Rio Grande do Sul

Reparação

MPF recomenda a cassação de títulos honoris causa concedidos a ditadores pela UFRGS

Pedido do Coletivo Memória e Luta de professoras e professores da Universidade levou MPF a atualizar recomendação

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O reitor da UFRGS, Carlos André Bulhões, tem prazo de 30 dias para informar sobre a efetiva constituição da Comissão da Verdade no âmbito da universidade - Foto: Guilherme Santos/Sul21

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que as honrarias concedidas a ditadores sejam cassadas, como recomendou a Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, publicado em 2014. A recomendação foi assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no RS, Enrico Rodrigues de Freitas.

O MPF também recomenda que a reitoria institua a Comissão da Verdade no âmbito da universidade. “Passados quase nove anos do anúncio de que seria constituída Comissão da Verdade no âmbito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, essa não foi instituída e tampouco houve ou há procedimento para instituição”, relata o texto da recomendação.

O MPF questiona a decisão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através de ato do seu Conselho Universitário, em agosto de 1967 e em junho de 1970, de homenagem pela concessão de títulos honoríficos de professor honoris causa ao marechal Arthur da Costa e Silva e de doutor honoris causa ao general Emilio Garrastazu Médici, que presidiram o Brasil durante o regime ditatorial civil-militar e foram considerados autores de graves violações de direitos humanos no plano de responsabilidade político-institucional pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

“Professores, estudantes e servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foram diretamente atingidos pelos atos de exceção indicados, através de expurgos diretos ou de forma difusa pela restrição de direitos de reunião e de manifestação de pensamento, entre outros direitos violados, fato que inclusive levou à criação pela própria Universidade de ‘Memorial aos expurgados da Ufrgs’ em 28 de novembro de 2019, situação que torna incompatível a permanência de concessão de títulos honoríficos a pessoas que foram responsáveis pelas referidas violações de direitos humanos inclusive de membros da própria comunidade universitária”, registra o procurador.

Em 2013, lembra o MPF, na recomendação a Universidade Federal do Rio Grande do Sul reconheceu publicamente a necessidade de instituição da Comissão da Verdade no âmbito da universidade, anunciando a sua constituição com participação de todos os segmentos da comunidade universitária.

O procurador da República também frisa que mesmo sem a constituição de Comissão da Verdade no âmbito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, também não foram implementados outros atos que pudessem dar concretude à medidas de estabelecimento de Memória, Verdade e Reparação, tais como identificação das vítimas da repressão ocorrida no período da Ditadura Militar, iniciativas para demarcar e preservar locais de memória nos campi, identificação de locais e estruturas de informação nas universidades, como, por exemplo, as Assessorias Especiais de Segurança Institucional (Aesi ou ASI), que eram braços do Serviço Nacional de Informações.

Além dos citados, também não houve a realização de estudo de mecanismos de repressão no meio acadêmico, como o decreto-lei 477, que resultou na demissão de professores, servidores e expulsou alunos opositores do regime; Ações de incentivo à pesquisa sobre o período da ditadura e reparação acadêmica, com medidas como a restituição de cargos de professor, servidor e a rematrícula de alunos expulsos.

O reitor da UFRGS, Carlos André Bulhões, tem prazo de 30 dias para informar sobre a efetiva constituição da Comissão da Verdade no âmbito da universidade e 60 dias para responder ao MPF sobre a cassação ou revogação das referidas homenagens.

Pressão pela revogação partiu de docentes da UFRGS

O Coletivo Memória e Luta de professoras e professores da UFRGS protocolou, na quarta-feira (12), um processo no Sistema Eletrônico de Informações – SEI/UFRGS solicitando a revogação dos títulos honoris causa de Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, executores da ditadura civil-militar brasileira e responsáveis, em última instância, pelos expurgos realizados na Universidade durante os anos de chumbo do regime militar.

Os docentes que integram o Coletivo embasam a reivindicação em amplo dossiê que relata e contextualiza os crimes cometidos durante os períodos de governo desses dois generais, durante os quais ocorreram a morte e desaparecimento de dezenas de pessoas que se opunham à ditadura.

“(…) Este dossiê fornece subsídios históricos suficientes para reconhecer que as práticas antidemocráticas perpetradas pelas presidências dos generais Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici tiveram um brutal impacto sobre a sociedade brasileira nas mais diversas esferas, imprimindo um passado de traumas e dores cujas consequências são colhidas ainda hoje nos mais diversos âmbitos da vida, e que também perpassam o cotidiano educativo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul”, diz o documento, coordenado pelo historiador e professor do IFCH Enrique Serra Padrós, falecido em dezembro.

Reparação histórica

“Na atual conjuntura política, de retrocessos democráticos e ataques à ciência, torna-se imprescindível a ação de uma Universidade plural, crítica e atuante na defesa dos direitos humanos e da democracia. Em meio aos ataques à ciência e à pluralidade de pensamento, surgem diversas iniciativas que vêm revisitando a memória histórica brasileira, refletindo sobre possíveis ações de promoção da igualdade e de reparação histórica relativa a crimes cometidos no passado, mas que têm em comum os efeitos perversos no presente”, acrescenta o requerimento.

Médici, que foi presidente do Brasil entre 1969 e 1974, já teve um título do tipo revogado pela UFRJ, em 2015.

Conforme relatório da Comissão da Memória e Verdade (CMV) da UFRJ, trata-se de uma “reparação moral aos estudantes e professores da UFRJ torturados, mortos e desaparecidos e como resgate da dignidade acadêmica do Conselho Universitário”.

Em 2021, a partir de uma proposta da Adunicamp, o Conselho Universitário da Unicamp, por unanimidade, anulou o título de Doutor Honoris Causa de Jarbas Passarinho, conspirador para o golpe de 1964 e ministro da educação na ditadura.

Expurgos da UFRGS

Na UFRGS, a reparação moral da violência do Estado, teve um marco com o projeto “Memória: 50 anos dos expurgos na UFRGS”, iniciado em 2019. O Projeto marcou o cinquentenário dos expurgos ocorridos na Universidade em 1964 e 1969. Neste período, dezenas de professores, servidores técnico-administrativos e estudantes foram expulsos da instituição em processos arbitrários e agressivos.

“O nosso trabalho reuniu diversas iniciativas de resgate histórico, como a exposição das 18 aquarelas do professor José Carlos Lemos que contou a história dos expurgos na UFRGS e seu contexto, a instalação de um Memorial na forma de uma escultura em granito de Irineu Garcia. Os debates e a edição de um livro foram outras ações que visaram dar a conhecer esta história obscura da nossa universidade” afirmou a professora Regina Xavier, do Coletivo Memória e Luta.


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Edição: Katia Marko