Rede municipal

Merenda estragada e entraves tecnológicos marcam retorno às aulas presenciais em São Paulo

Depois de denúncias sobre o atraso na entrega de itens alimentícios básicos, escolas municipais recebem comida podre

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Cerca de um milhão de estudantes estão matriculadas na rede municipal de ensino de São Paulo - Rovena Rosa/Agência Brasil

Duas semanas depois do retorno às aulas presenciais na rede municipal de ensino de São Paulo, a euforia da volta ao convívio escolar se combina com uma lista de denúncias envolvendo merenda estragada, problemas de infraestrutura e dificuldade de acesso a uniformes e materiais escolares.

Desde o início das aulas presenciais, em 7 de fevereiro, escolas municipais das zonas norte e sul da capital paulista recebem arroz com larvas, verduras e legumes podres e biscoitos mofados.  

Na última quinta-feira (17), a Vigilância Sanitária, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Município (TCM) foram acionados pelos mandatos do vereador Celso Giannazi e do deputado estadual Carlos Giannazi, ambos do PSOL.  

Em nota, a Coordenadoria de Alimentação Escolar (Codae), da Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo, afirmou que “as medidas administrativas cabíveis estão sendo tomadas” e que “é da responsabilidade do gestor da escola ou pessoa por ele indicada a conferência criteriosa dos produtos no ato da entrega”. 

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Em representação ao TCM, parlamentares anexam imagem de alimentos mofados entregues na rede municipal de ensino de São Paulo / Divulgação

Episódio anterior

O episódio acontece poucos meses depois que veio a público outra denúncia envolvendo uma empresa contratada pela administração municipal para fornecer alimentação escolar, a Singular Gestão de Serviços Ltda.

Entre novembro e janeiro, a contratada atrasou em meses o pagamento de seus trabalhadores, bem como a entrega de itens básicos para escolas municipais da zona leste. Por conta disso, no ano passado merendeiras entraram em greve e aulas foram suspensas.

“Como a empresa não pagava seus funcionários, vários não iam trabalhar. Nós visitamos muitas escolas e, por incrível que pareça, alguns trabalhadores dessa empresa Singular, mesmo não recebendo [salário] e não tendo os itens básicos, levavam das suas casas. Veja bem: levavam cebola, batata das suas casas para a unidade escolar, para a criança ter o que comer”, relata o vereador Celso Giannazi.  

O Brasil de Fato tentou contato com a Singular, que mantém contratos com a Prefeitura desde 2016, mas não foi atendido.  

Depois que uma equipe de fiscalização do Tribunal de Contas do Município julgou a denúncia procedente, a situação de entrega dos itens alimentícios foi regularizada.  

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Entraves digitais 

Apesar de a Prefeitura de São Paulo - sob gestão de Ricardo Nunes (MDB) - ter liberado no último dia 15 o acesso aos créditos que permitem a compra de uniformes e materiais escolares de 2022, o aplicativo vem apresentando falhas. Quem ainda não conseguiu resolver o entrave com a ferramenta está reutilizando as roupas antigas. 

Essa não é, no entanto, a única dificuldade de acesso ao ensino municipal envolvendo tecnologia. 

O resultado da Prova São Paulo, avaliação aplicada pela Secretaria Municipal de Educação no fim do ano letivo de 2021, revelou impactos preocupantes da pandemia no nível de aprendizado dos estudantes em todas as áreas abordadas: matemática, português e ciências naturais. 

O desempenho na prova mostrou que 94% dos jovens do 9° ano do ensino fundamental aprenderam menos do que era esperado em matemática. O mesmo vale para 85% dos estudantes do 6° ano.  

Acontece, no entanto, que a prova foi aplicada em meio digital. Segundo inspeção do TCM, “a Secretaria Municipal de Educação enfrentou dificuldades operacionais e gerenciais”.  

Além da precariedade da conexão com a internet em diversas escolas, o Tribunal de Contas constata que o uso dos tablets pessoais dos estudantes foi problemático por diversos motivos.  

“Alunos esqueciam o aparelho em casa ou tinham receio de levá-los à escola, aparelhos não estavam funcionando adequadamente, ou estavam aguardando manutenção, ou, ainda que em funcionamento, apresentaram dificuldades em carregar as provas”, descreve o documento da inspeção do TCM.  

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Estrutura 

“Tivemos praticamente um ano e meio sem aulas presenciais. Era o período para a SME utilizar dos recursos disponíveis no orçamento - porque nós temos, são quase R$380 milhões destinados a reformas de unidades escolares – para preparar as escolas para esse retorno”, avalia Celso Giannazi. 

Segundo o vereador, a prefeitura cumpriu a promessa feita no final de 2020 de comprar equipamentos para a instalação de salas digitais em todas as escolas da rede municipal. “Mas não foram instalados. A quase totalidade das escolas está com esses equipamentos abandonados, armazenados há mais de um ano”, critica. 

Reformas de infraestrutura também estão pendentes em diversas unidades. É o caso da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Professora Rosa Maria Dôgo de Resende, na zona sul de São Paulo. Desde que a queda de uma árvore destruiu a caixa d’água há cerca de um ano, ela está fechada aguardando reforma.  

Também na zona sul, no bairro do Grajaú, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Professora Lia Maria dos Reis de Jesus Souza Silva está funcionando, mas com salas interditadas. São mais de 300 dias de espera por uma reforma que resolva a situação da chuva que cai dentro da sala de aula. 

Na zona oeste, a EMEF José Maria Pinto Duarte teve parte de sua área interditada pela Defesa Civil por conta de rachaduras na estrutura.  

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo, mas não teve resposta até o fechamento da matéria. Caso o órgão se manifeste, a reportagem será atualizada. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho