Ceará

DIREITOS HUMANOS

Entrevista | "Os Direitos Humanos são um conjunto de direitos que defendem a garantia da vida"

Para falar sobre Direitos Humanos, o Brasil de Fato conversou com a advogada Mayara Justa.

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte CE |

Ouça o áudio:

A suspensão dos despejos é fruto da luta das famílias e da solidariedade e união das muitas forças aliadas da luta popular e da defesa por direitos humanos através da Campanha Despejo Zero - PH Reinaux

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, após a segunda guerra mundial. A Declaração Universal marcou a primeira ocasião em que os países chegaram a um acordo sobre uma declaração abrangente de direitos humanos. O documento inclui direitos civis e políticos como o direito à vida, à liberdade, liberdade de expressão e privacidade, mas também, direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito à segurança social, saúde e educação. Além disso, ressalta que os Direitos Humanos são universais independentemente de cor, raça, religião, ideologia política e sexualidade.

Para falar mais sobre o tema, o Brasil de Fato conversou com Mayara Justa, advogada do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, localizado nas dependências da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.

Brasil de Fato – Mayara, o que representa a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos?

Representa um grande marco. A data foi escolhida em alusão ao dia em que a Declaração Internacional dos Direitos Humanos foi assinada e chancelada por diversos países do mundo após um período de verdadeiro horror, quando a humanidade viveu o holocausto com as grandes guerras. Então, celebrar esse dia é também celebrar a vida e sua valorização nas mais diversas formas.

Muitas vezes as pessoas pensam que é apenas mais uma data no calendário, quando na verdade é muito mais importante, é uma data instituída após um período em que a humanidade conviveu com muitas violações encampadas pelo Estado, por uma classe social, por uma elite que estava no poder e impôs condições cruéis para a humanidade. Por isso ressalta a importância de sua celebração, pois celebrar também é reafirmar que a humanidade não tolera mais aquele caos e aquela forma como as pessoas foram tratadas naquele período, é a celebração da humanidade dizendo que não aceita preconceito, discriminação, violação e que defende a vida nas suas mais diversas formas.

Brasil de Fato – O que são os Direitos Humanos?

Os Direitos Humanos são um conjunto de direitos que podem estar efetivados, ou não, que defendem a garantia da vida, que possibilita a vida sem discriminação, sem sofrimento, sem violações por qualquer característica que aquela pessoa tenha. Muitas vezes, os Direitos Humanos, principalmente aqui no Brasil, são vistos como "coisa de bandido", e na verdade, o intuito da existência da defesa dos Direitos Humanos é defender a legislação que nós temos. Então, a existência desse conjunto de direitos começa num período histórico em que as pessoas buscam a liberdade, seja liberdade de pensamento ou de crítica e vai evoluindo em todos os seus aspectos.

É importante pontuar que os direitos humanos englobam não somente os direitos do homem, mas também questões de gênero, de raça – entendo raça aqui como algo não biológico, mas a raça socialmente construída –. Esses direitos envolvem também o que constitucionalmente chamamos de Direitos Fundamentais como direito à saúde, à educação, à moradia, direito a não ter tratamentos cruéis em qualquer âmbito que seja.

Hoje a gente fala muito em liberdade de pensamento, liberdade de manifestação e isso tudo faz parte desse campo bem amplo dos Direitos Humanos, que podem estar positivados, como a gente fala, dentro da nossa lei, ou não. Existem ainda outras formas de reconhecimento que são as legislações internacionais e o Brasil é um país que teve na sua história um momento de muito desrespeito, de muitas violações, principalmente durante a Ditadura Civil Militar, mas a Constituição é a reafirmação do compromisso com esses direitos humanos.

Brasil de Fato – E qual a importância de fazer valer esses direitos?

A importância diz respeito as pessoas alcançarem um bem viver. O objetivo desses direitos não são apenas proteger a humanidade, mas também o meio ambiente em que ela vive. É, por exemplo, para que Fortaleza não perca as suas áreas verdes, não sofra maior degradação dos seus poucos campos de dunas, é que tenha um rio cocó e outros rios da cidade preservados, para que a gente não aceite a mineração no interior do Ceará e destrua as nossas comunidades tradicionais. Quando a gente fala que as pessoas não podem ser despejadas no meio de uma pandemia onde a principal proteção das pessoas é ter uma casa para poderem se isolar e não contrair o vírus em atividades externas a gente está falando de Direitos Humanos.

Então a importância disso é pra que as pessoas realmente tenham uma vida plena e que possam ter acesso à saúde, educação, moradia, trabalho entre outros, de forma igualitária.

Brasil de Fato – Você citou anteriormente que ainda escutamos muito da sociedade que os Direitos Humanos são "coisas de bandido" e que além disso, ainda há pessoas que criticam esses direitos. Gostaria de saber porquê isso ainda acontece?

Acontece muito porque há uma distorção sobre o que são os Direitos Humanos. Muitas vezes, se você for perguntar pra uma pessoa na rua, as pessoas não vão classificar ou não vão saber alguns direitos que estão inseridos nesse campo dos Direitos Humanos. E sobre isso falta uma educação voltada para o conhecimento acerca dos nossos direitos e quando se trata de Direitos Humanos é pior ainda. É nítido que essa falta de educação sobre o tema seja proposital, temos uma sociedade que não se reconhece, não sabe quais são os seus direitos ou acredita que direitos importantíssimos, como os Direitos Humanos são somente para gerar impunidade.

Hoje, quando falamos em Direitos Humanos as pessoas acreditam ainda que são somente para bandidos como já dito, e quando afirmamos isso, no fundo estamos criticando a impunidade e o crescimento da violência. O que gera o aumento de violência nas cidades e no campo? É a falta de recursos, de trabalho, de acesso aos direitos, ao lazer, a cultura, a educação formal e outros tantos direitos essenciais e básicos para o povo.

Brasil de Fato – Existe alguma ferramenta que mude essa visão das pessoas que ainda criticam os Direitos Humanos?

Existe sim. Acredito que a ferramenta mais importante seja a educação, mas não essa educação bancária como o Paulo Freire falava, mas uma educação popular, que parta das nossas experiências, trazendo reflexões a partir das experiências que nós temos. Não são situações abstratas ou fórmulas pensadas e apenas encaixadas na cabeça das pessoas. A educação popular tem muito a contribuir com o índice por ter uma metodologia que faz com que a pessoa saiam do seu lugar de conforto, de simplesmente "não, eu sou um aluno, estou recebendo conhecimento", mas pra que ela se perceba como participante daquele processo e que ela também é um ser formulador.

No Escritório Frei Tito de Alencar além das nossas ações de defesa e demandas judiciais e extrajudiciais, também valorizamos e sempre tentamos trabalhar sobre o viés da educação popular, essa conscientização não só para a área de educação de Direitos Humanos, mas também em outras áreas.

Brasil de Fato – Mayara, você pode nos explicar o que é o Escritório Frei Tito de Alencar e quais os serviços ofertados e trabalhos realizados?

O escritório Frei Tito de Alencar é um escritório de Direitos Humanos, de assessoria jurídica popular que existe na Assembleia Legislativa do Ceará há 21 anos, completados este ano. Somos institucionalizados por lei e vinculados à Comissão de Direitos Humanos da Casa, mas somos um órgão autônomo, onde não temos vinculação com nenhum partido ou deputado e trabalhamos mais em sistemas de parceria com a Comissão de Direitos Humanos, que também debate os mesmos temas que tratamos dentro do escritório.

O escritório é de Direitos Humanos e assessoria jurídica popular. E o que significa a assessoria jurídica popular? A assessoria jurídica popular é uma prática dentro do direito existente há mais de 20 anos e consiste em uma prática diferenciada que busca sair da lógica advogado-cliente que é a prática mais tradicional que se vê dentro da advocacia e do direito. Essa prática busca horizontalizar essa relação e isso é uma prática voltada para a defesa dos Direitos Humanos. Trabalhamos também em várias outras defesas, mas sempre pautados no princípio de defesa dos Direitos Humanos e da horizontalidade. Outra premissa faz parte da assessoria jurídica popular, é a utilização dos métodos da educação popular quando se tem a demanda pelas comunidades e pelos movimentos populares assessorados.

É uma prática diferenciada e ter essa demarcação no escritório é muito importante porque nós sabemos como os serviços advocativos no Brasil são caros, e ainda que exista a Defensoria Pública, a Assessoria Jurídica Popular possui um caráter mais amplo e não se presta só a fazer a defesa dentro de processos judiciais, mas também é a atuação extrajudicial, de buscar incidir no poder público junto ao sistema judiciário de um modo mais amplo pela garantia e pela efetivação dos direitos, e é isso que a gente tem feito aqui no escritório.

Quando surgiu o escritório, primeiro nós éramos um convênio da Assembleia Legislativa com o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE) e com as universidades. Depois essa parceria foi aumentando, se consolidando e foi instituída por lei em 2011 e hoje temos uma sede. Dessa forma nós atendemos aqui na Assembleia Legislativa e atendemos todo o estado do Ceará pelo fato de ser dentro de um órgão de estado que é a Assembleia do Ceará.

Brasil de Fato – Onde as pessoas podem pegar mais informações sobre os trabalhos realizados no escritório?

Nosso atendimento acontece de segunda à sexta-feira, das 8h às 12h e de 13h às 17h, de forma totalmente presencial. O escritório fica localizado no Anexo III da Assembleia Legislativa do Ceará, na Av. Pontes Vieira, nº 2300, sala 301, bairro Dionísio Torres.

Temos como canal de atendimento os nossos telefones (85) 3277-2687 ou (85) 3277-2688.

Nas redes sociais, estamos na página @escritoriofreitito e temos nosso canal no YouTube onde ficam os conteúdos que nós produzimos sobre Direitos Humanos. Basta pesquisar por Escritório Frei Tito de Alencar.

Outra forma de contato é através do WhatsApp disponível para atendimentos no número (85) 9 9940-3630.

Então tanto a pessoa pode ligar como pode mandar mensagem via WhatsApp para marcar um atendimento com o escritório. Atendemos causas coletivas, que sejam de violação de Direitos Humanos ou causas individuais, que tenham repercussão coletiva.

Brasil de Fato – Assim como o Escritório Frei Tito de Alencar, no Ceará existem outros escritórios de Direitos Humanos?

O Frei Tito é uma ação pioneira, porém, antes dele existiu na Câmara Municipal de Fortaleza o EDH, Escritório de Direitos Humanos da Câmara extinto há algum tempo, ainda na década de 1990. E depois disso é que foi criado o escritório Frei Tito. Atualmente existe um outro escritório de assessoria jurídica popular que é o Escritório Dom Aloísio Lorscheider, na Câmara de Fortaleza, que funciona com estrutura menor e possui as mesmas premissas do Frei Tito, só que restrito a Fortaleza por ser um equipamento da Câmara Municipal de Fortaleza.

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Edição: Francisco Barbosa