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André Mendonça no STF: entenda por que Frente de Evangélicos se posiciona contra candidatura

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Pastor André Medonça é indicado de Bolsonaro para vaga no STF - Agência Senado
O pastor foi indicado ao Supremo para fazer esse serviço sujo: para agradar crentes

*Nilza Valéria Zacarias

Daqui a pouco é a sabatina do André Mendonça. Pode ser que, quando ler esse texto, a sabatina já tenha terminado e ela já tenha a benção do Senado para ser o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

E, sendo honesta, isso nem poderia ser um problema, se a escolha não fosse marcada pela obsessão do presidente e seus asseclas em jogar a bola sempre disposto a fazer um gol para agradar ao chamado público evangélico.

André Mendonça é pastor. O que não deveria ser problema. Cada cidadão brasileiro tem o direito de ter sua fé. Mesmo servidores públicos, ou agentes do Estado, podem ter o credo que quiserem. O que não pode, de jeito algum, é ocupar espaço por essa fé.

Não pode, de jeito algum, um ministro do Supremo agir em seus julgamentos e votos baseados nas suas convicções religiosas.

Não pode, de forma alguma, um agente público, seja em qual função for, trabalhar baseado em seus princípios de fé.

Lembro que, uns tempos atrás, eu ouvia grupos de adolescentes grávidas. Fiz esse trabalho em algumas cidades, e quando falávamos da camisinha distribuída no posto de saúde da comunidade, elas diziam que era complicado. Complicado, vejam só! A profissional do posto – alguém da comunidade – ou saia contando para todo mundo que a menina estava transando, ou era crente, ou da igreja dos pais das meninas, e isso virava um problema.

A comparação não é descabida. Ela revela a promiscuidade que permeia as relações entre a fé evangélica crescente entre os pobres, as instituições do poder público e todo mundo que fica no meio disso, sem entender nada. Afinal, muitas das meninas eram crentes também.

O André Mendonça é no meu mundo figurado, o cara que não entregará as camisinhas. E isso é muito pior do entregar e fazer fofoca. Ele estará no Supremo para fazer esse serviço sujo. Para agradar crentes.

Quem quer somente agradar crentes não será, nunca, um defensor da laicidade que almejamos: um Estado que proteja todas as religiões.

Que, por definição, é um estado que proteja todos os seus cidadãos. É difícil entender que temos uma Constituição, a Constituição Cidadã de 1988, e que tudo isso está escrito lá?

Ontem e hoje, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito resolveu enfrentar esse problema lá dentro do Senado. Buscando conversa com senadores e chefes de gabinete que pudessem, de alguma forma, levar para a sabatina alguma das perguntas organizadas pelo movimento, sobre a atuação do André Mendonça quando era ministro da Justiça e seu comprometimento leal a um governo marcado pela injustiça, pela barbárie, pela morte de mais de 613 mil brasileiros.

Pela falta de comida na mesa do povo. Se houvesse Justiça – mesmo a marcada pelos conceitos das instituições – não poderia haver fome. E parece, o André Mendonça não estudou isso nas leis nem na Bíblia.

Em defesa do livro que é o livro da fé cristã, sobretudo dos evangélicos, a justiça é uma ideia central na Bíblia.  Nos textos originais o termo justiça é dito por uma série de vocabulários que nem sempre tem correspondência nas línguas ocidentais. Mas, estão lá com sentidos que exprimem à ordem criada, ordenadora das justas relações entre os homens, e ao comportamento justo e idôneo.

Nos Salmos, além da ideia de ordem, justiça indica uma ação, que se conforma à ordem estabelecida, dando ao outro o que lhe corresponde e restaurando a sua dignidade. Os profetas foram homens da justiça social e a consciência moral dos dirigentes do povo. E, nem vou chegar a falar de Jesus.

É bom dizer aqui que o conceito de justiça de Deus não consiste em que Deus deva algo a qualquer ser humano, mas no que Deus quer para que o ser humano viva bem e dignamente.

Caso o André fosse internamente movido pela sua fé, haveria de ser um bom ministro para a suprema corte do Brasil.

Caso seja só parte do jogo para, mais uma vez, tratar evangélicos como se não fossem donos de sua própria história, não haveremos de ver, como há muito não vemos, a justiça correndo como um rio abundante.

O fato é que a Frente de Evangélicos, esse movimento que acredita na justiça como ideia central dentro dos textos sagrados, está lá, no Senado, acompanhando tudo de perto. E vai ver, com tristeza, o Senado aprovar o seu nome, até mesmo com o apoio de gente que elegemos e que embarca na mesma loucura de fazer gol para os crentes.

A gente precisa continuar explicando que crente não é uma massa única, muito menos uma massa de manobra.

Triste é ter que explicar isso para os da direita e os da esquerda, os que só enxergam votos. Talvez, seja hora de enxergar consciência. Isso, de verdade, pode mudar um país.

Bem, abaixo estão as perguntas que gostaríamos de fazer ao André Mendonça. Pode ser que alguma seja feita, ou não.  A consciência é, de fato, algo que falta nessas terras.

Sabatina da Frente de Evangélicos 

A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito é um movimento, nascido no meio cristão evangélico em 2016, com os objetivos de promover a justiça social, a defesa de todos os direitos garantidos pela Constituição brasileira e pela legislação internacional de direitos humanos, enfrentando quaisquer violações desses direitos, lutando pela garantia do Estado Democrático de Direito. 

A atuação da Frente é marcada por um crescimento constante, desde que criada, atraindo evangélicos de todo o Brasil que possuem inquietações sobre os rumos da democracia brasileira, a soberania nacional e os retrocessos sociais que ameaçam os mais pobres e vulneráveis, como as crianças e a população negra. A atuação da Frente de Evangélicos, em promover debates e reflexões sobre a realidade brasileira é reconhecida por acadêmicos, formadores de opinião, grupos políticos e movimentos sociais que validam as ações desenvolvidas, reconhecendo a importância de diálogo com o segmento evangélico

1- Tiago 3.17 afirma que a sabedoria do alto se caracteriza por imparcialidade, o Brasil é um país laico, o senhor, entretanto, tem sido apresentado como futuro representante dos evangélicos no STF, o que contradiz a lógica do Estado Laico. Logo, por definição, sua indicação é injusta e, por definição, compromete a sua imparcialidade. Como o senhor analisa e se analisa diante dessa questão? 

2- Em Lucas 9.51-56 Tiago e João se ofereceram para pedir a destruição da aldeia samaritana que, por motivos religiosos, impediu que Jesus passasse por ela para ir à Jerusalém, no que foram repreendidos por Jesus que, mais uma vez lhes ensinou sobre sua missão de salvação e sobre que espírito deveria movê-los.

Hoje, no Brasil, evangélicos têm sido acusados de reprimir outras religiões, principalmente, de matriz africana, chegando a ser acusados de invasão e depredação de lugares de culto dessa expressão religiosa. O Senhor, como evangélico, como encara tais possibilidades e qual seria sua postura se tivesse de julgar algo dessa ordem? 

3- Em Deuteronômio 16.19 há a recomendação de que não seja torcida a justiça pela acepção de pessoas. O senhor classificou o Presidente Bolsonaro como profeta, concedendo-lhe, portanto, uma posição de autoridade religiosa. Como o senhor poderá garantir imparcialidade quando e se tiver de julgar o Presidente Bolsonaro?

4- Em Eclesiastes 3.16 está registrada a indignação do sábio quando constar que no lugar do juízo reinava a maldade. O senhor, quando ministro da justiça foi acusado de usar o ministério para perseguir os desafetos,  do presidente Bolsonaro,  segundo acusação, o senhor abusou de processos com base na lei de segurança nacional; perseguiu jornalistas e produziu um dossiê sobre a situação de 379 policiais e professores identificado como antifascistas; o que é, na voz do sábio, pura maldade. Corremos o risco de ver o senhor ser acusado do mesmo, quando ministro do Supremo? Se não… Por que não? 

5- Em Amós 5.21-24 é dito que Deus abomina toda a pretensa devoção do povo porque a única postura que Deus queria não foi tomada, qual seja, a de que corresse o juízo como as águas e a justiça como ribeiro perene.

O senhor está indicado por um governo que, desrespeitando a laicidade do Estado, deu cor religiosa ao seu governo, contudo, está repleto de acusações de injustiça, em todos os níveis, contrariando, portanto, todo o discurso religioso que, contra a constituição federal, proferiu. Sua participação e indicação neste e deste governo nos dá a entender que toda essa prática criminosa teve e tem a sua anuência. Que garantias podemos ter de que, agora, o senhor preservará e cumprirá a constituição? 

6- Em Mateus 5.10 Jesus chama de bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça. O governo que o senhor serviu e representou tem se caracterizado, entre outros deslizes, pela acusação de atacar e fomentar ataque ao STF, elevando os atuais ministros e ministras à categoria de perseguidos por causa da justiça. Por que deveríamos colocá-lo ao lado dos que o governo que o indica tem sido acusado de atacar? O senhor denunciaria o governo que o indica?

*Nilza Valeria Zacarias é jornalista e coordenadora Nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.

**As opiniões contidas nesse artigo não refletem necessariamente a posição do Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse