Paraná

Corrupção

Acusada de rachadinha, vereadora é suspeita de forjar própria denúncia em Foz do Iguaçu (PR)

Pedido de cassação foi rejeitado após sessão marcada por relatos de coação e ameaça

Curitiba (PR) |
Pedido de cassação foi rejeitado na Câmara de Foz do Iguaçu, no último dia 12 - Foto: Bruno Soares

Em uma sessão legislativa marcada por relatos de coação e ameaças contra parlamentares da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu (CMFI), no oeste do Paraná, pedido de cassação apresentado para apurar conduta da vereadora Carol Dedonatti (PP) - investigada por suposta "rachadinha" na Prefeitura e Câmara - foi rejeitado por 10 votos a três. A decisão foi tomada pelo plenário da Casa no último dia 12, durante reunião ordinária.

Considerada a atual legislatura, esse foi o segundo pedido de cassação apresentado contra vereadores de Foz do Iguaçu acusados de praticarem "rachadinha". Em 14 de abril passado, com placar de oito votos contrários e seis favoráveis, a maioria decidiu arquivar o pedido de investigação protocolado contra o vereador Galhardo (Republicanos). À época, mensagens de texto e áudio compartilhados por um ex-assessor indicaram que o desvio de salário de comissionados seria "comum dentro de muitos gabinetes”. Na oportunidade, a vereadora Carol Dedonatti votou favorável à abertura de investigação.

Menos de um mês após o arquivamento da primeira denúncia sobre rachadinha na CMFI, foi a vez de Carol Dedonatti ser acusada da mesma prática. A suspeita foi confirmada em entrevista por duas ex-servidoras indicadas pela parlamentar para cargos na Diretoria de Bem Estar Animal (DIBA), órgão vinculado à Prefeitura. Segundo Mariam Melhem e Patrícia Gonzalez, além de pedir a devolução de parte dos salários, a vereadora justificaria a necessidade do dinheiro para "manutenção de projetos, em benefício da causa animal."

Denúncia suspeita

Noticiada pela imprensa local entre os dias 18 e 19 de abril, a suspeita de prática de rachadinha atribuída à Carol Dedonatti chegou oficialmente ao Legislativo após denúncia formalizada em 9 de maio. Protocolada pela advogada Wanessa Hastreiter, em nome de Alexsandro Ruiz Gebing, a ação imputou à vereadora os crimes de corrupção e improbidade administrativa, diante flagrante interferência de seu mandato junto à diretoria vinculada à Prefeitura.

Ao final do documento de 15 páginas, o denunciante pediu a perda do cargo da parlamentar, bem como "abertura de procedimento em relação ao prefeito de Foz do Iguaçu, com as consequências de praxe, quais sejam, Denúncia, Cassação e Perda da função pública do prefeito pelo poder Legislativo."

Segundo vereadores ouvidos sob a condição de anonimato, há indícios de que a própria parlamentar tenha forjado o pedido. "Que pedido de cassação é esse em que o denunciante não mostra a cara? Afirmo com segurança, nunca antes na história de Foz do Iguaçu um pedido de cassação foi apresentado de forma tão suspeita. É tudo muito sorrateiro e precisa ser investigado. Esta Casa de Leis não pode ficar à mercê de situações como essa", defende um dos vereadores anônimos que toparam comentar os bastidores da CMFI sem ser identificado.

De acordo com o grupo, as suspeitas sobre a procedência da denúncia começaram logo após o seu recebimento. "A denúncia foi protocolada ao final da tarde do dia 9 de maio, numa segunda-feira, sendo que no dia seguinte teríamos reunião ordinária a partir das 9h. A vereadora atuou insistentemente para que seu pedido de cassação fosse apreciado já na manhã do outro dia, em reunião extra-pauta. Como não houve consenso, o pedido só chegou ao plenário na quinta-feira, dia 12. A vereadora ficou muito transtornada com essa demora", pontua outro vereador anônimo.

Informações falsas

Com objetivo de dar visibilidade às motivações do denunciante, a reportagem do Brasil de Fato Paraná entrou em contato com a advogada Wanessa Hastreiter ainda no dia 9. A representante do cidadão que encampa a denúncia contra a parlamentar, estendida ao prefeito, afirmou que seu cliente não iria se manifestar. "Meu cliente não quer aparecer na mídia dando entrevista ou falando sobre o processo", resumiu.

Diante da recusa da advogada, a reportagem se deslocou até o endereço do denunciante descrito na ação. Apresentado pela advogada como um estudante, morador do bairro Porto Meira, foi constatado que Alexsandro não residiria no local apontado por sua representante, e, tampouco, seria estudante.

A informação foi confirmada pela mãe, pela irmã e pelo irmão do autor da denúncia. "Meu filho não mora aqui. A gente não sabe onde ele mora e nem com o que ele trabalha. Só sei que ele saiu da escola faz tempo. Ele aparece muito de vez em quando, não sabemos sobre a vida dele", compartilhou a mãe do jovem de 23 anos.

Por telefone, Alexsandro confirmou que não é estudante, e se apresentou como motorista particular. Porém, a reportagem apurou que o jovem não possuiria carteira de habilitação. Questionado via WhatsApp sobre as contradições, Alexsandro não respondeu mais.

No dia 10, a reportagem se dirigiu ao endereço da advogada Wanessa Hastreiter, conforme listado na denúncia e constatou que a sede do escritório da advogada não existe. Indicado como sendo na rua Major Acylino de Castro, nº 83, Vila Yolanda, a localização do escritório é falsa.

Ao ser questionada via aplicativo de mensagens, Wanessa afirmou que o endereço apontado na denúncia seria da casa de seus pais. ˜É só burocracia, o endereço que eu morava com meus pais é diferente do endereço que eu atuo agora", justificou a advogada sem informar seu verdadeiro endereço profissional.

Coincidência

Diante das contradições apuradas pela reportagem quanto à moradia e ocupação do denunciante, bem como o endereço do escritório de sua advogada, a reportagem seguiu com a apuração sobre eventual relação entre os autores da denúncia e a parlamentar suspeita.

Coincidência ou não, Wanessa Hastreiter é casada com o policial civil Romi Quintilho Alves. Lotado na Delegacia de Polícia Civil de São Miguel do Iguaçu, a cerca de 40 quilômetros de Foz, Romi atua na mesma unidade em que o policial civil Stanley Alves, namorado da vereadora acusada de rachadinha e improbidade administrativa.

Procurado para comentar eventual ligação com Stanley e Carol Dedonatti, Romi assegurou não ter qualquer vínculo com a dupla. "O Stanley e minha esposa, bem como eu e a esposa do Stanley, nunca fomos apresentados. Minha relação com o colega Stanley é estritamente profissional, não está no meu rol de amigos. Embora tenha um bom relacionamento com ele. Não frequento sua casa e ele não frequenta a minha", garantiu.

No mesmo sentido, a advogada afirmou não ter relação com a vereadora, e que seu cliente teria pago pelo serviço contratado.

Policial civil/articulista político

Presente à reunião legislativa do último dia 12 que decidiu pelo arquivamento do pedido de cassação apresentado contra sua namorada - a vereadora Carol Dedonatti -, o policial civil Stanley Alves foi visto, momentos antes da votação, reunindo-se a portas fechadas com parlamentares em áreas restritas a servidores do Legislativo.

Um dos gabinetes visitados pelo policial foi o do vereador Galhardo. Auto-proclamado como principal parlamentar de oposição ao prefeito de Foz do Iguaçu, Galhardo votou contra o pedido de investigação que apuraria conduta suspeita da vereadora e do prefeito. Procurado para comentar a razão do encontro com Stanley, Galhardo não respondeu.

"Vamos resolver na justiça"

Também procurado para comentar sua presença durante a votação do pedido de cassação contra Dedonatti, o policial civil Stanley Alves informou que irá se manifestar na Justiça.

"Diante da sua perseguição e importunação, estarei representando por difamação, injúria, calúnia e difamação. Vamos resolver essas acusações na Justiça", afirmou.

Ameaças

Dentre os relatos de coação e ameaças narrados por parlamentares que não querem ser identificados, constam afirmações de que Stanley teria pressionado parte dos vereadores para votarem de acordo com os interesses de Carol Dedonatti.

"A gente precisa saber por qual motivo o policial civil que namora a vereadora acusada de rachadinha estava acompanhando a sessão na Câmara Municipal. Ele não deveria estar trabalhando? E mesmo que estivesse de folga, por qual motivo se reuniu a portas fechadas com vereadores? Sabemos que vereadores foram ameaçados e coagidos, dizendo que se votassem favoráveis ao pedido de cassação, sofreriam retaliações. Não podemos nos acovardar. Este policial precisa prestar esclarecimentos públicos ao parlamento e à sociedade", finaliza outro vereador de forma anônima.

A Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, por meio de sua assessoria de comunicação, informou que não irá comentar o caso. Já a vereadora Carol Dedonatti bloqueou a reportagem sem responder aos questionamentos feitos. As suspeitas de rachadinha seguem sendo investigadas pelo Ministério Público do Paraná.

Edição: Lia Bianchini