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Noticiário esportivo: as mulheres existem não só no 8 de março, mas todos os dias do ano

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O que acontece durante o Dia Internacional da Mulher é um efeito interessante no qual os chefes de redações esportivas lembram que, sim, as mulheres existem - Thaís Magalhães / CBF
Um dia depois, os sites esportivos já mudaram o enfoque e as atletas voltaram ao banco de reservas

*Por Luiz Ferreira 


Tem vezes em que eu acho que o mundo do esporte está preso num eterno "Dia da Marmota", data comemorativa que existe na vida real e que é o tema central do ótimo filme "Feitiço do Tempo". O personagem interpretado por Bill Murray (o repórter Phil Connors) acorda todos os dias no mesmo dia na cidade de Punxsutawney onde acontecia o festival do (adivinhem só...) "Dia da Marmota".

A metáfora é perfeita para se explicar o fenômeno que acontece todos os anos no dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher, principalmente nas redações esportivas.

Bom, você deve estar pensando que este colunista está sob efeito de substâncias alucinógenas. Falou de cinema, no dia 9 de março, em marmotas. A questão é bem simples. O que acontece durante o Dia Internacional da Mulher é um efeito interessante no qual os chefes de redações esportivas lembram que, sim, as mulheres existem.

Essa última frase pode soar até pueril diante de todo o caminho que ainda precisamos seguir para que possamos afirmar que vivemos numa sociedade que respeita a figura feminina. Principalmente no esporte, onde eu e você sabemos bem que o machismo e preconceito de todos os tipos ainda fazem parte do trabalho de quem vive do esporte nos gramados, nas pistas, nos ginásios, nas piscinas ou nas redações.

Fazemos programas especiais, fazemos questão de afirmar que as mulheres existem, colocamos todas elas em evidência, entrevistamos personalidades de todas as modalidades e buscamos todo tipo de subterfúgio para colocar a figura feminina no centro do debate.

Isso tudo no Dia Internacional da Mulher.

Todo 8 de março fazemos esse exercício altamente necessário de reflexão sobre as nossas atitudes dentro e fora das redações esportivas. Isso não é problema nenhum. Muito pelo contrário! Temos sim que lembrar de toda a luta, da história da data, das mulheres que lutam todo santo dia por um espaço mínimo que seja para simplesmente poder viver como qualquer pessoa.

As mulheres existem. No dia 8 de março e em todos os outros dias do ano. Esse é o ponto.

Este colunista acordou neste 9 de março, abriu os principais sites esportivos e viu que as pautas já mudaram totalmente. A velocidade do jornalismo e dos acontecimentos meio que impõe essa mudança nas pautas. Mas o ponto da discussão está nas redações esportivas.

Quantas mulheres que assumiram o microfone, a escolha das pautas ou a coordenação de um programa voltaram para seu "lugar de origem" no dia 9 de março? Quantas delas voltaram a ter suas ideias rechaçadas pelos chefes de redação que adotam a estratégia de "fazer média" no Dia Internacional da Mulher? E quantas mulheres voltaram a sofrer com o assédio de todos os tipos dentro dessas mesmas redações?

Não se trata de acusar este ou aquele. Mas de entender que o cenário ainda está muito longe do ideal apesar de todos os valorosos avanços conquistados nos últimos anos.

O dia 9 de março e de todos os outros seguintes precisam ser levados mais a sério com relação a todos os pontos levantados anteriormente. Não adianta nada levantar a bandeira na hora em que os holofotes estão acesos e largar tudo depois que o palco é desmontado.

Precisamos entender que não existe absolutamente nada que impeça os chefes de redação de dar mais oportunidades para as mulheres em outros dias.

E desse ponto, podemos partir para outros tipos de reflexão importantíssimos. Levantar a discussão sobre a erotização do corpo feminino em determinadas modalidades, respeitar outras que ainda são analisadas com um excesso descomunal de preconceito e misoginia e de permitir que as mulheres sejam aquilo que elas queiram ser. Locutoras, redatoras, editoras, apresentadoras, comentaristas e até mesmo chefes de redação.

Os dias seguintes ao Dia Internacional da Mulher precisam manter essa reflexão sobre as nossas atitudes. Doa a quem doer. Doa a quem usa a data para parecer "moderninho" e adora fazer uma média. Até lá, vamos vivendo esse “Dia da Marmota” de repetições eternas e frases feitas que ninguém aguenta mais ouvir.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

Edição: Mariana Pitasse