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MOBILIDADE URBANA

Artigo | Rodoanel Metropolitano: delírio megalomaníaco de Zema financiado por massacre da Vale

Rodoanel atropela Planos Diretores Municipais e não tem Estudos de Impacto Ambiental

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Manifestação contra o projeto do Rodoanel na região do Barreiro/BH, no Parque Ecológico Alfredo Sabetta. Na foto, representantes do Movimento Serra Sempre Viva, Muralha Rosa e Greenpeace Voluntários - Foto: Alenice Baeta, Dezembro de 2021

O Projeto do Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), apresentado pelo Estado de Minas, como decorrência do acordo com a mineradora Vale S.A é a reelaboração de projetos viários feitos ainda na década de 1970 para uma realidade absolutamente diferente.

Esse projeto caducou, se aplicado hoje, em função de seus mais de 100 km de extensão, acarretará inúmeros e gravíssimos impactos socioambientais e hídricos irreversíveis, extremamente negativos a pelo menos 13 municípios da RMBH. O risco é de um colapso com a exaustão do abastecimento público de água de Belo Horizonte e nas 34 cidades da RMBH, onde vivem mais de 6 milhões de pessoas.

Participação Popular é pilar do ordenamento jurídico nacional

Trata-se de proposta construída de forma autoritária e acelerada, sem a realização prévia de estudos de impactos ambientais e sociais, e com total exclusão das comunidades que serão duramente atingidas em caso de sua realização. O projeto ignora o planejamento territorial de todos os municípios atingidos, sendo severamente contestado, por exemplo, pelas prefeituras de Betim e Contagem.

A lista de arbitrariedades e ilegalidades do projeto do rodoanel é imensa. Tentaremos tratar daquelas nos parecem mais brutais.

Consulta e audiências públicas levianas e enganosas

A fase inicial do projeto do Rodoanel foi caracterizada pela escassa divulgação do calendário, e nenhum prévio entendimento com instituições públicas, movimentos sociais, ambientais e instituições da Justiça, o que terminou por gerar uma sequência de audiências virtuais totalmente unilaterais, excludentes, com baixíssima participação.

Embora tenha se oposto ao modelo em casos semelhantes e quase contemporâneos propondo a suspensão das audiências virtuais, o Ministério Público de Minas Gerais preferiu dessa vez, não intervir quanto à realização das famigeradas audiências. Além disso, os documentos referentes ao Rodoanel foram disponibilizados apenas 15 dias antes do início das audiências, tornando inócua a participação tanto da população quanto de outras instituições incumbidas de fiscalizar, visto a situação de total desinformação.

Rodoanel atropela e implode os Planos Diretores dos municípios

A Constituição Federal de 1988 no artigo 1º, 3º, 37, 182, 183 e 225 e a legislação federal do Estatuto da Cidade e Estatuto da Metrópole, dentre outras), e tratados internacionais, como o Acordo de Escazú, afirmam a necessária observância ao princípio da Participação Popular no planejamento e gestão das cidades e das regiões metropolitanas. Participação Popular e Controle Social são pilares do ordenamento jurídico nacional que servem para garantir e aperfeiçoar o Estado Democrático de Direito tão aviltado no nosso país.

No caso do Rodoanel, com base no que foi citado, exige-se um processo com a mais ampla Participação Popular possível nos processos de elaboração, discussão, aprovação e execução do projeto. E não pode ser atropelada de modo formalista e mecanicista. Lamentável, mas nenhuma das previsões legais foi observada na primeira fase do projeto do Rodoanel, algo absolutamente anômalo e totalmente à margem da lei, que precisará ser explicada nas instâncias apropriadas.

Implosão dos Planos Diretores municipais

O projeto do Rodoanel não toma conhecimento e atropela os Planos Diretores e outras leis municipais. Isso fica claro pela observação de como o traçado desconhece ou afronta definições estratégicas para o desenvolvimento territorial tomadas pelos municípios da RMBH.

Alguns destes Planos Diretores encontram-se em fase de revisão, e seria extremamente importante que pudessem ter suas estratégias de desenvolvimento territorial definidas não em função deste devastador projeto viário, mas das exigências ambientais, culturais, sociais e econômicas destes municípios.

Exigimos a anulação imediata do Edital de Licitação do Rodoanel

Outros são literalmente ignorados como é o caso do Plano Diretor do município de Ribeirão das Neves, recentemente revisado. A Zona de Proteção Ambiental 2 - APA Lajinha -, prevista, portanto, como uma área de interesse ambiental superior, foi tratada nos documentos do Rodoanel como zona rural, classificação errônea e ilegal, que busca de forma maliciosa minimizar a percepção dos danos.

Instrumentos de planejamento territorial por excelência, os Planos Diretores cuidam do desenvolvimento econômico, reabilitação e recuperação de áreas centrais, valorização de sítios históricos e arqueológicos, estabelecem macrozoneamentos, política habitacional, transporte e mobilidade, saneamento ambiental. Ignorá-los ou mutilá-los é, além de tudo, uma violação do pacto dederativo, visto que não há hierarquia entre os entes da Federação, e as competências detidas pelo Estado precisam ser exercidas legalmente e nos marcos da Constituição de 1988.

É ilegal a realização de estudos impacto socioambiental apenas após a licitação

Uma licitação está prestes a ser iniciada, contando com diretrizes ambientais feitas de forma não transparente e bastante insuficiente. Acontece que quem vive e manda no território é seu povo, diretamente, ou por seus representantes, prefeitas e vereadoras, que também estão sendo alijados como revelou a fase de consulta pública.

O projeto do Rodoanel atropela, implode e viola brutalmente os Planos Diretores dos municípios da RMBH e o pacto federativo.

Inversão entre as fases de licenciamento e licitação

Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) enquanto instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente são indispensáveis para determinar a viabilidade ou inviabilidade ambiental de determinado projeto, mas também para permitir que não apenas a administração, mas também a população exerça controle sobre impactos ambientais negativos. É equivocado, ilegal e absurdo o cronograma da Secretaria de Infraestrutura do Governo de Minas Gerais (SEINFRA) que prevê a realização de tais estudos somente após o procedimento licitatório. Vejamos algumas das razões:

1. Haverá um engessamento quanto à realização do projeto pela vinculação da administração e concessionária ao projeto executivo e suas principais características definidas, restando pouca ou nenhuma flexibilidade de acordo com exigências de proteção, e um fato consumado cancelando a Participação Popular que não terá nenhuma influência no processo decisório;

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2. Além da irreversibilidade de sérios danos do ponto de vista ambiental, cultural e social, também os interesses patrimoniais do estado ficam expostos, potencialmente causando enormes prejuízos a futuras responsabilizações em decorrência da amplitude e da profundidade de danos que não estão sendo considerados, e pelos quais a empresa concessionária não concordará em pagar;

3. Viola a moralidade administrativa na medida em que viabiliza contratação sem saber quais os impactos, os custos, e de que modo impedi-los ou diminui-los, o que pode impedir a maior participação de concorrentes inseguros quanto ao tamanho dos passivos, possibilitando assim que alguns detendo informações privilegiadas possam fazer propostas que cubram eventuais concorrentes, o chamado jogo de cartas marcadas.


Carro de som em Ibirité, MG, alertando a população para a brutal devastação socioambiental que o Rodoanel causará em BH e RMBH / Foto: Alenice Baeta.

Com mais de 100 km de extensão, o traçado do Rodoanel aprovado pela SEINFRA compreende a intervenção importante ou mesmo a devastação, direta ou em áreas de amortecimento, de dezenas de Unidades de Conservação, tanto de proteção integral como de uso sustentável, monumentos naturais, milhares de áreas de proteção permanente como as que protegem nascentes e cursos, inúmeros sítios com vínculos patrimoniais e culturais exuberantes, comunidades tradicionais, conjuntos arquitetônicos e paisagísticos, além de enormes áreas em que se desenvolve a agricultura familiar.

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Não há cabimento em se realizar certame licitatório sem que quase uma dezena de alternativas locacionais possam ser analisadas e descartadas, o que só será feito mediante EIA/RIMA. A realização de licitação nessas circunstâncias, ausente qualquer Licença Ambiental, configura-se em grave irregularidade, conforme entendimento já firmado no âmbito do Tribunal de Contas da União, em casos análogos.

Tem solução para a mobilidade na região metropolitana de BH

A solução para os problemas de mobilidade em BH e RMBH passa por três propostas principais imprescindíveis: 1) ampliar o metrô de Belo Horizonte para várias cidades da região metropolitana; 2) resgatar o transporte de passageiros por meio de trens das 34 cidades da RMBH para BH, existente décadas atrás; 3) melhorar o transporte público por meio de ônibus.

Pelo exposto acima e pelo apresentado em outros quatro artigos já publicados no Jornal Brasil de Fato MG (“Rodoanel na RMBH será brutalmente devastador”, “Rodoanel vai resolver os problemas de trânsito na RMBH?”; “Rodoanel de BH: um projeto de Brasil neocolonizado!” e “Rodoanel na RMBH: O Lado Oeste da Serra do Rola Moça e a face oculta da Injustiça Socioambiental”), exigimos a anulação imediata do Edital de Licitação do Governo de MG para o Rodoanel, por ser inconstitucional, por violar Tratados Internacionais e por estar eivado de ilegalidades infraconstitucionais.

Henrique Lazarotti é advogado popular e atua no Movimento Serra Sempre Viva e no Movimento de BH e RMBH “Somos Todos Contra o Rodoanel”

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida