Rio de Janeiro

Coluna

Sobre racismo, educação e punições no futebol

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A CBF realizou o primeiro Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol no dia 24 de agosto - Lucas Figueiredo / CBF
Os atos racistas acabam sendo encarados como “provocação” quando deveriam ser encarados como crime

*Luiz Ferreira

A CBF realizou o primeiro Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol no dia 24 de agosto na sua sede, localizada na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Um dos pontos levantados nas discussões que contaram com a presença de uma série de personalidades e dirigentes, foi a punição desportiva contra times cujos torcedores apresentarem comportamentos racistas nos estádios.

A proposta foi apresentada pelo presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, que defende a perda de pelo menos um ponto nas competições organizadas pela entidade. A ideia, como já era de esperar, encontrou resistência. Apenas seis dos quarenta clubes que disputam as Séries A e B do Brasileirão se mostraram favoráveis à medida.

É interessante notar que o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) já prevê no seu artigo 243-G a possibilidade de perda de pontos em casos de racismo praticado simultaneamente por um número considerável de pessoas. Em 2014, por exemplo, o Grêmio acabou eliminado da Copa do Brasil por atos racistas dos seus torcedores dirigidos ao goleiro Aranha, então jogador do Santos, ao ser enquadrado nesse artigo do CBJD.

Os clubes contrários à perda de pontos por causa de atos racistas explicam que não podem ser responsabilizados pelas atitudes dos seus torcedores e sustentam que a medida impacta diretamente no trabalho realizado dentro e fora de campo. Ao mesmo tempo, explicam que o CBJD é vago na identificação das “pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva”.

Essa questão não é simples de ser resolvida e ainda vai gerar muita discussão.

Ainda há quem veja no futebol o terreno fácil para descarregar todo tipo de frustração e xingamento. E nesse ponto, os atos racistas acabam sendo encarados como “provocação” quando deveriam ser encarados como crime passível de punição pesada de acordo com a lei.

Nossos clubes têm o dever de educar seus torcedores. São entidades de prática desportiva, mas que influenciam demais no comportamento de cada um de nós e na sociedade como um todo. É compreensível que a grande maioria deles queira se resguardar de punições relativas a atos racistas de seus torcedores, mas fica meio difícil defender essa tese quando vemos vários dirigentes afirmando que o bem mais valioso de um clube é a sua torcida. E isso sem falar no envolvimento no mínimo questionável que alguns deles possuem com determinadas torcidas organizadas.

Ou seja, a justificativa dos clubes só seria aceitável se eles fizessem o papel deles na conscientização dos seus torcedores com relação ao racismo e todo tipo de preconceito. Mas o que todos fazem é "terceirizar" essa tarefa.

O futebol e seu meio ajudam muito a explicar como a sociedade pensa.

E pelo que se vê, questões como essas não são prioridades. Fala-se em divisão das cotas de TV, de premiação e de todo tipo de coisa. Menos em tornar o ambiente menos hostil e menos agressivo. E tudo isso passa pelo combate ao racismo em todas as suas formas. Se aprofundarmos o debate, teremos que discutir também por que temos tão poucos pretos em posições de destaque no futebol, como treinadores, dirigentes e até mesmo diretores de entidades desportivas.

A educação deveria ser a prioridade nesses casos. Conscientizar o torcedor dos seus atos como cidadão, dar meios para que ele consiga rever suas atitudes e mudar seu comportamento também é função dos clubes. Eu não gostaria de ter meu time do coração ligado a pessoas que praticam atos racistas. E acredito que a grande maioria dos torcedores também pensa como eu.

Infelizmente, a tal “paixão” de um pai irresponsável que passa a mão na cabeça de um filho mimado e inconsequente acaba falando mais alto quando o assunto é futebol.

Educar é sim necessário e demanda tempo.

Mas a punição também faz parte do processo. Ainda mais quando aqueles que precisam da educação a recusam terminantemente e preferem se manter presos a conceitos e dogmas completamente mesquinhos e abomináveis.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse