Coluna

Sangue nas mãos e veneno na mesa

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No Rio de Janeiro, manifestantes realizam protesto no último sábado (5) em frente ao quiosque onde Moïse foi assassinado - @pablovergarafotografia/MST-RJ
Brasileiros estão pagando o preço da aliança do agronegócio e do capital financeiro com racistas

Olá, os brasileiros estão pagando o preço da aliança do agronegócio e do capital financeiro com racistas, nazistas e milicianos. Mas a ficha vai caindo, Bolsonaro desidrata e Lula vem aí.

 

.Bastardo Inglórios. Um dos efeitos mais nefastos do bolsonarismo, sem dúvida, é o duplo estímulo ao armamentismo e à impunidade, civil ou militar, com banalização da violência. E, obviamente, carregada de racismo. Até o ministro Gilmar Mendes fez coro às centenas de manifestações contra o assassinato do congolês Moïse Kabagambe e reconheceu que o caso tinha sua origem “no poder do Estado paralelo e na invisibilidade do controle armado”, leia-se, nas milícias cariocas. Enquanto quatro comissões do Congresso investigavam o caso, outro trabalhador negro foi morto no Rio. Durval Teófilo Filho foi assassinado na porta do condomínio onde morava por um sargento da Marinha, que “o confundiu com um bandido”. Na mesma semana, um jovem negro foi preso por dois dias, quando estava indo comprar pão, porque estava “no lugar errado” - a padaria - segundo os policiais. O Supremo Tribunal Federal (STF) deu 90 dias para que o governo do Rio apresente um plano para reduzir a letalidade policial em operações nas favelas. Já o ministro da Justiça Anderson Torres propôs uma  MP que anistia e regulariza os donos de armas ilegais. Trata-se de mais uma política para armar os aliados do governo, mas que também alimenta o crime. Como revela Ana Flávia Gussen, numa operação da Polícia Civil e do MP carioca foi encontrado um arsenal de guerra, legalizado e autorizado pelo Exército, à serviço do tráfico de drogas. E quando o termômetro da banalização da violência já estourou faz tempo, até Augusto Aras sai da sua tradicional letargia para apurar a apologia ao nazismo por um youtuber e um deputado do MBL.

.De quem é esse jegue? Já se passaram cem dias do final da CPI da pandemia e até agora a Procuradoria-Geral da República (PGR) não moveu uma palha para apurar responsabilidades. As únicas investigações que tiveram andamento foram feitas por alguns Ministérios Públicos estaduais. Tal como antes, Bolsonaro segue disseminando desinformações que têm efeitos catastróficos e que agora afetam a vacinação das crianças, que anda a passos lentos. Pior, a ideia de que a variante ômicron não passa de uma gripezinha ganhou também a opinião pública, com crianças e adolescentes voltando às salas de aula em todo o país mesmo que estejamos contabilizando mais de 1.000 mortos por dia. Por isso, em partes, Bolsonaro venceu. A pandemia não o preocupa. Ele está mais interessado em recuperar o apoio do público cativo, como 41% dos evangélicos que consideram o governo ruim ou péssimo e que são alvo das fake news onde Lula aparece possuído pelo demônio. O governo trabalha também para reverter sua rejeição no nordeste, onde Lula ostenta 61% das intenções de votos. Mas a despreocupação de Bolsonaro em destilar seu humor de tiozão contra os nordestinos sugere que ele está na verdade mais interessado em armar seu cercadinho do que em ampliar seu eleitorado. Isso também é o que causa calafrios no centrão, que já percebeu que a população não sabe o que o governo fez, e mesmo que isto seja visto como um “problema de comunicação”, pode criar atritos com Carluxo, o marqueteiro do pai. Por essas e outras é que Ciro Nogueira preferiu não citar o nome do chefe no comício de lançamento de sua candidatura no estado do Piauí. Parece que agora ninguém quer morrer montado nesse jegue.

.Nada ficou no lugar. É improvável que o tour de Bolsonaro pelo nordeste faça com que o capitão recupere aqueles 20% de eleitores que votaram nele em 2018 e que agora vêem Lula como alternativa. Afinal, o cenário que motivou essa parcela do eleitorado já não existe mais. Segundo Esther Solano, quem acreditou na Lava Jato e estava frustrado com o sistema político, agora está insatisfeito com a crise econômica, não compactua com o autoritarismo e com a falta de humanidade de Bolsonaro e, além disso, tem medo que ele tente dar um golpe. Ainda que a eleição esteja distante, Lula avança com consistência e tem conseguido capturar as insatisfações com o governo. O primeiro passo para colocar na rua a candidatura petista será a criação de cerca de 5 mil comitês populares espalhados pelo país, que deverão combater as fake news, denunciar a inflação, o desemprego, a fome e os crimes do governo durante a pandemia. E com as candidaturas Moro e Dória murchando dentro dos próprios partidos, até os investidores de Wall Street já dão como dado que Lula será o próximo presidente. Mas eles também querem disputar o programa, vendo como sinais positivos a aliança com setores tucanos, com Alckmin de vice e abertura de diálogo com José Serra, e o aceno de Lula para o respeito à autonomia do Banco Central. Claro que nem tudo são flores na relação do petista com o mercado financeiro. Afinal, outras organizações de esquerda, como Psol por exemplo, também disputam o programa de um futuro governo. Até agora o ponto de maior tensão com o empresariado é a proposta de revogação da reforma trabalhista e a possibilidade de substituí-la por um novo marco legal do trabalho. E, independentemente de quem for eleito, se o angu desandar no próximo governo, a Câmara já tem um dispositivo preventivo para tirar da gaveta: o semipresidencialismo.

.Aceita-se Pix. É difícil entender porque Paulo Guedes reclama tanto. Segundo ele, “faltou apoio para implementar a agenda liberal”. Mas como faltou? Bolsonaro fez melhor o trabalho de vender o patrimônio nacional que muito neoliberal de carteirinha. A diferença é que ele não perde tempo com discurso doutrinário: o negócio é vender mesmo, legal ou ilegalmente, e de preferência para os amigos. Foi em seu governo que explodiram as concessões para a exploração de Nióbio na Amazônia, algumas nas bordas de terras indígenas. O agronegócio conseguiu aprovar na Câmara em velocidade relâmpago a PEC que desregulamenta e intensifica ainda mais o uso de agrotóxicos no Brasil. E agora, até a gestão de cinco unidades de conservação, como a Serra da Canastra (MG), entraram na roda da “desestatização”. É claro que o sonho de Guedes de privatizar a Eletrobras, os Correios e a Caixa ainda não saiu do papel. Mas isso tudo por culpa do Tribunal de Contas da União (TCU) e não do governo. E os amigos também ganharam, como os militares que este ano vão abocanhar a maior parte do orçamento. Pouco importa se a economia nacional siga rastejando, que a pauta das exportações está mais pobre e que os juros e a inflação não parem de subir. Mas entende-se o aborrecimento de Guedes. Afinal a PEC dos Combustíveis articulada pelo ministro Rogério Marinho, apoiada por Flávio Bolsonaro e pelo presidente da Petrobras Joaquim Silva e Luna pode custar algo como R$ 100 bilhões em desoneração fiscal. A peripécia eleitoral não agradou o mercado, como indica a manifestação do Banco Central. Pois, como a PEC não mexe na política de preços e sim na tributação, ela não resolve de fato o problema dos combustíveis, apenas comprova que a indignação de Guedes e de Campos Neto faz parte do jogo de cena de uma política econômica que se move mais por interesses imediatos do que por convicções. 

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Um mapa do presente da América Latina. O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social entrevista o ex-chanceler peruano Hector Béjar sobre a situação política na América Latina.

.A revista QuatroCincoUm publica um especial sobre o trabalho, com uma entrevista com Paulo Gallo, uma análise sobre a mecanização no mercado de trabalho e porquê o capitalismo mantém os trabalhos que não produzem nada.

.O contexto da concertação trabalhista na Espanha. No Poder360, Clemente Ganz descreve como a reforma trabalhista espanhola foi revogada e quais experiências podem ser aproveitadas no Brasil.

.A conexão. A Piauí rastreou um lote de madeira ilegal das florestas do Pará até uma luxuosa loja em Nova York.

.‘Estratégia de Bolsonaro chegou ao seu limite’. Em entrevista para O Globo, o pesquisador Giuliano Da Empoli, autor de Engenheiros do Caos, analisa o esgotamento do discurso contra o establishment durante a crise da covid-19.

.O “comboio da liberdade” no Canadá é uma farsa reveladora. O movimento de caminhoneiros antivacina e de extrema-direita canadense é o tema desta reportagem da Jacobin.

.'Vendetta: A Guerra Antimáfia'. História italiana se repete no Brasil. O ex-presidente da OAB Cezar Britto comenta o documentário sobre a Operação Mãos Limpas e suas semelhanças com a Lava Jato.

.Quem é o podcaster negacionista que o Spotify tanto ama. A Rede Brasil Atual detalha quem é o ativista racista e antivacina que enche os cofres do streaming de música.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo