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Coluna

A nova camisa da Seleção Brasileira: tristeza de um eterno torcedor

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Os novos uniformes da Seleção Brasileira foram lançados no dia 7 de agosto - Reprodução / Nike
A camisa da Seleção Brasileira deixou de ser um símbolo de alegria há muito tempo

*Luiz Ferreira

Sempre encarei a camisa da Seleção Brasileira como um símbolo de alegria. Ainda tenho a minha guardada no armário com os quatro escudos estilizados e as quatro estrelas referentes ao tetracampeonato mundial conquistado em 1994, nos Estados Unidos.

Infelizmente, a camisa da Seleção Brasileira se transformou no símbolo do bolsonarismo nesses últimos anos. Estamos falando de gente que se diz “patriota” e afirma pregar a vida, mas que cultua a morte, o assassinato e a crueldade com os mais necessitados e as minorias. Justo a camisa amarelinha que foi trajada por tanta gente boa como Pelé, Didi, Gérson, Marta, Formiga, Cristiane e vários outras lendas do nosso futebol.

Só o fato acima já é suficiente para deixar qualquer amante do velho e rude esporte bretão bem triste. Mas as coisas não pararam por aí.

No último dia 7 de agosto, a Nike lançou os uniformes que vai vestir nossos jogadores e comissão técnica na Copa do Mundo do Catar, que será disputada no final do ano. No site da fornecedora de material da Seleção Brasileira é possível customizar a camisa do escrete canarinho com seu nome, o nome da sua cidade ou um apelido.

Só que a Nike cortou as asinhas de quem desejava usar a camisa do escrete canarinho para manifestações políticas e religiosas. Termos como “Lula”, “Bolsonaro”, “Deus, “Exu”, “Ogum” e “Maomé” não podem ser usados na personificação do uniforme. O grande problema é que até pouco tempo atrás, termos como “Jesus” e “Cristo” ainda eram permitidos. De acordo com a fornecedora de material esportivo, a lista de termos proibidos foi atualizada pouco tempo depois de várias pessoas notarem o problema e postarem críticas nas redes sociais. A Nike também alegou em nota que “não permite customizações com palavras que possam conter cunho religioso, político, racista ou mesmo palavrões”.

Bom, eu sinto muito frustrar as expectativas da fornecedora de material da Seleção Brasileira, mas é um pouco tarde pra isso. E eu tenho certeza de que a “falha” (com aspas mesmo) que permitia a customização do uniforme com termos como “Cristo” e “Jesus” e proibia “Exu” e “Ogum” é um recado direto e reto para todos nós.

A camisa da Seleção Brasileira deixou de ser um símbolo de alegria há muito tempo. Ela teve seu significado completamente deturpado. E eu acho que muita gente se sente como eu. Hoje, pensamos duas, três, 10, 50, 100 vezes antes de usá-la com medo de ser confundido com qualquer defensor do governo que ainda está aí.

Eu cresci vibrando com as conquistas em 1994 e 2002 e acompanhando cada partida do escrete canarinho na TV e no rádio. Ainda o faço mais por força da profissão e pelo torcedor empolgado que se recusa a morrer dentro do meu coração. Mas eu confesso a todos você que está cada vez mais difícil lidar com todos os fatos relatados anteriormente.

“Ah, Luiz. Mas temos que separar a política do esporte! A camisa da Seleção Brasileira não pode ser usada pra isso!”

Diz isso pra galera que fez passeata no meio da pandemia, que negou vacina, que meteu o nome do dito cujo na camisa, foi pra rua defender tratamento precoce que não funciona e que passa um senhor pano nas atrocidades que vemos todos os dias. Tudo vestindo a camisa da Seleção Brasileira.

É por isso que eu digo que é meio tarde pensar em proibição de qualquer termo na camisa do escrete canarinho. Ela já teve seu significado deturpado e completamente distorcido. Se antes ela lembrava alegria e o chamado “futebol-arte”, hoje ela representa tudo de ruim que existe no país.

E eu não consigo mais esconder a tristeza que sinto. Toda vez que olho pra minha camisa de 1994, sinto que aquela alegria ficou para trás e que nós nos metemos num buraco imenso.

Mas entre termos proibidos na simples customização de uma camisa (que custa um rim e metade de um fígado) e o esgoto trajado de verde e amarelo que inundou as ruas, o torcedor que existe dentro de mim ainda tem esperança de que as coisas podem melhorar. Ainda tem esperanças de que Roberto Baggio pode perder mais um pênalti. Como aconteceu há 28 anos.

Porque não há mal e nem jejum de títulos que dure pra sempre. Afinal de contas, os antigos já nos diziam que “o jogo só acaba quando termina”.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse