Paraíba

RESISTÊNCIA

13ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia acontece neste dia 2 de maio

Em pauta, os impactos negativos da implantação dos parques eólicos em regiões de agricultura familiar

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
13ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. - Reprodução

Todos os anos, a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia coloca em foco alguma problemática que atinge a vida das mulheres do campo. Em 2022 não vai ser diferente. Cerca de 5 mil mulheres rurais vão tomar as ruas da cidade de Solânea, na região da Borborema paraibana, para reafirmar com suas vozes que “onde se instalam os parques eólicos diminui a produção nas propriedades rurais. Eles são uma grande ameaça, principalmente, para as famílias que têm pouca terra, porque onde trabalharão com a agricultura se você não pode trabalhar perto desses aerogeradores e das linhas de transmissão? Esse modelo precisa ser revisto”, diz Roselita Vitor, da coordenação do Polo da Borborema.

As mulheres que vão participar da Marcha vêm, em sua maioria, dos municípios de Solânea, Casserengue, Arara, Algodão de Jandaíra, Remígio, Esperança, Areial, Montadas, Lagoa de Roça, Alagoa Nova, Matinhas, São Sebastião de Lagoa de Roça e Queimadas, municípios cujos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais fazem parte do Polo da Borborema, que realiza um trabalho há 30 anos, alicerçado em um projeto de construção da agricultura familiar agroecológica, que vem dando significativos resultados na redução da fome e da pobreza nas famílias agricultoras.

A Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia começa às 8h da manhã, na praça 26 de novembro, no município de Solânea e tem como lema  "Mulheres em defesa do território: Borborema agroecológica não é lugar de parques eólicos". O tema em debate coloca em xeque o modelo de energia eólica que começa a avançar no território da borborema, com a implantação de parque eólicos, que se dizem produtores de energia limpa, mas se apropriam da terra e do território rural, mudando completamente a vida das comunidades e ameaçando a produção da agricultura familiar.


Parque eólico. / Reprodução

“Quando a propriedade que é para produção de alimentos passa a ser a sua principal fonte a produção de energia, como é que fica a produção agrícola? A produção da agricultura familiar que vai para as nossas feiras que existem aqui no território da Borborema”, indaga Roselita e acrescenta: “Nós não somos contra a energia renovável. Pelo contrário. Somos a favor. Porque a gente entende que os bens da natureza são bens públicos, o sol, a terra, a água, são bens comuns, que devem servir a todas as pessoas. Porém, esse modelo de produção de energia renovável, a partir dos parques eólicos, não é um modelo que produz energia limpa. Se ele deixa as nossas comunidades mais pobres, se as famílias passam a usar menos a sua área de produção, se esses contratos beneficiam mais as empresas do que as famílias agricultoras, inclusive, com o risco de perder sua terra, que modelo é esse? Que energia limpa é essa? A gente faz esse questionamento: Energia pra quem? E energia para quê?”

O questionamento de Roselita Vitor pode ser constatado na experiência concreta de quem enfrenta o problema na pele. O município de Caetés, situado no agreste pernambucano, enfrenta os impactos da implantação dos parques eólicos, no local, há 7 anos. É o que nos conta a agricultora familiar, Roselma de Melo Oliveira, do Sítio Sobradinho, em Caetés.

"Um dos principais problemas que aconteceu aqui foi a aproximação, que eles colocaram as eólicas bem próximas das residências aqui. Com isso, o barulho é demais. Como a gente fala aqui, é o avião que nunca pousa, é de dia, noite, 24 horas por dia esse barulho", conta Roselma.

 

Impactos dos parques eólicos 

 


Roselma de Melo Oliveira, agricultora familiar do Sítio Sobradinho, em Caetés (PE). / Arquivo Pessoal

A inauguração das torres eólicas, em Caetés, no estado de Pernambuco, foi em 2015. Hoje, vários problemas são enfrentados pela população do campo onde os parques eólicos foram instalados, como a poeira, as doenças e o desgaste das torres que passam a oferecer risco de morte aos moradores. "Com o passar do tempo, as torres vão se desgastando. Em 2019, caiu uma torre, só que não havia casa próxima, ela acabou com tudo que tinha perto dela. Aqui onde eu moro, elas foram instaladas a 160 metros de distância de nossas casas. Aqui atrás da minha casa tem uma que está instalada há 180 metros, ao lado tem outra que está há 160 metros. Essa de 180 metros, a hélice dela quebrou-se. O barulho parecia uma bomba explodindo dentro de casa. Todo mundo ficou apavorado, com medo dela cair em cima da casa por ser muito próxima", relata Roselma.


Situação da casa de agricultura, de Roselma. Sítio Sobradinho, em Caetés. / Arquivo Pessoal

Em Caetés, muita gente passou a enfrentar depressão e ficou sem conseguir dormir devido ao impacto dos parques eólicos que mudou completamente o ambiente do e a sociabilidade do lugar. "Muita gente passou a enfrentar problema de ansiedade e depressão e passaram a tomar remédios para ter que dormir. Quem já tinha problema piorou mais ainda. Muitos casos de pessoas que deixaram as casas, tiveram que ir para outro lugar pagar aluguel e estão esperando ver se resolvem alguma coisa porque para aqui não voltam mais, pois não tem condições de morar embaixo dessas coisas. É muito difícil estar passando por isso e já vai fazer 7 anos que estamos nessa luta", explica a agricultora de Caetés, em Pernambuco.
 

Impactos na agricultura
 

A fiação dos parques eólicos são subterrâneas, fato que impacta diretamente quem vive da agricultura e precisa mexer na terra para plantar. "A perda foi muito grande. Muita gente falou para evitarmos cavar, mexer na terra para evitar de levar um choque. Por causa disso, muitos de nós paramos de plantar e deixamos o lugar que nascemos e nos criamos para morar na rua e pagar aluguel. Quem tem condição foi morar de aluguel e quem não tem como nós, está aqui esperando ver se resolve para ter um alívio pois é muito barulho. É problema de audição, depressão, o pessoal não consegue dormir. São muitos impactos e já teve muitas explosões nelas, se elas caírem em cima da casa da gente vai acabar com tudo", diz Roselma.

Roselma alerta como essas indústrias enganam o povo. "Eles chegaram falando que não teria barulho nenhum, que ninguém ia perceber mudança nenhuma e hoje mudou tudo. Onde eu morava era sítio sobradinho e hoje você vai procurar e não encontra mais, agora é parque eólico. Modificou tudo aqui, apareceu muita gente de fora, muita gente que a gente não conhecia, depois que fizeram as estradas aconteceu muitos roubos aqui. Ninguém anda mais nas estradas, à noite, por conta disso. Vai juntando tudo e a situação não é fácil e está todo mundo aqui sem saber o que fazer por conta que já é muito tempo e muita gente que diz que não aguenta mais. Querem muitas vezes ir para rua, protestar, ver se alguém tem dó, faz alguma coisa pela gente", relata a agricultora.

Por conta dessa situação, Roselma, juntamente com uma comitiva, estão vindo de Pernambuco para, juntas com as agricultoras da Borborema Paraibana para dizerem não aos parques eólicos.

Onde há torre instalada, as agricultoras e agricultores perdem sua autonomia para produzir. Além disso, o volume do que se produz cai porque a presença das torres de 140 metros, que equivale a um prédio de 50 andares, afeta a temperatura, a acústica e a luz do local, causando desequilíbrio ambiental. Um parque tem, no mínimo, 30 torres. 

A experiência de Caetés (PE) alerta para que qualquer agricultora ou agricultor não assine contrato com nenhuma indústria de energia eólica, sem antes consultar o Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais mais próximo a sua residência, para as devidas orientações e providências.

A Borborema é território da agricultura familiar agroecológica


Feira para comercialização da Produção Agroecológica das famílias da Borborema. / AS-PTA

A Borborema abriga uma rede de 60 bancos comunitários de sementes, além do Banco Regional, que representam outro nível de segurança para as sementes crioulas que passaram, naturalmente, por um longo processo de adaptação às características ecológicas da região.

Dos roçados, quintais produtivos e cozinhas de centenas de famílias agricultoras, na Borborema, já saíram 50 toneladas de alimentos diversificados e totalmente livres de venenos e de transgênicos.– in natura e beneficiados – para compor as quase 5 mil cestas doadas durante a pandemia. Assim como saem as hortaliças, frutas, legumes, grãos, leite, queijo, bolos, polpas de frutas, doces e outros alimentos beneficiados que abastecem as 12 feiras semanais e as cinco Quitandas da Borborema fixas e mais a unidade móvel.

Para além dos resultados quantitativos, o projeto político de fortalecimento da agricultura familiar protagonizado pelo Polo da Borborema tem fomentado a auto-organização de comunidades e grupos de mulheres e jovens que são os segmentos sociais mais afetados pelos efeitos das mudanças climáticas em todo o mundo.
Essa capacidade auto-organizativa no território o torna um ambiente mais resistente aos grandes empreendimentos que vêm de fora, promovendo violações de direitos das comunidades rurais. “É nesse sentido de preservar a agricultura camponesa, a nossa forma de vida, que a gente assume a resistência a esse modelo [de produção concentrada e monopolista de energia eólica], como assumimos diante da fumicultura [cultura de fumo] em 2006, assumimos esse enfrentamento ao agrotóxico aqui no território em 2010. É a força das mulheres em defesa da vida e dos nossos corpos aqui no nosso território. Dos ventos, faremos um furacão”, aponta Roselita.

Outro modelo de produção de energia é possível 

 

Assim como uma política pública foi essencial para promover a democratização do acesso à água no Semiárido, a solução para a crise energética no Brasil deveria ir pelo mesmo caminho.

“Seria essencial que políticas públicas realmente incentivassem o uso massivo da Geração Distribuída da energia solar fotovoltaica para instalações residenciais, pequenos comércios, pequenas indústrias e em áreas rurais”, comenta o professor aposentado da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Heitor Scalambrini, em uma reportagem da série Energias do Nordeste produzida e publicada por mídias nordestinas: A Nossa Pegada, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Notícia Sustentável e Saiba Mais.

Especialista na área de energia, Heitor tem sido um defensor do modelo descentralizador de produção de energia a partir da instalação de painéis solares em telhados, fachadas e pequenos terrenos. Ele conta que a Geração Distribuída contribui aproximadamente com menos de 5% da potência total instalada no País (pouco mais de 180 GW), muito aquém do grande potencial disponível, em particular na região Nordeste, uma das mais ensolaradas do mundo. “Poderia ao menos se esperar que em curto espaço de tempo a potência instalada passasse para 20% – 25% sua contribuição à matriz elétrica”, declara o professor.

“Já comprovamos com simplicidade e com iniciativas nossas que podemos gerar energia para nossas diferentes necessidades, sejam elas da família, sejam elas para uso coletivo”, enfatiza Ivo Polleto, do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental. “Nós não precisamos de empresas que não têm nenhum respeito pela vida e que privatizam os recursos naturais e produzem energia como negócio, como mercadoria a ser vendida. Chega de conversa falsa de que é bom utilizar recursos públicos para as empresas, porque isso traz progresso, aumenta o PIB. Tudo isso é mentira”, complementa ele.

 

*com informações da AS-PTA
 

Edição: Heloisa de Sousa