Direitos Humanos

Em 2021, foram feitas 571 denúncias de violação à liberdade de crença no Brasil

Para mãe de santo Adna Santos, não se trata de intolerância apenas, e sim de um racismo religioso

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Em 2021, escultura de Ogum, divindade do candomblé, foi incendiada e destruída na Praça dos Orixás, em Brasília - Crédito das fotos: Mãe Baiana de Oyá

Celebrado nesta sexta-feira (21), o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa está profundamente marcado pelo racismo. Isso porque, no Brasil, grande parte dos ataques de ódio tem como alvo pessoas e comunidades de terreiro, vinculadas às religiões de matriz africana, mesmo apenas 0,3% da população brasileira se declarar seguidora dessas crenças, segundo dados do censo oficial de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

As estatísticas sobre esse tipo de violência, no entanto, ainda são muito insuficientes no detalhamento dos casos. Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), no ano passado foram registradas 571 denúncias de violação à liberdade de crença, mais do que o dobro (243) das denúncias registradas em 2020. No Distrito Federal, o número de denúncias pelo Disque 100 somou 18 em 2021. 

Os casos envolvem violações praticadas contra diferentes religiões, mas números de 2019 mostram que, das denúncias identificadas, mais da metade tinha como vítimas justamente pessoas e comunidades de religiões afro. 

"Não se trata de intolerância apenas. Estamos falando de um racismo religioso. São ataques sistemáticos às nossas comunidades tradicionais, ao povo preto, aos terreiros", aponta a mãe de santo Adna Santos, mais conhecida como Mãe Baiana de Oyá.

Até setembro do ano passado, Mãe Baiana era coordenadora de Política de Promoção e Proteção de Liberdade Religiosa da Subsecretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial do DF, mas decidiu se desligar da função após não conseguir avançar em medidas para enfrentar o problema.

O estopim foi a depredação, em agosto de 2021, de uma escultura de Ogum, uma divindade do candomblé, que ficava na Praça dos Orixás, patrimônio da cidade e lugar sagrado em Brasília para as religiões afro. Mãe Baiana pleiteava uma reforma e aumento da segurança no local, sem sucesso. A Praça dos Orixás já foi vítima de outros ataques anos atrás.


Mãe Baiana de Oyá: "Não se trata de intolerância apenas. Estamos falando de um racismo religioso" / Antonio Cruz/Agência Brasil

A própria Lei Federal nº 11.635/2007, que instituiu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, durante o governo Lula, é baseada em uma história real de racismo religioso, praticado contra a mãe de santo Gildásia dos Santos e Santos, Mãe Gilda, de Salvador (BA). Em 1999, a Igreja Universal do Reino de Deus publicou uma reportagem no jornal Folha Universal com o título “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes" e a foto de Mãe Gilda.

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Desde então, a mãe de santo e outros membros do terreiro de Candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, fundado por Mãe Gilda, passaram a ser alvos de perseguição, o que resultou no agravamento de problemas de saúde, levando-a à morte no dia 21 de janeiro de 2000.

"A discriminação religiosa no Brasil claramente se dá mais em religiões de matriz africana. Isso está dentro de um racismo estrutural, institucionalizado", afirma Ângela Santos, delegada-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).

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Segundo ela, o número de denúncias no DF é relativamente pequeno porque há um temor por parte das vítimas. "Elas têm uma dificuldade muito grande de procurar as autoridades. Muitos terreiros ficam até fora dos limites do DF, embora seu integrantes vivam na capital. Isso também cria uma dificuldade", analisa. 

Para Mãe Baiana de Oyá, é fato que o medo toma conta das comunidades de terreiro, mas também um certo cansaço histórico. "Todo ano é a mesma página, escrita da mesma forma", diz, e acrescenta: "O povo de terreiro está cansado, tanto que não procura mais a Justiça. É o cansaço de não ser atendido, de não ser visto".

Para a delegada Ângela Santos, a especialização do trabalho pela polícia e pelas instituições públicas é fundamental para uma melhor prestação do serviço

"Nós temos esse papel de acolher, de compreender a dimensão do problema. Muitas vezes, há uma minimização do problema, quando acontece uma injúria do tipo chamar de macumbeiro, que pode parecer de alguma forma banal para um agente público, mas trata-se de uma expressão forte de racismo religioso que precisa ser enfrentada. Mas, para além das ferramentas de repressão, especialmente nos casos de violência, eu entendo que só a educação poderá fomentar um ambiente mais tolerante e diverso para a liberdade religiosa no DF e no Brasil", disse Mãe Baiana. 

Como denunciar

A Decrin, que fica no Complexo da Polícia Civil, próximo ao Parque da Cidade, abre de segunda a sexta-feira, das 12h às 19h. As denúncias, inclusive anônimas, também podem ser encaminhadas pela Delegacia Virtual e por meio do Disque-Denúncia 197 mantido pela polícia. Além disso, todas as delegacias do DF possuem uma seção especializada em crimes diversos de intolerância, como racismo, homofobia, contra pessoas com deficiência, entre outros.  

Ato inter-religioso

Com o objetivo de alertar e conscientizar a comunidade do Distrito Federal para a intolerância religiosa enfrentada por diversos templos e praticantes de religiões de matriz africana, comunidades de terreiro realizam o tradicional Ato Inter-Religioso ao redor do Pau-Brasil, a partir das 10h no Ilê Axé Oyá Bagan, no Paranoá.


Ato Inter-Religioso no próximo domingo (23) marca celebração do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no DF / Divulgação

O Brasil de Fato entrou em contato com o governo do DF para pedir um posicionamento sobre a política de combate à intolerância religiosa na capital do paíse  aguarda resposta.  

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino