitário onde despejam todas as suas frustrações.

Na última segunda-feira (12), o lateral-esquerdo Edimar registrou boletim de ocorrência por causa das ameaças de morte que ele e sua família vêm recebendo nas redes sociais. As mensagens são fortes (algumas delas falam em “esquartejamento” e assassinato das filhas do jogador) e até fotos de armas foram enviadas para a esposa do camisa 6 do Vasco.

Edimar enviou os prints das mensagens e as fotos do acusado para a delegacia e divulgou nota no seu Instagram informando que o caso será investigado. O Vasco também soltou nota repudiando as ameaças.


O lateral Edimar e sua família receberam ameaças de morte nas redes sociais e promete levar o caso à Justiça / Reprodução / Instagram

Não me venham com a conversa mole de que isso tudo não passa de “provocação de torcedor”. Quem ameaça, quem perde tempo procurando as redes sociais da família de qualquer jogador pra fazer isso não pode ser chamado assim. E merece responder pelo crime cometido. O meu grande medo é que tudo isso está ficando mais e mais frequente.

O que será preciso acontecer para que isso tudo acabe de uma vez? Uma tragédia?

E se a tal “provocação” estiver escondendo um desejo real de esquartejar e estrangular as filhas de um jogador? E se as ameaças se concretizarem de alguma forma? E o por que esses casos são abordados de maneira tão rasa pela imprensa esportiva?

Vivemos num tempo em que as pessoas perderam o medo de ser ignorantes e se orgulham da própria crueldade.

O que acontece no futebol é reflexo daquilo que acontece na nossa sociedade todos os dias. E o que estamos vendo no Vasco, no Corinthians (com a saída de Willian para o futebol inglês depois de receber ameaças nas suas redes sociais), nas “invasões” de Centro de Treinamento e nas brigas de torcida no Rio Grande do Sul, em São Paulo e aqui no Rio de Janeiro é o prenúncio de uma tragédia mais do que anunciada.

Não é difícil entender esse cenário. Acompanhem os principais programas esportivos da TV e notem como a imprensa esportiva alimenta esse clima sem perceber (ou fingindo que não percebe). Falam em “vexame” e “humilhação” nas derrotas, chamam treinadores de “paneleiros” sem entender todo o processo que envolve a formação de um time e se esquecem de que o futebol (ainda que seja absurdamente apaixonante) é “apenas” um esporte e tem que ser tratado como tal. Sem exaltações e sem lacrações de qualquer espécie. Entretenimento é uma coisa. Fanfarronice é outra bem diferente.

Ao mesmo tempo, nossos dirigentes seguem repetindo a velha receita de outros tempos. Sempre que um CT é invadido pela torcida ou que um jogador é ameaçado na rua ou nas redes sociais, eles soltam aquelas notas oficiais repudiando os atos violentos e já voltam as atenções para o próximo jogo, esquecendo-se de que o ocorrido precisa ser combatido na raiz. Processo criminal, banimento do clube (se esse cidadão for sócio) e dos estádios. E eles sabem que já temos tecnologia para identificação dos arruaceiros. Só não tratam o bem-estar dos jogadores como prioridade.

E vamos combinar que “notas de repúdio” não resolvem absolutamente nada.

O ocorrido com Edimar e Willian é o sintoma grave de uma doença que já tomou conta da nossa sociedade e também o prenúncio de que alguma coisa muito grave pode acontecer em breve. Ainda temos tempo para resolver e controlar as coisas.

Mas precisamos agir logo. Vai chegar um momento em que vai ficar impossível jogar futebol no Brasil. Afinal, quem vai querer praticar o velho e rude esporte bretão aqui por estas bandas sabendo que pode receber ameaças quando a fase não for das melhores? Ou pior?

A morte do futebol começa quando tratam ameaças de morte como “algo normal” no esporte. E não falta muito para que alguma coisa realmente grave aconteça e todo mundo se pergunte de onde é que surgiu tanta maldade e tanta crueldade.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse