Rio de Janeiro

Coluna

Tentam destruir o Incra porque odeiam a ideia de reforma agrária

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A bandeira da reforma agrária não surge com o MST, que, diga-se de passagem, vai completar 40 anos em breve - MST
No RJ a situação se aprofunda. Você sabia que não existe Secretaria de Agricultura no estado?

A classe roceira e a classe operária
Ansiosas esperam a Reforma Agrária
Sabendo que ela dará solução
Para situação que está precária.
Saindo projeto do chão brasileiro
De cada roceiro ganhar sua área
Sei que miséria ninguém viveria
E a produção já aumentaria
Quinhentos por cento até na pecuária!

(trecho de “A Grande Esperança” - Chico Rey e Paraná)

De onde vem a ideia de uma reforma agrária no Brasil? Primeiro temos que assumir que a distribuição de terras é desigual. Pior: ela vem de um estágio colonial onde amigos do rei ganharam posses e o “resto” da população ficava abaixo, econômica, política e socialmente. A bandeira da reforma agrária não surge com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que, diga-se de passagem, vai completar 40 anos em breve. 

Todas as resistências populares, indígenas, negras e dos pobres em geral, desde o Brasil colônia, tem na terra sua centralidade como riqueza essencial. No século passado, a causa ganhou corpo pela ação do Partido Comunista e o surgimento das Ligas Camponesas. O MST, maior movimento de luta pela terra no país, surge em 1984, ocupando terras que deveriam ser divididas para os pobres do campo. 

A reforma agrária é uma política voltada para o campo, mas que se conquista na cidade.

Desde nossas marchas até as ocupações que realizamos em órgãos públicos são feitas nas capitais e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sempre foi o maior alvo. Ocupamos porque o defendemos. É o órgão no Estado brasileiro destinado a resolver o problema de uma massa de sem terras. 

Desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), a política agrária vem sofrendo duros retrocessos, ao ponto de ter sido eliminado o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), além de vários cortes de orçamento. No último mês, o Incra declarou em alto e bom som que não pode mais realizar atividades externas por falta de dinheiro, o que inclui atividades técnicas de campo relativas a vistorias, fiscalizações e supervisões. Enquanto que no último ano de governo Lula foram criados 211 assentamentos, no primeiro ano de Bolsonaro mal surgiram dois.

No Rio de Janeiro a situação se aprofunda há anos. Você sabia que não existe nem Secretaria de Agricultura no estado? Em um estado que tem grande parte de seu território agricultável, incluindo a agricultura urbana, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-RJ) foi completamente desarticulada. Isso sem falar do Instituto de Terras (Iterj) do estado. Alguém já ouviu falar?

Toda esta estrutura institucional deveria assessorar o processo de reforma agrária, porém, intencionalmente, foi esfacelada. 

O MST segue defendendo o princípio de que a terra é um patrimônio da humanidade e não deve ser tratada como simples mercadoria. Assim como a água, as sementes, a biodiversidade e todos os recursos naturais que devem estar a serviço do bem comum. A reforma agrária, como política democratizante da terra, é uma dívida social histórica do Estado brasileiro, com recorte de gênero e raça, inclusive (basta olharmos para a abolição inconclusa que não destinou nem meio hectare para o povo preto saído do cativeiro em 1888). 

Precisamos que o Estado brasileiro realize a reforma agrária, como consta na Constituição Federal de 1988 e, para isso, é necessário restabelecer a vitalidade dos órgãos ligados à política fundiária: recriar o Ministério do Desenvolvimento Agrário, fortalecer o Incra e, no caso do estado do Rio, recriar a Secretaria de Agricultura e dar o peso devido à Emater e ao Iterj.

Somente com este aparato institucional fortalecido podemos ter (a grande!) esperança de ver dividida a terra, o “projeto do chão brasileiro”, tão sonhado e também musicado na canção de Chico Rey e Paraná.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse