Coluna

Não vou sucumbir

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Elza Soares, que tinha 91 anos, partiu na tarde desta quinta-feira (20), de causas naturais, no Rio de Janeiro - MAURO PIMENTEL / AFP
Ninguém sabe o que 2022 nos reserva

Olá, num país ardendo em chamas e dominado por grileiros, negacionistas, militares e evangélicos, nos despedimos de Elza Soares, seguindo a sua recomendação

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.Não olhe para cima. A combinação de um governo negacionista na pandemia, crise climática e um capitalismo sedento por lucrar mesmo na tragédia não poderia dar outros resultados.

Enquanto a seca devasta a agricultura na região sul e as chuvas destroem o sudeste, Jair comemora que as multas ambientais não são mais um problema para o agronegócio. Como lembra Bernardo Mello Franco, a devastação é uma política oficial de governo movida pelo desmonte do Ibama, impunidade nas multas e incentivo aos grileiros, garimpeiros e madeireiros.

Até o famigerado Frederick Wassef, advogado das rachadinhas, foi acionado para terminar o trabalho de Ricardo Salles e liberar a madeira apreendida pela Polícia Federal numa operação contra madeireiras ilegais que custou o cargo de um delegado da Polícia Federal (PF).

O resultado é a maior destruição da floresta amazônica da última década em um único ano, o que é literalmente visível nos rios contaminados pelo garimpo, como o Tapajós. Obviamente, Bolsonaro não está sozinho nesta empreitada.

Depois da omissão do governo, vem a ação do agronegócio. Esqueça os manifestos preocupados com a questão ambiental do ano passado. Na vida real, empresas como a Cargill não têm pudores em plantar ou comprar grãos de áreas devastadas. E a conta em ignorar o meteoro ambiental vem para todo o planeta, com 2021 entre os anos mais quentes da história, e para o próprio agronegócio, com a maior seca dos últimos 17 anos no sul do país, causando um prejuízo de R$20 bilhões.

.Senhor das tormentas. Ninguém sabe o que 2022 nos reserva. A incerteza é tão grande que nem mesmo a aposta no caos que levou Bolsonaro ao poder pode garantir seu sucesso novamente. Aliás, até agora parece o contrário.

Em primeiro lugar não se sabe quando a pandemia terá fim. Se o Brasil seguir o padrão europeu, o pico da ômicron deverá ocorrer nas próximas semanas. Mas as projeções variam entre o pessimismo de um aumento vertiginoso de mortes e o otimismo em relação à eficácia da vacina.

Enquanto 79% da população apoia a vacinação das crianças, Bolsonaro e Queiroga continuam apostando no negacionismo: depois de diminuir o tempo de quarentena obrigatória, a dupla ainda cancelou a compra de testes para covid-19 e segue espalhando fake news sobre efeitos negativos da vacina.

A segunda área de incertezas é a economia. A combinação de quebra da safra, aumento da conta de luz e desarticulação das cadeias globais de produção indicam a possibilidade de uma inflação ainda mais alta do que a do ano passado.

Nesse caso, a aposta de Bolsonaro e Guedes é que o Auxílio Brasil seja capaz de aliviar o desespero dos 14 milhões de desempregados previstos para este ano e aproveitar a folga de R$ 1,8 bilhões na correção inflada do teto de gastos para comprar algum apoio. Porém, a promessa de aumento salarial para os policiais disparou uma paralisação que envolve quarenta categorias de servidores federais que também reivindicam reposição salarial.

Ou seja, a estratégia de cooptação seletiva por parte do governo gerou dissensos, com o STF alertando sobre o risco jurídico da manobra e o general Mourão desmentindo a promessa de aumento para os policiais. Com isso, Bolsonaro pode ter que administrar uma crise com efeitos políticos importantes, já que o funcionalismo público tem poder de mobilização também dentro do Congresso.

.Saindo de fininho. E a lista de problemas que Bolsonaro é incapaz de solucionar não para de crescer. Se os freios e contrapesos institucionais não foram capazes de conter o bolsonarismo, por outro lado, eles têm sido suficientes para atrapalhar os planos do capitão. Este é o caso da nova postura da Anvisa contra o negacionismo e da comissão mista das fake news que envolve STF e Senado, que pode ser reativada para combater a desinformação nas próximas eleições.

No Senado, os problemas do governo são especialmente graves já que ele se mostra incapaz de articular uma liderança estável. Mas o que realmente dá dores de barriga no capitão é a perda de apoio entre sua base mais fiel. No caso dos evangélicos, parte do problema são as disputas pelo comando da bancada evangélica no Congresso e a insatisfação do bispo Edir Macedo com a falta de apoio do Planalto para as aventuras da Igreja Universal no território africano.

Mas há também um crescente distanciamento da massa evangélica em relação a um sujeito que gosta de matar o serviço para andar de moto e jet ski. Além disso, Bolsonaro corre o risco de ficar sem o braço forte e a mão amiga das forças armadas.

Preocupado com a imagem da instituição, o comandante do Exército aposta em distribuir mimos caros para seus aliados e em esboçar um posicionamento político mais independente, aventando inclusive a possibilidade de um diálogo com Lula.

E quando a fase é ruim até os melhores amigos traem, como fez Abraham Weintraub ao denunciar que Bolsonaro soube com antecedência da investigação contra seu filho Flávio. Sintoma de que o bolsonarismo se fragmentou e de que não há poder para tantas facções, avalia Bruno Boghossian. Em uma briga desse tipo, ninguém confia em ninguém e talvez só reste mesmo a Bolsonaro e família espionar todos à sua volta.

.Meu malvado favorito. Se tudo sair como planejado, a partir do aniversário do PT em abril, Lula deve intensificar a campanha para a presidência.

Isso significa colocar a casa em ordem até lá, ou seja, decidir se o PT formará uma federação partidária para os próximos quatro anos, incluindo as eleições municipais, com PSB e PCdoB e talvez PSOL e, principalmente, o nome de seu vice.

Neste caso, a peça central no tabuleiro é Geraldo Alckmin. Lula preferia que o ex-tucano entrasse no PSD, trazendo o partido de Gilberto Kassab para a aliança e diminuindo a força do PSB para negociar palanques estaduais.

Porém, com a insistência de Kassab em deixar o partido independente na disputa, mantendo a candidatura de Rodrigo Pacheco, o destino de Alckmin deve ser mesmo o PSB e a vice-presidência. Ainda que seu nome enfrente resistência de petistas ilustres como Dilma Rousseff, ou de lideranças do PSOL como Guilherme Boulos e Valério Arcary que lembra que a adesão do tucano convertido é sinal de rebaixamento do programa.

Diante do incômodo, quem reapareceu na coletiva para os veículos de imprensa alternativa foi a versão Lulinha paz e amor, que bateu no mercado, avisando que ele não será prioridade no programa, mas dando a entender que Alckmin deve mesmo ser seu vice. E o mercado preferiu acreditar mais na segunda do que na primeira afirmação, derrubando o dólar.

Enquanto isso, na zona de rebaixamento, Sérgio Moro pode se ver sem palanque tanto no União Brasil quanto no seu próprio partido, apesar da adesão do MBL à sua candidatura.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Bilionários: o que os gera, como suprimi-los. A Oxfam demonstra como o número de bilionários aumentou mais durante a pandemia do que nos últimos 14 anos e como enfrentá-los.

.“Todos os ingredientes para milicializar o país estão dados”, diz pesquisador . Em entrevista para o GGN, o professor Daniel Veloso Hirata alerta para a expansão dos grupos militares, mas também caminhos para sua superação.

.Desaceleração da economia global representa crise do neoliberalismo, apontam pesquisadores. No Brasil de Fato, Michele de Mello comenta sobre o cenário econômico latino-americano e suas alternativas.

.Cuba mostra como agir contra as mudanças climáticas. Como a ilha caribenha, na contramão do mundo, se tornou líder de mudanças reais para impedir a crise climática.

.O último dos oito. No O Globo, Bernardo Mello Franco se despede do poeta amazônico Thiago de Mello relembrando um episódio de sua juventude durante a ditadura militar.

.A história oculta de Muhammad Ali. A Jacobin comemora os 80 anos do boxeador resgatando sua trajetória de luta contra o racismo e o imperialismo.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Leandro Melito