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Coluna

O novo relatório do IPCC e o impacto humano da emergência climática

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A emissão de carbono devido a essas devastações está numa proporção quatro vezes maior que a emissão de carbono pelas indústrias e automóveis no Brasil. - Foto: Mayke Toscano/Gcom-MT
Mais do que nunca é necessário um esforço mundial e colaborativo para salvarmos o planeta

Em um relatório publicado nesta segunda-feira (28), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU indicou que um bilhão de pessoas sofrerão deslocamento por inundações das áreas costeiras até 2050, e nos presentes dias pelo menos 3,3 bilhões de pessoas “são altamente vulneráveis às mudanças climáticas” e 15 vezes mais propensas a morrer por condições climáticas extremas. Foi um relatório que apresentou características próprias, instando os Estados a atuarem com rapidez maior para cortar as emissões de carbono e indicando o impacto humano em mortes, fome, destruição e migrações por mudanças climáticas.

Em primeiro lugar, é importante salientar que não há mais espaço para um negacionismo sobre as mudanças climáticas. As previsões anteriores do IPCC se confirmaram todas, com o aumento vertiginoso dos eventos climáticos extremos, como inundações, ciclones, ondas de calor e de frio, secas e queimadas. A cada 0,1º de aumento médio da temperatura, o nível dos mares se eleva, os corais morrem massivamente, há uma destruição da biodiversidade e diminuição do nível de oxigênio nos oceanos. Até agora, aumentamos a temperatura global em 1,07 graus.

O Brasil tem importância para apontar as soluções, seja porque já temos uma matriz em grande parte hidrelétrica, mas temos um potencial maior ainda de energia eólica e solar, que fazem a transição para sairmos da matriz energética dos combustíveis fósseis. Podemos também sair da posição de ser um dos principais poluidores e emissores de carbono no planeta, com emissões causadas pela devastação da Amazônia, do Pantanal, da predação do Cerrado e da Mata Atlântica. A emissão de carbono devido a essas devastações está numa proporção quatro vezes maior que a emissão de carbono pelas indústrias e automóveis no Brasil.

O Brasil pode estabelecer que não haverá mais desmatamento, garimpo ilegal, ação de madeireiros e grileiros na Amazônia, e para isso precisa aplicar a lei, fortalecer os órgãos de controle e combater as milícias criminosas que se apropriam e destroem o bioma amazônico. Mas é necessário reflorestar o que foi destruído, cerca de 20% da floresta, por um amplo programa de renda mínima condicionado à manutenção da biodiversidade, estímulo à bioeconomia e a iniciativas de agroflorestas que produzem com a floresta de pé e os rios fluindo, alternativa já viável para muitas comunidades.

Mas a Amazônia não deve ser único foco, o Cerrado está secando pela maneira como a fronteira agrícola se expandiu, sem controle e assacando os recursos hídricos sem planejamento. Essas áreas de Cerrado e da quase extinta Mata Atlântica que foram ocupadas pela atividade agrícola e pecuária, têm uma emissão de carbono muito grande, diferentemente das agroflorestas que permitem a neutralidade na emissão de carbono. O Brasil já tem experiência exitosas e tecnologia desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), universidades e movimentos sociais que podem permitir uma produção sem destruição, e com taxas de lucros mais elevadas.

O Brasil deve perceber que o atual modelo está condenado, seja pelo exaurimento dos recursos hídricos do Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica, ou pela diminuição dos rios voadores que saem da Amazônia e abastecem as chuvas do centro-sul do país. Mas as queimadas e o uso de agrotóxicos intensivo levam ao soerguimento de barreiras comerciais contra os produtos do agronegócio, e uma visão de médio e longo prazo deve superar a busca de lucro fácil no curto prazo; pois o modelo atual é insustentável ambientalmente e comercialmente. As fronteiras econômicas e tecnológicas também se abrem ao Brasil se pensarmos na pesquisa de produtos de biotecnologia, genética, farmacologia a partir da sociobiodiversidade da floresta e com a capacidade de implantarmos uma tecnologia de mobilidade elétrica em nosso território. Universidades e centros de pesquisa já desenvolvem a tecnologia para essa aplicação, e se pensarmos que a Bolívia é nossa vizinha e detém a maior reserva de lítio do mundo, a matérias prima das baterias dos veículos elétricos, podemos pensar na conformação de um complexo industrial de veículos elétricos no continente Sul-Americano.

Alternativas existem, tecnológicas, ambientais, econômicas, industriais, de exploração mineral, mas é necessária a decisão política para reorientar os recursos e as prioridades do Estado e da sociedade. Mais do que fazer as mudanças estruturais internas no país, podemos voltar a exercer a liderança do sul global junto ao conjunto das nações para estabelecermos os compromissos necessários visando à transição socioecológica. O Brasil, sob o governo Lula e Dilma, se tornou um grande articulador da Conferência de Paris em 2015, que estabeleceu metas audaciosas de corte de emissão de carbono. Segundo o atual relatório do IPCC, essas metas de 2015 não estão sendo cumpridas e outras metas mais fortes devem ser tomadas. Mais do que nunca é necessário um esforço mundial e colaborativo para salvarmos o planeta. O mundo deve se debruçar sobre essa pauta, e não criar mais cenários de guerras.
 

Edição: Jamile Araújo