Coluna

Jair no paredão

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Bolsonaro eleva o tom dos conflitos e está cada dia mais isolado - Sergio Lima / AFP
Será preciso mais do que fotos comendo frango com farofa para fazer bombar o projeto de reeleição

Olá, com o retorno do Legislativo e do Judiciário, Bolsonaro eleva o tom dos conflitos e está cada dia mais isolado. Mas com a sua base armada até os dentes.

 

.Sem amigos. Será preciso mais do que fotos comendo frango com farofa para fazer bombar o projeto de reeleição. Na política o que se vê é um crescente isolamento: o PP liberou os caciques estaduais para usarem o tempo de propaganda eleitoral como quiserem, inclusive para apoiar Lula, e até mesmo o fiel Republicanos já discute se apoiará Lula ou Moro. O principal problema, avalia um dos aliados, é que Bolsonaro “não usa a razão” e é incapaz de construir consensos, além de continuar apostando no negacionismo a respeito da vacina. Mas há também os custos da fracassada política de austeridade. Os juros seguem subindo, as condições sociais do país beiram o colapso e as greves no setor público desafiam o governo em setores estratégicos. E mesmo assim Paulo Guedes comemora um superávit primário nas contas públicas. Exemplo do custo da austeridade são os deslizamentos de terra, que talvez pudessem ser atenuados se o governo federal não tivesse negado recursos para obras da rede de drenagem. O mesmo problema encontra-se na PEC que busca reduzir o preço dos combustíveis, que conta com a oposição de Guedes assim como da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado no Congresso. E por fim, os puxadinhos privados dos assessores, que abrem empresas particulares para prestar serviço para o setor público, desmoralizam um governo que já foi aliado do lavajatismo. Ou seja, ninguém quer ficar abraçado numa figura impopular cuja derrota parece inevitável, nem mesmo o agronegócio, que já flerta com outros candidatos, e muito menos o público feminino, que rechaça em massa o capitão. Em compensação, a família Bolsonaro torna-se mais refém do que nunca de um centrão bombado com um orçamento decisivo para o processo eleitoral, obrigando Eduardo a sentar no colo do PL de Costa Neto com um sorriso no rosto. 

 

.Preliminares. A semana foi de retomada dos trabalhos do Legislativo e Judiciário. No Congresso, com ano eleitoral, há mais pautas do que interesse em votar polêmicas como o preço dos combustíveis, a liberação dos jogos de azar, a lei antiterrorismo, a comercialização de armas de fogo e a privatização dos Correios e da Eletrobras. Mesmo assim, há temas em que o Legislativo e o Executivo podem entrar em choque, com a possível derrubada de vetos presidenciais sobre o orçamento do INSS e a alteração do Prouni, além da proposta de dar maior autonomia à Anvisa para evitar as ingerências do governo. No judiciário, Bolsonaro não foi na reabertura dos trabalhos do STF, mas mandou recados aos ministros no discurso ao Legislativo. Isso depois de ter ignorado a convocação de Alexandre Moraes para depor sobre o vazamento de dados sigilosos feitos em uma live. A PF deu o inquérito por encerrado, mesmo reconhecendo ter havido crime e os desdobramentos passam agora pela PGR, para tranquilidade do capitão. Mas enquanto estão tapando um buraco, outro se abre: depois de três anos,  o TCU resolveu investigar a farra do cartão corporativo de Bolsonaro! E isso tudo são apenas preliminares. Neste semestre, o STF deve decidir sobre o passaporte vacinal, o marco temporal em terras indígenas, a disseminação de conteúdos falsos na internet e a lei da ficha limpa.  E os conflitos podem ganhar uma escala ainda maior no segundo semestre, quando haverá a troca no comando das cortes superiores, incluindo STF, TSE, e TCU, ascendendo ao poder figuras menos próximas a Bolsonaro. Com tudo isso, até o vampirão neoliberal foi escalado novamente para tentar apagar o fogo.

 

.Fortes sinais. Quando os líderes de instituições de um país alertam insistentemente que paira uma ameaça sobre a democracia, algo está errado. Mas é justamente isso o que acontece aqui, como revelam os discursos de Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rodrigo Pacheco. E todo mundo sabe que a ameaça senta ao lado e tem nome: Jair Bolsonaro. Afinal, um golpe talvez venha a ser a única possibilidade de ele se manter no poder. O problema é que sozinho ele não terá força para uma aventura desse tipo. E é aí que entram os militares. Curiosamente, a fala do comandante da força aérea, o mais bolsonarista dos militares, de que prestará continência ao presidente seja ele quem for ele, soa estranha porque já pressupõe a possibilidade contrária. A verdade é que ninguém acredita mais que as forças armadas têm qualquer apreço pela democracia, não só porque são historicamente entreguistas, como alertam Fiori e Nozaki, mas também porque incorporaram o olavismo em seus espaços de formação. E motivos de desconfiança não faltam, afinal partiu dos próprios militares as falsas denúncias de fraude nas urnas eletrônicas em 2018. Outra preocupação é o vínculo da família Bolsonaro com a indústria armamentista e a facilitação de compra de armas. O uso da etiqueta de “colecionador” e “caçador” permitiu que em 2021 houvesse um aumento de 12% na importação de revólveres e pistolas, e 574% no número de fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras, acobertando traficantes de armas como o “Bala 40” preso em Goiânia na semana passada. E o exército, que deveria controlar a circulação de armas no país, não esboça qualquer preocupação com este cenário. Onde tudo isso vai parar e para que será usado? Será que este ano o desfile de 7 de setembro será armado em outubro?

 

.Em movimento. Lula tem tratado pessoalmente das articulações para ampliar o que ele chama de uma “candidatura movimento”, maior que o PT. Em uma semana, Lula acenou para o MDB, contando com Renan Calheiros para minar a candidatura de Simone Tebet; assediou novamente o PSD de Kassab, contando com uma provável desistência de Rodrigo Pacheco e um acordo para a reeleição ao senado; sem deixar de afagar o PSOL de Guilherme Boulos. Enquanto isso, deixa a construção da federação - com os aliados já firmados PSB, PCdoB e PV - para Gleisi Hoffmann. Com o PSB definindo o nome de Danilo Cabral para sucessão do governador de Pernambuco Paulo Câmara, parte do imbróglio com os petistas deve se resolver, ficando apenas a situação de Márcio França em São Paulo no caminho da consolidação da federação. Por outro lado, na esperança de manter sua base coesa, especialmente os militares, Bolsonaro atacou o petista com o surrado discurso de “corrupção” e “Venezuela” e escalando um ministério hipotético com Zé Dirceu e Dilma Rousseff, enquanto a Faria Lima repetiu a mesma tática com medo de Guido Mantega. Os ex-ministros da Casa Civil e da economia descartaram qualquer possibilidade de participação em um novo governo, enquanto Lula afirmou que prefere um ministério “com gente nova”, quando perguntado sobre a ex-presidenta. E na zona do rebaixamento, encontram-se João Doria e Sergio Moro. O primeiro vê seu partido se dissolver. Depois de Alckmin, agora é Eduardo Leite quem pode abandonar o PSDB para tentar uma candidatura no PSD. Já Sergio Moro,  ainda com contas a acertar com o TCU, tem dificuldades para encontrar quem o queira nos palanques estaduais. Além disso, o ex-juiz se revela cada vez mais uma imitação de Bolsonaro, recorrendo a velhos sucessos do capitão, como privatizar tudo e sua própria versão da “mamadeira de piroca” para os evangélicos.

 

.O futuro do trabalho. A combinação da persistência da pandemia com a crise econômica torna o cenário incerto para o emprego na América Latina, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O relatório anual da OIT prevê um crescimento de apenas 2% para o continente, com o desemprego caindo apenas 0,2 ou 0,3 %. Para a organização, é provável que a recuperação não ocorra antes de 2024. No caso brasileiro, a pandemia só agrava uma década de destruição do mercado de trabalho, como sistematiza Luis Nassif: aumentaram em 12,6 milhões os brasileiros que estão desocupados ou fora da força de trabalho; a agricultura reduziu 1,1 milhão de postos, a indústria eliminou 1 milhão de empregos e a construção civil outros 460 mil. Para o economista Marcio Pochmann, a desindustrialização, a desnacionalização e a desregulamentação trabalhista levam ao país a se inserir numa nova Era Digital, apenas como consumidor e não como produtor. Nesta nova era, o trabalho é externalizado através da contratação de multidões de trabalhadores disponíveis, sem que horário e lugar sejam determinados previamente, permitindo crescentemente a sua realização em casa e as relações salariais são substituídas por relações de crédito e débito. Pochmann defende uma nova CLT para estes novos tempos, enquanto Nassif avalia que a proteção social virá da construção de modelos de renda e aposentadoria universais. E mesmo em novos tempos, velhas bandeiras também podem se fortalecer: longe da periferia, na Europa, os países do centro começam a discutir a jornada de trabalho de 4 dias.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

 

.Cidade mais bolsonarista tem quase 100% de vacinação. O The Intercept revela que mesmo completamente vacinada, Nova Pádua (RS) continua fiel ao bolsonarismo.

.O que se sabe sobre o maior resgate de trabalho análogo à escravidão da última década no Brasil. No Brasil de Fato, Gabriela Moncau retrata a realidade dos 285 trabalhadores resgatados de uma fazenda no interior de Minas Gerais.

.Vale: o dossiê Moçambique. O jornalista moçambicano Estácio Valoi descreve os inúmeros crimes ambientais cometidos pela Vale no país africano.

.Ainda podemos nos tornar um imenso Portugal. Luiz Werneck Vianna aponta as lições da Geringonça e da política portuguesa para o ano eleitoral brasileiro e além.

.Juliane Furno entrevista Guido Mantega. A crise econômica global e a construção de alternativas econômicas para o Brasil são temas da conversa da economista com o ex-ministro da Fazenda. 

.Como a saída de artistas do Spotify mexe com o mercado. Como protestos de artistas contra a divulgação de conteúdo antivacina levou a plataforma a perdas bilionárias. Por Cesar Gaglioni, no Nexo.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo