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Coluna

“A gente não quer só comida…” Mas tudo começa por aí

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Falta emprego, falta dinheiro, falta comida, a moradia vai se tornando cada vez mais precarizada, saúde e educação é quase um privilégio - Mauro Pimentel / AFP
Se por um lado, a população passa fome, do outro, o agronegócio não para de bater recordes de lucro

A grave crise política, econômica e social que atravessamos intensifica as contradições do sistema capitalista, inviabilizando a cada dia as condições reais de vida e sobrevivência da população brasileira. Esse agravamento ainda perpassa por uma pandemia que está para completar dois anos e que não enxergamos perspectivas de melhoras.

Ao mesmo tempo, a vida real nos impõe uma retomada quase que total do 'velho normal'.

Nesse contexto, o povo sente piorar as suas condições de vida: falta emprego, falta dinheiro, falta comida, a moradia vai se tornando cada vez mais precarizada, saúde e educação é quase um privilégio. Precisamos falar sobre “as fomes” que assolam nosso país e não menos diferente, nosso estado do Rio de Janeiro.

A fome mais evidente e talvez uma das mais cruéis, é aquela que sentimos quando nos falta algo para comer, ou quando não temos o que dar aos nossos filhos e familiares que moram com a gente. Jornais e as redes sociais noticiam quase todos os dias filas para receber ossos, aglomerações de pessoas em busca de restos alimentares, supermercados vendendo pelancas, pessoas morrendo, literalmente, de fome. 

Nosso país, infelizmente, voltou ao mapa da fome, como informado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2020, depois de sair dessa estatística em 2014. Nos anos anteriores, o Brasil investiu em políticas públicas que reduziram em quase 25% a extrema pobreza e geraram emprego para a população.

Hoje, temos em torno de 20 milhões de brasileiros passando fome todos os dias e quase 117 milhões que sofrem algum tipo de insegurança alimentar, segundo estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan, 2021). De acordo com dados da  Central Única de Favelas (CUFA), em parceria com o Instituto Data Favela e Locomotiva, 82% da população das áreas de favela no Rio de Janeiro depende de doações para se alimentar. Segundo os mesmos dados, o número médio de refeições por dia dessas famílias é 1,9; bem abaixo das três refeições diárias que dão o mínimo de dignidade de se viver.

Precisamos entender que a fome é um problema político e deste sistema, que, ao invés de promover igualdade e justiça, gera miséria para muitos e riqueza para poucos.

Se por um lado, temos cada dia mais a população passando fome, do outro, temos o agronegócio brasileiro batendo recordes de lucro em 2021 na produção e comercialização das ditas commodities (produtos agrícolas para exportação). Estamos a cada dia deixando de produzir alimentos, como aipim, arroz e feijão por exemplo, para avançar na lógica destrutiva do modelo do agronegócio com as grandes monoculturas de soja, milho e cana de açúcar, que turbinam o sistema financeiro e são transportadas direto para fora do país.

Essa política que se baseia no modelo do agronegócio é insustentável ambientalmente, economicamente e socialmente. Esse modelo que tem como características, a monocultura, a artificialização da agricultura, a financeirização, o intenso uso de agrotóxicos e transgênicos e a alta mecanização, expulsa trabalhadores do campo, os contamina e não traz desenvolvimento algum para os territórios, muito ao contrário, gera fome, miséria e doença.

O agro não é pop como diz a propaganda, o agro é morte. 

Neste momento, está em trâmite no Senado Federal um projeto de lei que flexibiliza o registro de agrotóxicos no país. Conhecido como Pacote do Veneno, é mais uma articulação dos parlamentares ligados ao agronegócio, a bancada ruralista. Se for aprovado, será um grande retrocesso para a agricultura no país e uma grande vitória para esse setor que lucra bilhões por ano com a destruição e envenenamento das nossas terras. Teremos também danos irreparáveis do ponto de vista da saúde da população, visto que o uso dos agrotóxicos na agricultura, vai direto para a mesa das famílias na cidade.

São muitos os problemas desse modelo de desenvolvimento. A fome não é oriunda da falta de produção de alimentos, mas sim da falta de distribuição e acesso para o conjunto da população. Defendemos a reforma agrária popular, por ser um conjunto de políticas capazes de gerar desenvolvimento, a partir da distribuição de terras e renda, e de promover a justiça social e a paz nas áreas rurais do nosso país.

Esse desenvolvimento também melhora as condições de vida e de renda de quem está na cidade e periferias urbanas. A reforma agrária popular deve ser assumida pelo conjunto da sociedade como uma pauta necessária para o combate à fome e o desenvolvimento do nosso país.

Continuaremos por aqui, denunciando e combatendo “as fomes” que trazem tantas mazelas e sofrimento ao nosso povo. Nossa pauta precisa ser baseada na fartura, da vida, da comida, das alegrias e da justiça social. São muitas fomes que hoje nos perturbam e nos deixam de barriga vazia, portanto, é preciso lutar para derrotar esse governo e construir um outro projeto de sociedade.

Edição: Mariana Pitasse